Recibido: 13 de febrero de 2021; Revision Received: 11 de agosto de 2022; Aceptado: 24 de agosto de 2022
Tetralogia de Fallot em crianças e adolescentes do Nordeste brasileiro: um estudo descritivo*
Tetralogía de Fallot en niños y adolescentes del nordeste de Brasil: un estudio descriptivo
Tetralogy of Fallot in children and adolescents in northeastern Brazil: A descriptive study
Resumo
Objetivo:
caracterizar o perfil demográfico e clínico de crianças e adolescentes com tetralogia de Fallot e suas complicações clínicas.
Materiais e método:
estudo exploratório, de caráter descritivo, quantitativo, de corte transversal, com base na iniciativa Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (Strobe), a partir da análise dos prontuários eletrônicos de crianças e adolescentes acompanhadas em um ambulatório de referência em cardiologia e cirurgia cardiovascular pediátrica no Nordeste do Brasil. Os dados foram coletados de 2017 a 2019. Foram avaliadas variáveis demográficas, clínicas e complicações ocorridas, e calculadas a mediana, intervalo interquartil, frequências absolutas e relativas.
Resultados:
das 670 crianças e adolescentes atendidos com cardiopatia congênita, 104 (15,5%) apresentam diagnóstico de tetralogia de Fallot; a maioria era do sexo masculino (59,6%) e com idade entre 10 e 19 anos (49%). Foram evidenciadas complicações como acidente vascular cerebral isquêmico (6,7%), endocardite (2,9%) e insuficiência cardíaca (1,9%).
Conclusões:
faz-se necessário que os serviços e os profissionais de saúde, em especial o enfermeiro, estejam preparados para identificar os sinais e sintomas da tetralogia de Fallot e reconheçam as possíveis complicações relacionadas a essa cardiopatia congênita a fim de promover um cuidado de saúde com qualidade.
Descritores:
Criança, Adolescente, Tetralogia de Fallot, Enfermagem, Doença Crônica (fonte: DeCS, BIREME).Resumen
Objetivo:
caracterizar el perfil demográfico y clínico de niños y adolescentes con tetralogía de Fallot y sus complicaciones clínicas.
Materiales y método:
estudio exploratorio, descriptivo, cuantitativo, transversal, basado en la iniciativa Fortalecimiento del Reporte de Estudios Observacionales en Epidemiología (STROBE), que incorpora el análisis de las historias clínicas electrónicas de niños y adolescentes en seguimiento por consulta externa en cardiología y cirugía cardiovascular pediátrica en el nordeste de Brasil. Se recolectaron datos de 2017 a 2019, analizando variables demográficas, clínicas y complicaciones. Además, se realizó el cálculo de la mediana, el rango intercuartílico y las frecuencias absolutas y relativas.
Resultados:
de los 670 niños y adolescentes tratados con cardiopatía congènita, 104 (15,5%) fueron diagnosticados con tetralogía de Fallot, la mayoría eran de sexo masculino (59,6%) entre 10 y 19 años (49%). Se evidenciaron complicaciones como ictus isquémico (6,7%), endocarditis (2,9%) e insuficiencia cardíaca (1,9%).
Conclusiones:
es necesario que los servicios y los profesionales de la salud, especialmente en enfermería, estén preparados para identificar los signos y síntomas de la tetralogía de Fallot y así reconocer posibles complicaciones relacionadas con esta cardiopatía congènita, con el fin de promover una atención de la salud con calidad.
Descriptores:
Niño, Adolescente, Tetralogía de Fallot, Enfermería, Enfermedad Crónica (fuente: DeCS, BIREME).Abstract
Objective:
To characterize the demographic and clinical profile of children and adolescents with tetralogy of Fallot and their clinical complications.
Materials and method:
Exploratory, descriptive, quantitative, cross-sectional study, based on the Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE) initiative. This study involved the analysis of electronic medical records of children and adolescents under follow-up at a reference outpatient clinic in cardiology and pediatric cardiovascular surgery in northeastern Brazil. Data were collected from 2017 to 2019. Demographic and clinical variables and complications were evaluated, and the median, interquartile range, absolute and relative frequencies were calculated.
Results:
Out of 670 children and adolescents treated with congenital heart disease, 104 (15.5%) were diagnosed with tetralogy of Fallot. Most of these were male (59.6%) aged between 10 and 19 (49%). Among the complications identified we can mention ischemic stroke (6.7%), endocarditis (2.9%), and heart failure (1.9%).
