autoría propia

Publicado

2021-07-16

Enclaves institucionais como potenciais espaços públicos: o arquipélago na cidade

Institutional enclaves as potential public spaces: the archipelago in the city

Los enclaves institucionales como espacios públicos potenciales: el archipiélago en la ciudad

Les enclaves institutionnelles comme espaces publics potentiels: l’archipel dans la ville

DOI:

https://doi.org/10.15446/bitacora.v31n3.87768

Palabras clave:

isolamento social, área livre, arquipélago, expansão urbana, espaço público (pt)
aislamiento social, espacio abierto, archipiélago, expansión urbana, espacio público (es)
social isolation, open space, archipelago, urban expansion, public space (en)
espace ouvert, archipel, expansion urbaine, espace public (fr)

Autores/as

A partir da observação de uma situação peculiar na cidade do Rio de Janeiro —a presença de uma ‘figura de exceção’ na trama contínua de um bairro intensamente urbanizado— foi levantada a hipótese de que espaços institucionais com caráter de isolamento (enclaves) possam hoje exercer um importante papel na qualificação do espaço urbano e na promoção da vida coletiva. Por meio da análise de fotografias aéreas e mapas cadastrais da cidade, a pesquisa verificou que outros enclaves institucionais, implantados na periferia urbana no início do século XX, ao interagirem com a expansão da cidade, também produziram figuras excepcionais na trama da cidade do Rio de Janeiro. Mediante essa constatação, propusemos que esse conjunto de espaços seja pensado mediante o conceito de arquipélago e abrimos uma discussão de planejamento urbano com o objetivo de lançar luz às potencialidades da forma urbana das cidades contemporâneas no que diz respeito à produção de novas tipologias de espaços públicos.

A peculiar situation in the city of Rio de Janeiro —the presence of an ‘exceptional figure’ in the continuous urban fabric of an intensely urbanized neighborhood— gave rise to the hypothesis that institutional spaces with a character of isolation (enclaves) may play an important role in the qualification of the urban space and in the promotion of collective life. The analysis of aerial photographs and cadastral maps of the city revealed other institutional enclaves, implanted in the urban periphery in the beginning of the 20th century, which interacted with the expansion of the city. These other enclaves have also given rise to exceptional figures in the unban fabric of the city of Rio de Janeiro. Based on this observation, it is argued here that the concept of archipelago can account for this set of spaces. A discussion is opened concerning urban planning with the aim of shedding light on the potentialities of the urban form of contemporary cities with regard to the production of new types of public spaces.

A partir de la observación de una situación peculiar en la ciudad de Río de Janeiro y del reconocimiento de la presencia de una ‘figura excepcional’ en la trama continua de un barrio intensamente urbanizado, se propone la hipótesis de que los espacios institucionales con carácter de aislamiento (enclaves) podrían hoy realizar un papel importante en la calificación del espacio urbano y en la promoción de la vida colectiva. A través del análisis de fotografías aéreas y mapas catastrales de la ciudad, la investigación encontró que otros enclaves institucionales, implantados en la periferia urbana a principios del siglo XX, al interactuar con la expansión de la ciudad, también produjeron figuras excepcionales en la trama de la ciudad. En base a esta observación, propusimos que este conjunto de espacios sea observado mediante el concepto de archipiélago y abrimos una discusión sobre planeamiento urbanístico. Su objetivo es el de iluminar el potencial de la forma urbana de las ciudades contemporáneas con respecto a la producción de nuevos tipos de espacios públicos.

À partir de l'observation d'une situation particulière dans la ville de Rio de Janeiro —la présence d'une «figure exceptionnelle» dans l'intrigue continue d'un quartier intensément urbanisé— on a émis l'hypothèse que les espaces institutionnels à caractère d'isolement (enclaves) peuvent aujourd'hui jouent un rôle important dans la qualification de l'espace urbain et dans la promotion de la vie collective. À travers l'analyse de photographies aériennes et de plans cadastraux de la ville, la recherche a révélé que d'autres enclaves institutionnelles, implantées dans la périphérie urbaine au début du XXe siècle, en interaction avec l'expansion de la ville, produisaient également des figures exceptionnelles dans la trame de la ville de Rio de Janeiro. Partant de ce constat, nous avons proposé que cet ensemble d'espaces soit pensé à travers le concept d'archipel et ouvert une réflexion sur l'urbanisme avec l'objectif d'éclairer le potentiel de la forme urbaine des villes contemporaines vis-à-vis de la production de nouveaux types d'espaces publics.

04_87768_B31_3

Dossier Central

Enclaves institucionais como potenciais espaços públicos:

o arquipélago na cidade[1]

Recibido: 30/05/2020

Aprobado: 17/07/2020

Cómo citar este artículo:

Sicuro Corrêa, J. (2021). Enclaves institucionais como potenciais espaços públicos: o arquipélago na cidade. Bitácora Urbano Territorial, 31(III): -66. https://doi.org/10.15446/bitacora.v31n3.87768

Los enclaves institucionales como espacios públicos potenciales:

el archipiélago en la ciudad

Fuente: Autoría propia.

