Fatores de risco na repetição de gravidez na adolescência

Factores de riesgo de la repetición de embarazo en la adolescencia

Risk factors of repeated pregnancy in adolescence

Ádala Nayana de Sousa-Mata, Caroline Araújo-Lemos,
Camomila Lira-Ferreira, Liliane Pereira-Braga & Eulália Maria Chaves-Maia*
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal, RN, Brasil
* Correspondencia Eulália Maria Chaves Maia E-mail: eulalia.maia@yahoo.com.br

Recibido: 23 de junio del 2009 -Aceptado: 9 de septiembre del 2009


Resumo

A fim de traçar o perfil biopsicossocial de adolescentes com repetição de gravidez e seus fatores associados, investigou-se questões socio-demográficas, variáveis biológicas e psicológicas de 50 adolescentes multigestas. Os dados analisados através de estatística descritiva apontam que a maioria das adolescentes não frequentava a escola e vivia em união estável, que 54% não fez uso de métodos contraceptivos na primeira relação sexual e 88% nunca participou dos programas de Planejamento Familiar. Assim, políticas públicas de educação sexual e reprodutiva devem identificar comportamentos sexuais de risco, atuar na construção de valores familiares e no planejamento das gestações.

Palavra-chave: repetição de gravidez, adolescente, fatores de risco, educação em saúde.


Resumen

A fin de trazar el perfil biopsicosocial de adolescentes con repetición de embarazo y los factores asociados, se investigaron las variables sociodemográficas, biológicas y psicológicas de 50 adolescentes que se encontraban en su segunda gestación. Los datos analizados a través de estadística descriptiva muestran que la mayoría de las adolescentes no frecuentaba la escuela y vivía en unión estable, el 54% no usó métodos contraceptivos en la primera relación sexual y el 88% nunca participó de programas de planeación familiar. Se concluye que las políticas públicas de educación sexual y reproductiva deben identificar comportamientos sexuales de riesgo, actuar en la construcción de valores de la familia y en el embarazo planeado.

Palabras clave: repetición de embarazo, adolescente, factores de riesgo, educación en salud.


Abstract

This study was intended to outline the biopsychosocial profile of teenagers with repeated pregnancy and to determine the associated factors. It was inquired for sociodemographic, biologic and psychologic variables of 50 teenagers during their second pregnancy. Data analized using descriptive statistics show that most teenagers in the study didn’t go to school regularly and lived in a stable union; 54% of them didn’t use contraceptive methods in their first sexual intercourse, while 88% had never participated in family planning programs. It is concluded that the public policies of sexual and reproductive education should identify sexual risk behaviors and act in the construction of family values and in the planned pregnancy.

Keywords: repeated pregnancy, adolescent, risk factors, education in health.


A PERCEPÇÃO e a vivência da sexualidade na adolescência são questões complexas, visto que estão relacionadas a valores, crenças e atitudes que determinam o comportamento social do indivíduo. A adolescência é configurada como um período de contradições, de formação da identidade e da autoestima, na qual há a descoberta do corpo e dos órgãos sexuais. Muitas vezes a adolescente, além desses conflitos próprios da faixa etária, depara-se com outras questões, como a ocorrência de uma gravidez, que nesta fase do desenvolvimento pode acabar gerando dúvidas e sentimentos de fragilidade, insegurança e ansiedade na mãe adolescente. Tem-se, ainda, temores relacionados a alterações na autoimagem corporal, não ter uma criança saudável, e ao cumprimento na função de gerar, nutrir e parir, que podem desencadear fases de irritabilidade e de instabilidade de humor na grávida (levandowski, Piccinini, & lopes, 2008).

Diversos estudos investigam os possíveis fatores relacionados à gravidez na adolescência, que pode ameaçar o bem-estar e o futuro das adolescentes, devido aos riscos físicos, emocionais e sociais dele decorrentes (Belo & Pinto e Silva, 2004). Por esse motivo, este fenômeno é considerado, no Brasil e em outros países em desenvolvimento, um problema de saúde pública, uma vez que, como apontam Michelazzo et al. (2004) e Sabroza, leal, Gama e Costa (2004), a gestação nessa faixa etária pode acarretar efeitos negativos à saúde da mulher e do bebê, como parto prematuro, baixo peso ao nascer, sofrimento fetal intraparto, diabetes gestacional, pré-eclampsia, entre outros. Outro efeito negativo está relacionado à inserção da adolescente no mercado de trabalho, uma vez que prejudica suas condições de estudo e intensifica as dependências familiares, advindo, assim, consequências desfavoráveis na perspectiva de vida e de trabalho (Michelazzo et al., 2004; Sabroza, leal, Gama & Costa, 2004).