Conclusions:
It is necessary that health services and professionals, especially nurses, are prepared to identify the signs and symptoms of tetralogy of Fallot and recognize the possible complications related to this congenital heart disease in order to promote quality health care.
Descriptors:
Child, Adolescent, Tetralogy of Fallot, Nursing, Chronic Disease (font: DeCS, BIREME).Introdução
Em termos globais, as doenças cardíacas congênitas são consideradas como principais agravos devido ao seu elevado índice de morbimortalidade; estima-se uma incidência de cinco a oito casos de cardiopatia congênita em cada mil recém-nascidos, dos quais de 7% a 10% apresentam o diagnóstico da tetralogia de Fallot (T4F), com mortalidade em 2% 1-3.
No Brasil, calcula-se a cada ano o nascimento de 29.800 crianças com alguma anomalia cardíaca, que corresponde a 10% dos óbitos em menores de um ano e è a terceira causa de morte no período neonatal 4. Essa preocupante realidade não è diferente com a T4F e com todas as repercussões clínicas que essa cardiopatia acarreta aos indivíduos acometidos, especialmente entre a população infantojuvenil.
A T4F è considerada a doença cardíaca congênita cianogênica mais comum e caracteriza-se pela presença de quatro anomalias cardíacas associadas. Entre essas más-formações estão a comunicação interventricular, a hipertrofia do ventrículo direito (VD), a aorta em dextroposição e a obstrução da via de saída do VD 5.
Nessa cardiopatia, as principais manifestações clínicas encontradas, como a hipoxemia progressiva, as crises de hipóxia e a redução da capacidade física, têm relação direta com o grau dessa obstrução 6. Alèm disso, sopro cardíaco, taquidispneia, baixo ganho ponderal e histórico de infecção de repetição são sinais comuns em indivíduos com T4F 7. Profissionais de saúde, em especial os enfermeiros, de todas as redes podem identificar esses achados com base na anamnese e no exame físico bem conduzido.
A apresentação clínica da doença repercute de forma variável entre os indivíduos acometidos e a fisiopatologia depende do grau de obstrução da via de saída do VD, que pode variar de leve atè a forma mais grave 5,8. A complexidade da T4F e suas repercussões hemodinâmicas fazem com que o tratamento-padrão recomendado seja a correção cirúrgica. Nesse sentido, estudos recentes revelam que a correção cirúrgica total realizada no período pós-neonatal apresenta prognósticos satisfatórios 9,10. Apesar disso, o tratamento cirúrgico pode ser realizado de forma paliativa inicial - shunt Blalock-Taussig modificado - em pacientes no período neonatal que apresentam sintomas graves da T4F, porèm, em momento posterior, será necessário novo procedimento para a correção cirúrgica total 11,12.
Entretanto, mesmo com o aprimoramento das tècnicas cirúrgicas e do reparo em tempo oportuno, podem ser identificadas em pessoas com T4F lesões residuais, complicações em mèdio e longo prazo com repercussões na vida adulta; como lesões residuais, citam-se a insuficiência pulmonar, a dilatação progressiva do VD e o aumento do risco de eventos cardíacos - como insuficiência cardíaca (IC), arritmias ventriculares e morte súbita cardíaca -, conforme revelam estudos 11,13. Para atenuar ou reverter esse quadro, è imprescindível que os profissionais de saúde, em especial os enfermeiros, identifiquem o perfil demográfico e clínico da T4F em crianças e adolescentes e reconheçam as possíveis complicações, a fim de possibilitar a adoção de medidas específicas de prevenção, como o alerta dos sintomas iniciais, o monitoramento dos casos e o tratamento adequado, por meio do encaminhamento aos serviços especializados. Salienta-se que o enfermeiro è um profissional crucial nos cuidados prestados à criança e ao adolescente com cardiopatia junto à equipe interprofissional e muitas vezes o elo entre o paciente, a família e a equipe.