Sabroza et al. (2004) afirmam que a precocidade do início das atividades sexuais, aliada à desinformação quanto ao uso adequado de contraceptivos e à deficiência de programas de assistência ao adolescente, são alguns dos fatores responsáveis pelo aumento da gravidez na adolescência. Além disso, a antecipação da idade da menarca nos últimos anos tem contribuído para a precocidade das gestações. Essa entrada precoce na puberdade acarreta um amadurecimento biológico que não necessariamente coincide com o amadurecimento cognitivo e emocional, o que se constitui, portanto, em fator de risco para uma iniciação sexual prematura e suas negativas consequências (Boruchovitch, 1992). Belo e Pinto e Silva (2004) igualmente apontam o início precoce da vida sexual como um dos fatores relacionados à gravidez na adolescência (implicando em maior tempo de exposição à concepção), mas incluem também o nível de escolaridade e socioeconômico baixo, o estado civil e o desconhecimento da fisiologia reprodutiva.

A ausência de informações sobre sexualidade e reprodução foi também apontada por oliveira (1999), que ressaltou ainda a liberação sexual da sociedade e a influência dos meios de comunicação, além da ideologia da maternidade, das carências emocionais da adolescente e da ausência de projetos pessoais com os quais a maternidade pudesse interferir. Outros autores, como lima et al. (2004), consideram algumas características da própria fase da adolescência como por exemplo, a impulsividade, o imediatismo e os sentimentos de onipotência e indestrutibilidade, como estando relacionadas à ocorrência da gravidez nessa fase do desenvolvimento. O levantamento de todos os fatores listados permite a compreensão da gravidez na adolescência como um fenômeno multicausal.

Goldenberg, Figueiredo e Silva (2005) afirmam que o fenômeno da gravidez na adolescência tem causado impacto no Brasil, considerando as profundas transformações nos padrões reprodutivos e demográficos em curso no país. Desde meados dos anos 70 registra-se uma abrupta queda da taxa de fecundidade total, excetuando-se as faixas de 15 a 19 anos. Nesse contexto, inscreve-se também o aumento do número de filhos de mães adolescentes, agravados pela presença de mães de 10 a 14 anos de idade. Lima et al. (2004) consideram que, no Brasil, há ainda dois fatores que têm propiciado o aumento da incidência de gravidez na adolescência: o crescimento da população jovem e as transformações profundas nas vivências de sexualidade nesse grupamento social.

Alguns autores discutem a importância de estar atento à gravidez na adolescência, visto que, para algumas jovens, este fenômeno nem sempre é um evento único, fortuito. Ao contrário, acaba se repetindo (Godinho, Schelp, Parada & Bertoncello, 2000). Sendo assim, alguns estudos buscaram compreender os fatores que levam à repetição de uma gestação nessa fase do desenvolvimento, uma vez que, como afirmam Persona, Shimo e tarallo (2004), parece que a primeira gravidez indesejada não é um indicador de prevenção para a ocorrência de outras gestações. Esses autores, a partir de um estudo com 26 adolescentes, com idade entre 11 e 17 anos, atendidas em um ambulatório de prénatal, identificaram outros fatores relacionados à repetição da gravidez na adolescência, tais como: a ausência de ocupação remunerada da adolescente, baixa renda familiar, envolvimento com parceiros mais velhos, residir com o parceiro, e ter um parceiro fixo.

Godinho et al. (2000) afirmam que a repetição de gravidez na adolescência pressupõe problemas como um pequeno intervalo entre os partos e maior possibilidade de baixo peso ao nascer para o bebê, além da sobrecarga imposta a essas garotas, que têm que cuidar de dois ou três filhos, e muitas vezes, da casa e do companheiro. Sabroza et al. (2004) consideram que a repetição da gravidez na adolescência está relacionada principalmente à precocidade na iniciação sexual. As adolescentes ficam mais tempo expostas à gravidez e, uma vez engravidando logo após a menarca ou nas suas primeiras relações sexuais, aumenta a possibilidade de engravidarem novamente. Assim, salienta-se a necessidade de se prestar uma atenção especial e diferenciada à adolescente previamente ao início de sua vida sexual ou tão logo ele tenha acontecido.

Pesquisadores norte-americanos também encontraram, entre os fatores relacionados à repetição de gravidez na adolescência, o uso inconsistente de métodos contraceptivos, baixo nível de escolaridade e falta de apoio na família. Constataram também que as jovens que eram casadas ou moravam com o pai de seu primeiro filho tendiam a ter outra gestação (Pfitzner, Hoff & Mcelligott, 2003).

Pode-se perceber, então, que alguns dos fatores que influenciam a incidência da gravidez na adolescência também contribuem para a sua repetição, uma vez que os fatores que exercem influência no início da vida sexual da jovem implicam numa série de consequências para seu comportamento sexual futuro. As práticas sexuais estariam diretamente relacionadas ao fato de ter ou não filhos, além dos fatores educacionais, econômicos e biológicos, sendo necessários meios de prevenir uma gestação indesejada. (longo, 2002).

A gravidez na adolescência merece atenção de políticas públicas que visem à prevenção deste fenômeno e de sua repetição. Belo e Pinto e Silva (2004) afirmam que houve significativos avanços na acessibilidade das adolescentes às informações apropriadas. Entretanto, a disponibilidade dos serviços e da saúde e dos próprios métodos para favorecer a mudança de atitude, em relação a uma prática de uso eficiente e preventiva, aparentemente não foi suficiente.

Lima et al. (2004) consideram que, diante da complexidade da prevenção da gravidez na adolescência, não se pode apenas recorrer à pregação da abstinência para adiar o início da vida sexual e, tampouco, informar sobre os métodos contraceptivos mais adequados para essa idade. Trata-se de assumir a prática educativa como um processo sistemático de orientação e reflexão sobre a sexualidade, trazendo condições para que rapazes e moças compreendam a relação entre as suas aspirações, a felicidade e a tomada de decisões sobre a própria vida sexual e reprodutiva.

Cabe ressaltar, ainda, que a atenção em planejamento reprodutivo deve ocorrer no âmbito da atenção integral à saúde de mulheres e homens, adultos(as) e adolescentes. No caso dos adolescentes em particular, devem estar entre as ações prioritárias a serem viabilizadas pelos serviços de saúde, o acompanhamento do crescimento e desenvolvimento, a articulação de ações para a redução de morbimortalidade por causas externas (acidentes e violência), ao lado das ações voltadas para promover a saúde sexual e reprodutiva desse grupo populacional (Ministério da Saúde, 2006).

Uma vez que grande parte dos estudos não se detém à análise do comportamento de adolescentes multigestas, foi proposta uma investigação que visa traçar o perfil biopsicossocial de adolescentes com repetição de gravidez. O presente artigo é parte desse estudo e apresenta os dados referentes aos fatores associados à repetição de gravidez na adolescência e as perspectivas traçadas para sua prevenção no âmbito das políticas públicas.

Métodos

Participantes

A amostra por conveniência foi constituída por 50 adolescentes puérperas internadas em enfermarias da Maternidade escola Januário Cicco (MEJC), vinculada à Universidade Federal do rio Grande do Norte (UFRN), em Natal-RN, que cumpriam com os critérios de ter entre 12 e 18 anos, segundo a consideração de adolescente prevista pelo estatuto da Criança e do adolescente, e estar na segunda gestação em diante, tenha(m) sido a(s) anterior(es) levada(s) a termo ou não. Todas as adolescentes aceitaram participar voluntariamente da presente investigação. Além disso, todas as outras exigências do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do rio Grande do Norte foram atendidas, tendo aprovação de acordo com a resolução nº 196/96 para pesquisas com seres humanos.

Instrumento

Foi utilizado um questionário estruturado que investigava dados sócio-demográficos como idade, ocupação, escolaridade, renda familiar, estado civil atual e informações sobre esse relacionamento. Além disso, ele abordava variáveis psicológicas, tais como a aceitação da família às gravidezes anteriores, o planejamento dessas gravidezes anteriores e da atual. Foram investigadas ainda algumas variáveis biológicas como idade da menarca, idade ginecológica, idade da primeira gravidez, informações sobre seus partos anteriores, número de filhos vivos, número de meses entre o último parto/aborto e o início da gestação atual, realização de revisão pós-parto e de acompanhamento pré-natal, uso e conhecimento de métodos contraceptivos.