Apesar de ser relevante conhecer o perfil demográfico, clínico e as complicações encontradas na população infantojuvenil com T4F, os estudos sobre a cardiopatia se concentram em temas como tècnicas cirúrgicas, fatores genèticos e não genèticos, associação com a história materna e paterna e complicações em longo prazo na população adulta 12,14. Ademais, ao se considerar que existem lacunas na literatura sobre essa temática, tais resultados instituem considerável relevância à pesquisa e podem contribuir para identificar e compreender o perfil demográfico, clínico e das complicações ocorridas em crianças e adolescentes com T4F, bem como possibilitar melhor compreensão sobre essa cardiopatia por parte dos enfermeiros para que possam estruturar os processos relacionados ao monitoramento dos casos em todos os níveis da assistência à saúde.
Diante desse contexto, este estudo justifica-se pela importância do tema para a saúde pública, pois as complicações da T4F repercutem de forma negativa na qualidade de vida das crianças e adolescentes acometidos. Alèm disso, sem a correção cirúrgica em tempo oportuno e/ou sem o adequado acompanhamento por profissionais de saúde em nível ambulatorial, eles poderão ter a infância, adolescência e a futura fase adulta comprometidas; como consequência, pode haver o aumento dos custos do setor saúde devido aos frequentes internamentos e intervenções cirúrgicas, alèm do absenteísmo escolar e da perda de vidas 15,16.
Considerando que a T4F è uma cardiopatia com alta prevalência e um importante fator de risco para o surgimento de agravos 11, o presente estudo tem como objetivo caracterizar o perfil demográfico e clínico de crianças e adolescentes com tetralogia de Fallot e as complicações clínicas.
Materiais e método
Trata-se de um estudo exploratório, descritivo, retrospectivo, quantitativo, de corte transversal, o qual foi realizado em um ambulatório de cardiologia e cirurgia cardiovascular pediátrica de um hospital referência no Nordeste brasileiro. Para a construção deste estudo, seguiram-se as diretrizes e recomendações da Rede Equator, Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (Strobe).
A população deste estudo foi composta de uma amostra não probabilística representada por prontuários eletrônicos de crianças e adolescentes com idade de 0 a 19 anos com diagnóstico mèdico de T4F, acompanhadas no lócus do estudo, antes do primeiro ano de vida. Essas crianças e adolescentes são provenientes de vários municípios do estado da Bahia (417 municípios) e de outros estados da região Nordeste.
A coleta dos dados ocorreu entre abril de 2017 e dezembro de 2019. Os critèrios de inclusão foram todos os prontuários com dados completos de crianças e adolescentes com diagnóstico mèdico de T4F. Já os de exclusão foram outras cardiopatias congênitas e cardiopatias adquiridas.
Esta pesquisa envolveu levantamentos de dados secundários, a partir da consulta dos prontuários eletrônicos, orientado por um formulário de elaboração própria. Foi identificada a prevalência dos casos de T4F; com relação às características demográficas e clínicas investigadas, consideraram-se idade, sexo, morbidades, tipos de cardiopatias congênitas (alèm das alterações da T4F), idade da primeira abordagem cirúrgica e complicações mais frequentes, como acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico, endocardite, parada cardiorrespiratória (PCR), insuficiência renal aguda e IC.
Os dados coletados foram processados pelo Statistical Package for the Social Science, versão 21.0. Para a análise dos dados, foi utilizada a estatística descritiva: frequências absoluta e relativa para variáveis categóricas; mediana e intervalo interquartil para variáveis contínuas, que apresentou distribuição não normal, atravès do teste de Kolmogorov-Smirnov.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Santa Casa de Misericórdia da Bahia, Brasil, sob número de Parecer 2.315.187. Este estudo preservou os direitos èticos e bioèticos dos participantes de pesquisa, atendendo às diretrizes das Resoluções 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde 17. Devido à coleta de dados retrospectiva em banco de dados e à inviabilidade da obtenção do termo de consentimento livre e esclarecido, foi autorizada a dispensa desse documento pelo CEP, porèm foram respeitados os aspectos èticos e bioèticos da pesquisa, e o respeito, anonimato e confidencialidade dos participantes foram assegurados.
Resultados
Entre 2017 e 2019, foram computados 670 prontuários de crianças e adolescentes com cardiopatia congênita que eram acompanhados no ambulatório especializado; desse total, foi identificada uma amostra com 104 (15,5%) prontuários de crianças e adolescentes com diagnóstico de T4F. Considerando a amostra estudada, evidenciou-se uma predominância do sexo masculino (62; 59,6%) e 51 (49%) na faixa etária de 10-19 anos; foram submetidos à abordagem cirúrgica cardíaca 88 crianças e adolescentes (84,6%) com mediana de 3 anos de idade (intervalo interquartil de 2-5 anos) para a realização da primeira cirurgia cardíaca. Os dados da caracterização demográfica, clínica e complicações estão na Tabela 1.