Procedimentos

Inicialmente, foi solicitada a autorização da MEJC para a aplicação do questionário, especificando-se o objetivo do estudo. Após a obtenção dessa autorização, foi iniciada a coleta de dados nas enfermarias da referida instituição. Antecedendo a aplicação do instrumento, foi informado adequadamente à adolescente e um responsável sobre os objetivos da pesquisa, aplicação do instrumento, privacidade e destino dos dados, bem como a ausência de riscos e danos físicos ou econômicos. Foi obtido o consentimento livre e esclarecido das participantes da pesquisa e de sua mãe ou responsável.

Logo após, o instrumento foi aplicado às participantes voluntárias que aceitaram participar da investigação, respondendo ao questionário em situação individual, em um só encontro. Mesmo no ambiente hospitalar, foi possível garantir as condições mínimas para a coleta de dados, respeitando a dignidade e o bem-estar das adolescentes.

Os dados coletados foram organizados através do Software SPSS 12.0 e codificados enfocando a frequência de cada variável estudada. Através da análise quantitativa dos percentuais foi identificado o perfil biopsicossocial das adolescentes.

Resultados

A média de idade das 50 adolescentes entrevistadas foi de 17.12 anos (DP= 1.17), sendo 58% (n= 29) delas residentes na capital do estado. Com relação ao estado civil, 62% (n= 31) das adolescentes viviam em união estável, 26% (n= 13) declararam ser solteiras, 8% (n= 4) eram casadas e 4% (n= 2) divorciadas. Os companheiros atuais das entrevistadas apresentaram uma média de idade de 24.93 anos (DP= 8,11) e 54% (n= 27) das adolescentes afirmaram que todas as suas gestações foram decorrentes de seu atual relacionamento conjugal.

Foi verificado que 82% (n= 41) das adolescentes deste estudo não estavam frequentando a escola, 86% (n= 43) delas não concluíram o en-sino Fundamental e 14% (n= 7) não concluíram o ensino Médio. A renda familiar se concentrou para a maioria das adolescentes (68%) entre 1 a 3 salários mínimos e para 16% (n= 8) foi inferior a 1 salário mínimo.

Para 50% (n= 25) da amostra não houve o planejamento de nenhuma das gestações, sendo o tempo entre a gestação/aborto anterior e a gestação atual em média de 15.5 meses. Dentre as adolescentes, 66% (n= 33) estão na segunda gestação e 32% (n= 16) na terceira gravidez. Além disso, 80% (n= 40) das adolescentes não apresentaram mudanças em sua estrutura familiar nas gestações anteriores nem na gestação atual, mantendo-se em convivência, na maioria dos casos, com seu companheiro e filhos.

Ao ser verificado o conhecimento acerca dos métodos contraceptivos (MAC), grande parte (70%) da amostra citou conhecer de três a quatro MAC, sendo a pílula (96%) a mais referida, seguido da camisinha (92%), do hormônio injetável (60%) e do DIU (22%). Contudo, na primeira relação sexual, com média de início aos 13,4 anos de idade, 54% (n= 27) das adolescentes não fizeram uso de MAC algum. Já no período entre a última gestação/aborto e a gestação atual, 56% (n= 28) das entrevistadas assegurou fazer uso da pílula como forma de prevenir a gravidez.

O acompanhamento clínico de pré-natal foi realizado de forma satisfatória por 52% (n= 26) das adolescentes, com a realização de 4 a 6 consultas durante a gestação. Elas também relataram ter realizado o pré-natal na gestação anterior (78%). Porém, 88% (n= 44) nunca havia participado de nenhum programa de Planejamento Familiar.

Discussão

Os resultados deste estudo podem ter sido limitados pela possibilidade de as adolescentes entrevistadas terem omitido ou não informarem dados referentes à sua vida sexual e familiar. De qualquer forma, a amostra que compôs este estudo caracterizou-se pelo nível socioeconômico baixo. É importante considerar que, nos dados encontrados, a maioria das adolescentes permaneceu na sua família de origem, tanto durante a primeira gestação quanto na gestação atual. Motta, ribeiro, Pedro e Coelho (2004) consideram que, quando a adolescente engravida e permanece na sua família de origem, isto provoca mudanças tanto em sua vida quanto no cotidiano da família.

Dessa forma, a ocorrência da gravidez durante a adolescência dessas jovens pode agravar a situação social e econômica em que já estão inseridas, uma vez que, na maioria dos casos, a adolescente não trabalha e, após o parto, ela e seu filho permanecem na família de origem, aumentando as despesas domésticas (Motta et al., 2004), assim como aconteceu no presente estudo, no qual a maioria das adolescentes manteve sua convivência com companheiro e filhos.

Além disso, a maternidade precoce tem sido identificada, em grande parte dos estudos, como um fator de afastamento e dificuldade em frequentar a escola (Carniel et al., 2006; Kassar et al., 2006; Yazlle, 2002). No caso do presente estudo, o alto percentual de adolescentes que estava fora da escola e que não concluiu o en-sino Fundamental denota atraso ou abandono escolar. Tal informação confirma os dados da literatura, uma vez que a gravidez muda a perspectiva da escolaridade, levando a adolescente a parar de estudar temporária ou definitivamente (aquino et al., 2003). No entanto, é importante considerar que a evasão escolar pode ter ocorrido anteriormente à primeira gestação, sendo inclusive uma condição de risco para engravidar (Yazlle et al., 2002). Sobre isso, Kassar et al. (2006) afirmam que seus dados parecem indicar que a gravidez nas puérperas adolescentes teria ocorrido já com elas em defasagem de idade/série, e seria um fator sobreposto à provável evasão escolar.

A gravidez na adolescência, e também sua repetição, dificulta o retorno ao ambiente escolar, comprometendo o futuro profissional dessas jovens, visto que nesta fase da vida elas ainda não possuem capacitação profissional. Motta et al. (2004) acrescentam ainda que, a gravidez na adolescência faz com que a jovem adie algumas atividades que são próprias da sua idade, como a escola, por exemplo, o que não é visto de forma positiva, uma vez que as oportunidades de estudo e de trabalho oferecidas não são distribuídas igualmente entre as camadas sociais (Motta et al., 2004). Destaca-se que, em virtude de as oportunidades de trabalho para as adolescentes serem limitadas, elas não contribuem com a renda familiar, gerando uma maior dependência da família de origem e/ou do parceiro (Persona et al., 2004; Pfitzner et al., 2003). De acordo com as informações encontradas no presente estudo, a maioria das entrevistadas vive em união estável com o companheiro e não trabalha, sendo o companheiro o responsável por prover financeiramente a família, confirmando assim os achados da literatura. Sobre isso, Sousa e Gomes (2009) afirmam que a precocidade das uniões conjugais pode contribuir para perpetuação de desvantagem social, já que, ao limitar-se ao papel de mãe e dona de casa, as adolescentes abandonam os estudos e as possibilidades de qualificação profissional, prejudicando assim, o seu potencial produtivo.

Por outro lado, a maternidade nesta etapa do desenvolvimento é vista pela adolescente muitas vezes como fonte de reconhecimento social e busca por melhoria nas condições socioeconômicas (aquino et al., 2003). Para tanto, o estabelecimento da união estável pode configurar-se como um caminho para novas perspectivas no estilo de vida. Isso pode ser percebido também no presente estudo, visto que apenas 26% das adolescentes entrevistadas declaram-se solteiras, sendo que as demais afirmaram fazer parte de uma união estável, estarem casadas ou já terem se separado. Persona et al. (2004), todavia, consideram esta união como fator de risco para repetição, assim como a idade do parceiro, sendo eles geralmente mais velhos.

Além disso, 54% das participantes da presente pesquisa afirmaram que todas as suas gestações foram decorrentes de seu atual relacionamento conjugal, indicando a vivência de um relacionamento duradouro, o que também é considerado como um fator de risco para a repetição de gravidez, tendo em vista que esse tipo de relacionamento aumenta a frequência da atividade sexual e permite a não utilização de MAC (Persona et al., 2004; Meade & ickovics, 2005). Dessa forma, todos esses fatores de risco para uma repetição de gravidez ainda durante a adolescência se fizeram presentes na história de vida da maioria das jovens entrevistadas neste estudo, podendo-se concluir que as adolescentes de baixa renda estão submetidas ao risco de buscar um envolvimento com parceiros mais velhos como forma de ascensão social e reconhecimento do seu amadurecimento.