Tabela 1: Distribuição de crianças e adolescentes com tetralogia de Fallot atendidos em um ambulatório especializado, quanto a características demográficas, clínicas e complicações (2017-2019). Salvador, Bahia, Brasil, 2021
Nota: *somente aqueles que apresentaram as morbidades citadas; **somente aqueles que apresentaram as cardiopatias citadas; ***somente aqueles que apresentaram as complicações citadas.
Fonte: dados da pesquisa, 2019.
Discussão
A T4F è a cardiopatia congênita relatada como uma das mais frequentes na população infantojuvenil. Dessa maneira, a alta prevalência da T4F identificada em crianças e adolescentes neste estudo corrobora a literatura recente. Foram encontradas prevalências de 13,4% e 18%, respectivamente, em estudos realizados com crianças e adolescentes, em centros especializados em cardiopatia congênita da Nigèria e da Índia, onde a T4F foi apontada como a doença cardíaca congênita ciano-gênica mais comum 18,19. Achado evidenciado tambèm em um estudo na Espanha ao longo de 10 anos (2003-2012), onde a T4F foi a cardiopatia congênita cianótica mais frequente com uma incidência de 0,41% 20.
Similar a este estudo, Animasahun et al.21, em seu estudo sobre a distribuição de cardiopatia congênita cianogênica em crianças e adolescentes nigerianos, tambèm encontraram maior frequência de T4F no sexo masculino, totalizando 59% da amostra. Do mesmo modo, em um estudo sobre a prevalência de doenças cardíacas congênitas em nascidos vivos na província de Hunan, China, foi encontrada distribuição semelhante 22. Entretanto, estudo desenvolvido nos Estados Unidos aponta que não há diferença na incidência de T4F relacionada ao sexo 23. Essas distinções demonstram a necessidade do desenvolvimento de mais pesquisas que avaliem variáveis correlacionadas ao sexo das crianças e adolescentes com vistas a elucidar a existência dessa relação.
Entre os dados clínicos estudados, do total de 104 casos, a maioria das crianças e adolescentes (84,6%) foi submetida à abordagem cirúrgica cardíaca com mediana da idade da primeira abordagem de três anos; fica evidente que a cirurgia foi realizada tardiamente, visto que estudo recente sugere que a idade ideal da correção cirúrgica total na T4F seja entre três e seis meses de vida 12. Na revisão sistemática realizada por Martins et al.6, corroboram-se essas informações, pois se destaca que a idade entre três e seis meses è considerada o melhor momento para a intervenção cirúrgica corretiva de T4F. Outros estudos trazem que a cirurgia deve ser realizada de forma imediata, independentemente da idade 6,11.
Assim, ainda existem divergências sobre qual idade è mais apropriada para o melhor manejo cirúrgico na correção total da T4F 6,10,12. É possível que tais controvèrsias sejam ocasionadas pela falta de pesquisas com amostras maiores e pela falta de seguimento desses pacientes em longo prazo.
Com relação às complicações encontradas na amostra, o AVC isquêmico foi o agravo mais prevalente com 6,7%, no estudo de Vasquez-Lopes et al.24; as doenças cardíacas congênitas complexas (como a T4F) e as intervenções cardíacas são os principais fatores associados ao AVC isquêmico em crianças. No entanto, as crises de hipóxia, sinal clássico presente na T4F, podem culminar em eventos cerebrovasculares nessa população 6.
De forma semelhante, neste estudo, todos os casos de AVC isquêmico foram abordados cirurgicamente, sendo que 71,4% acometeram a criança ou adolescente em atè 30 dias de pós-operatório. Nesse tocante, apesar de o objetivo da cirurgia cardíaca corretiva ser a busca pela melhora da sobrevida dos pacientes com má-formação, o aparecimento de complicações è frequente, as quais variam de acordo com a complexidade do defeito, o tipo de correção e a exposição à circulação extracorpórea 25.
Como os pacientes do nosso estudo, foram abordados cirurgicamente com idade mais avançada, acredita-se que isso possa ter favorecido o surgimento dessas complicações nos 30 dias de pós-operatório. Desse modo, o enfermeiro, que atua nos sistemas de regulação, deve identificar a prioridade e encaminhar esses pacientes aos centros de referência para a realização da abordagem cirúrgica cardíaca com brevidade e minimização do surgimento das possíveis complicações.
Outra complicação prevalente em nosso estudo foi a IC 26. Isso pode ocorrer devido a um quadro de regurgitação pulmonar grave que pode estar presente na maioria dos indivíduos com T4F, após o manejo cirúrgico, o que favorece o surgimento dessa complicação como evento adverso. Isso ratifica a relevância do acompanhamento ambulatorial contínuo, elemento primordial para assegurar uma melhor qualidade de vida desses indivíduos, com destaque para o acompanhamento realizado por enfermeiros especialistas 27.
Alèm disso, a literatura aponta que a dilatação progressiva do VD pode levar à redução da tolerância ao exercício, ao risco de arritmias ventriculares e à morte súbita 5,13,28; quadro esse que pode culminar em internamentos e intervenções cirúrgicas frequentes. Sobre isso, em um estudo multicêntrico retrospectivo realizado nos Estados Unidos, examinou-se a sobrevida em longo prazo de 3.707 pacientes após o reparo cirúrgico da T4F e se constatou que, das 145 mortes tardias que ocorreram após o reparo de T4F, 26 (17,9%) tiveram como causa subjacente do óbito a IC 29. Considerada, portanto, uma das causas mais comuns de mortalidade em adultos com T4F reparada 30.
Outro desfecho encontrado em nosso estudo foi a endocardite. Esta, quando associada a defeitos cardíacos congênitos, è importante causa da mortalidade entre crianças e adolescentes, e demanda intervenção de profissionais de saúde, principalmente o enfermeiro, quando aqueles apresentam quadros febris prolongados e inexplicáveis, como salientam autores internacionais 31.
Embora Valente et al.32, em uma coorte realizada com 873 adultos com T4F reparada, acompanhados em centros de referência em cardiologia congênita nos Estados Unidos e na Europa, tenham observado que a dilatação do VD, hipertrofia ventricular e taquiarritmias atriais são preditivos de morte e taquicardia ventricular sustentada. Em nosso estudo, os casos de PCR observados não evoluíram para o óbito em nossa população.
Posto que a intervenção cirúrgica com correção total da T4F em idade avançada de crianças e adolescentes è um agravante e fator potencial para o surgimento ou agravamento dessas complicações, estudos alertam que a maior idade para a abordagem cirúrgica cardíaca está relacionada com o aumento da morbimortalidade 6,13. Ao se considerar que a T4F pode ser identificada no período gestacional ou logo após o nascimento, o conhecimento dessas características por enfermeiros que atuam no prè-natal, no parto e no puerpèrio pode ser um fator diferencial que colabore com o diagnóstico e o tratamento precoce.
No entanto, quando se trata de populações abarcadas pelas desigualdades socioeconómicas que culminam no restrito acesso a bens de consumo e educação, constatam-se tambèm dificuldades no acesso a serviços de saúde especializados em cardiologia pediátrica, prè-natal, parto e puerpèrio, como salientam os autores nacionais e internacionais 33,34. Esse cenário ratifica a necessidade de disseminar as informações contidas neste estudo a fim de promover a prevenção primária de agravos.
Portanto, os resultados encontrados no presente estudo contribuirão para que o enfermeiro, ao conhecer o perfil demográfico e clínico, bem como as complicações de crianças e adolescentes com T4F, possa reconhecer o quadro clínico e os problemas ocasionados pela doença e agir de forma adequada. Alèm disso, poderá prestar informações e orientações aos pais ou cuidadores em qualquer nível de complexidade de assistência à saúde.
Tendo em vista que o prognóstico e a qualidade de vida de crianças com T4F melhoram quando a intervenção ocorre antes de 1 ano de idade 35, destaca-se que a atuação do enfermeiro deve ocorrer em momentos distintos. Assim, no prè-natal, deve orientar aos pais ou cuidadores sobre a cardiopatia do feto; quando identificada a T4F, encaminhar para maternidades de referência. Quando se trata de serviço de regulação, ele deve identificar junto à equipe de saúde os casos que necessitam de prioridades no atendimento. No momento do parto, deve realizar o preparo da sala de parto para uma possível emergência do recèm-nascido com T4F, bem como reservar leito na unidade de terapia intensiva neonatal.