Observou-se, ainda, que metade das entrevistadas não havia planejado nenhuma das gestações, sendo este um fator que pode ter gerado uma desorganização da vida da adolescente e da sua família, exigindo uma adaptação à nova condição. Nesse sentido, as jovens podem deixar de realizar ou adiar atividades próprias da fase do desenvolvimento em que se encontram, além de assumir atividades e compromissos para os quais podem não estar preparadas (Motta et al., 2004). Esse não planejamento viabiliza, ainda, um pequeno intervalo entre as gestações, com tempo inferior a 15 meses, como encontrado nesta pesquisa e achado semelhante ao de outros estudos (Persona et al., 2004; Pfitzner et al., 2003).

A prevenção de uma gravidez indesejada ou não planejada se mostra eficaz através da utilização dos MAC de forma segura. Os resultados encontrados nesta pesquisa apontam para um bom conhecimento destes métodos, o que não garante o seu uso de maneira efetiva e segura (longo, 2002). Belo e Pinto e Silva (2004) sugerem que a prática inadequada para a utilização dos MAC aconteça devido à imaturidade psicossocial, característica desta etapa da adolescência. Sobre isso, a literatura aponta outras possíveis razões para o não uso de MAC pelos adolescentes, a saber, a própria negação do adolescente da possibilidade de engravidar; fato de os encontros sexuais serem casuais; o uso de métodos preventivos representarem assumir a vida sexual ativa e; pelo conhecimento inadequado relativo aos métodos (Sousa & Gomes, 2009; Stevens-Simon & White, 1991).

No que diz respeito ao presente estudo, o uso inconsistente dos MAC pode também ocorrer devido à baixa escolarização das adolescentes entrevistadas. O envolvimento em relacionamentos estáveis também faz com que, muitas delas, abandonem a utilização dos métodos, motivadas muitas vezes, pelo desejo de engravidar.

Recentemente, estudos foram publicados a respeito da utilização de MAC pelos adolescentes no Brasil, objetivando a discussão de algumas dificuldades por eles encontradas no manejo da contracepção, no decorrer de suas trajetórias afetivo-sexuais, identificando situações propensas à não-utilização de métodos anticonceptivos (alves & Brandão, 2009; Brandão, 2009; Sousa & Gomes, 2009). Além disso, tais estudos inauguram uma discussão que considera a diferença entre conhecimento objetivo (aquilo que atualmente alguém sabe, conhece sobre algo) e conhecimento percebido (aquilo que alguém pensa que sabe ou o quão confiante está sobre o que julga saber sobre determinado assunto). Nesse sentido, as adolescentes participantes do estudo, ao responder as questões a respeito de MAC, podem ter respondido às questões com base no seu conhecimento percebido, o que pode ser indicado através do uso inadequado de MAC.

De acordo com Sousa e Gomes (2009), o fato de as adolescentes engravidarem mesmo sem desejarem a gravidez naquele momento, tendo acesso aos serviços públicos, visto que realizam satisfatoriamente as consultas de prénatal, assim como as adolescentes do presente estudo, reflete potenciais falhas nas políticas de saúde reprodutiva e sexual vigentes no Brasil, seja no setor da saúde, seja no setor educacional.

Faz-se necessário, assim, a identificação de comportamentos sexuais de risco (Meade & ickovics, 2005), o que remete à importância de se desenvolver políticas públicas que articulem diversos setores da sociedade e que tenham como foco a educação sexual e reprodutiva, como forma de adiar a ocorrência da gestação (Sabroza et al., 2004). Os programas de Planejamento Familiar, nas unidades de saúde, se configuram como uma possibilidade de educação em saúde, construindo saberes, valores e conceitos na formação da estrutura familiar, fazendo com que a adolescente seja responsável pela sua própria trajetória sexual e reprodutiva (Moura, Silva, & Galvão, 2007). Programas como estes devem trabalhar de forma articulada com outros setores da sociedade e abranger as famílias, fornecendo orientações quanto ao uso dos MAC já antes da primeira relação sexual. Isto pode garantir a utilização responsável dos mesmos, evitando a gravidez indesejada (longo, 2002).

A capacitação dos profissionais para captação, acolhimento e atendimento destes sujeitos em condição peculiar de desenvolvimento se mostra imprescindível para uma atuação integral e multiprofissional. Assim, as intervenções na área da sexualidade e da reprodução devem repensar, discutir e estabelecer novos valores, viabilizando, com isso, a conquista da autonomia pelo jovem (Motta el al., 2004).


Referências

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