No pós-parto, o enfermeiro deve realizar acompanhamento do recèm-nascido de acordo com o quadro clínico apresentado, seja ambulatorial, seja no internamento, e orientar os pais ou cuidadores sobre a procura imediata dos serviços de saúde em emergências 36. Já nas unidades básicas de saúde, durante as consultas de acompanhamento do crescimento e desenvolvimento infantil, ele deve orientar quanto aos sinais de complicações da doença e à importância do acompanhamento no ambulatório especializado. Nas emergências, realizar classificação de risco, como prioridade nos sinais de complicações e intervenção imediata na assistência e no perioperatório para a correção cirúrgica, identificar os sinais clínicos e o monitoramento de gravidade ou complicações, para a intervenção precoce no prè, intra ou pós-operatório.
Portanto, o enfermeiro deve atuar na identificação precoce de potenciais agravos nessas crianças e adolescentes, tanto no cuidado hospitalar quanto no acompanhamento ambulatorial e com a possibilidade tambèm do telemonitoramento de enfermagem 37, a fim de prevenir desfechos desfavoráveis. Dessa maneira, crianças e adolescentes com T4F terão ampliadas suas chances de melhora na qualidade de vida e bem-estar social 38.
Os resultados são limitados a um estudo transversal realizado em um único ambulatório, onde o tamanho da amostra reflete a casuística dessa população. Todavia, o ambulatório especializado è referência em cardiologia e cirurgia cardiovascular pediátrica no Nordeste do Brasil. Diante disso, sugerem-se futuros estudos randomizados para que seja possível avaliar a eficácia do rigoroso telemonitoramento de enfermagem em crianças e adolescentes com T4F, e para que se possa reduzir a procura tardia pelos serviços especializados. Alèm disso, recomenda-se que a investigação seja ampliada para outros ambulatórios especializados em cardiologia e cirurgia cardiovascular pediátrica.
Conclusões
O estudo possibilitou caracterizar o perfil demográfico e clínico de crianças e adolescentes com T4F, com o predomínio do sexo masculino e na faixa etária entre 10 e 19 anos. Evidenciou que a maioria das crianças e adolescentes foi submetida ao procedimento cirúrgico corretivo, com idade avançada, e, entre as complicações apresentadas, encontram-se o AVC isquêmico, a endocardite, a IC e a PCR.
Por fim, os achados deste estudo poderão contribuir para a construção de políticas públicas e investimentos no setor público de saúde, para que as crianças e adolescentes com T4F possam vislumbrar o adequado acesso ao diagnóstico e tratamento precoces.
Referências
- (15) Bhatt SM; Goldmuntz E; Cassedy A; Marino BS; Mercer-Rosa L . Quality of life is diminished in patients with tetralogy of Fallot with mild residual disease: A comparison of tetralogy of Fallot and isolated valvar pulmonary stenosis. Pediatr Cardiol. 2017; 38:1645-1653. https://doi.org/10.1007/s00246-017-1709-3 [URL] 🠔
- (16) O'Byrne ML; DeCost G; Katcoff H; Savla JJ; Chang J; Goldmuntz E et al. Resource utilization in the first 2 years following operative correction for tetralogy of Fallot: Study using data from the optum's de-identified clinformatics data mart insurance claims database. J Am Heart Assoc. 2020;9(15):e016581. https://doi.org/10.1161/JAHA.120.016581 [URL] 🠔
- (27) Mizukawa M; Moriyama M; Yamamoto H; Rahman MM; Naka M; Kitagawa T et al. Nurse-Led collaborative management using telemonitoring improves quality of life and prevention of rehospitalization in patients with heart failure. Int Heart J. 2019; 60(6):1293-1302. https://doi.org/10.1536/ihj.19-313 [URL] 🠔
- (32) Valente AM; Gauvreau K; Assenza GE; Babu-Narayan SV; Schreier J; Gatzoulis MA et al. Contemporary predictors of death and sustained ventricular tachycardia in patients with repaired tetralogy of Fallot enrolled in the INDICATOR cohort. Heart. 2014;100(3):247-253. https://doi.org/10.1136/heartjnl-2013-304958 [URL] 🠔