ISSN electrónico 2027-145X. ISSN impreso 0124-7913. Universidad Nacional de Colombia, Bogotá

Institutional enclaves as potential public spaces:

the archipelago in the city

(3) 2021: -66

[1] O presente artigo é resultado da pesquisa desenvolvida no âmbito do mestrado acadêmico no Programa de Pós-Graduação em Urbanismo (PROURB) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e que culmina na dissertação “Arquipélago carioca: enclaves institucionais e trama urbana na cidade do Rio de Janeiro” orientada pelo Prof. Dr. Guilherme Lassance. A referida pesquisa contou com fomento das instituições CAPES e FAPERJ.

Les enclaves institutionnelles comme espaces publics potentiels:

l’archipel dans la ville

Juliana Sicuro Corrêa

PROURB FAU-UFRJ

sicuro.arq@gmail.com

https://orcid.org/0000-0003-0545-3896

Autora

04_87768

A partir da observação de uma situação peculiar na cidade do Rio de Janeiro —a presença de uma ‘figura de exceção’ na trama contínua de um bairro intensamente urbanizado— foi levantada a hipótese de que espaços institucionais com caráter de isolamento (enclaves) possam hoje exercer um importante papel na qualificação do espaço urbano e na promoção da vida coletiva. Por meio da análise de fotografias aéreas e mapas cadastrais da cidade, a pesquisa verificou que outros enclaves institucionais, implantados na periferia urbana no início do século XX, ao interagirem com a expansão da cidade, também produziram figuras excepcionais na trama da cidade do Rio de Janeiro. Mediante essa constatação, propusemos que esse conjunto de espaços seja pensado mediante o conceito de arquipélago e abrimos uma discussão de planejamento urbano com o objetivo de lançar luz às potencialidades da forma urbana das cidades contemporâneas no que diz respeito à produção de novas tipologias de espaços públicos.

Resumo

Autora

Juliana Sicuro Corrêa

Atua no campo da arquitetura e do urbanismo como arquiteta, pesquisadora e docente. Formada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2011) com extensão universitária na Universidade Técnica de Lisboa, pós-graduação em “Geografia, Cidade e Arquitetura” pela Escola da Cidade em São Paulo (2018) e mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Urbanismo (PROURB) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (2020). Atualmente, é professora substituta do Departamento de Projeto Arquitetônico na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ e doutoranda no PROURB-UFRJ.

Palavras-Chaves: isolamento social, área livre, arquipélago, expansão urbana, espaço público

Abstract

A peculiar situation in the city of Rio de Janeiro —the presence of an ‘exceptional figure’ in the continuous urban fabric of an intensely urbanized neighborhood— gave rise to the hypothesis that institutional spaces with a character of isolation (enclaves) may play an important role in the qualification of the urban space and in the promotion of collective life. The analysis of aerial photographs and cadastral maps of the city revealed other institutional enclaves, implanted in the urban periphery in the beginning of the 20th century, which interacted with the expansion of the city. These other enclaves have also given rise to exceptional figures in the unban fabric of the city of Rio de Janeiro. Based on this observation, it is argued here that the concept of archipelago can account for this set of spaces. A discussion is opened concerning urban planning with the aim of shedding light on the potentialities of the urban form of contemporary cities with regard to the production of new types of public spaces.

Keywords: social isolation, open space, archipelago, urban expansion, public space

o arquipélago na cidade

Résumé

À partir de l’observation d’une situation particulière dans la ville de Rio de Janeiro —la présence d’une «figure exceptionnelle» dans l’intrigue continue d’un quartier intensément urbanisé— on a émis l’hypothèse que les espaces institutionnels à caractère d’isolement (enclaves) peuvent aujourd’hui jouent un rôle important dans la qualification de l’espace urbain et dans la promotion de la vie collective. À travers l’analyse de photographies aériennes et de plans cadastraux de la ville, la recherche a révélé que d’autres enclaves institutionnelles, implantées dans la périphérie urbaine au début du XXe siècle, en interaction avec l’expansion de la ville, produisaient également des figures exceptionnelles dans la trame de la ville de Rio de Janeiro. Partant de ce constat, nous avons proposé que cet ensemble d’espaces soit pensé à travers le concept d’archipel et ouvert une réflexion sur l’urbanisme avec l’objectif d’éclairer le potentiel de la forme urbaine des villes contemporaines vis-à-vis de la production de nouveaux types d’espaces publics.

Mots-clés: isolation sociale, espace ouvert, archipel, expansion urbaine, espace public

Resumen

A partir de la observación de una situación peculiar en la ciudad de Río de Janeiro y del reconocimiento de la presencia de una ‘figura excepcional’ en la trama continua de un barrio intensamente urbanizado, se propone la hipótesis de que los espacios institucionales con carácter de aislamiento (enclaves) podrían hoy realizar un papel importante en la calificación del espacio urbano y en la promoción de la vida colectiva. A través del análisis de fotografías aéreas y mapas catastrales de la ciudad, la investigación encontró que otros enclaves institucionales, implantados en la periferia urbana a principios del siglo XX, al interactuar con la expansión de la ciudad, también produjeron figuras excepcionales en la trama de la ciudad. En base a esta observación, propusimos que este conjunto de espacios sea observado mediante el concepto de archipiélago y abrimos una discusión sobre planeamiento urbanístico. Su objetivo es el de iluminar el potencial de la forma urbana de las ciudades contemporáneas con respecto a la producción de nuevos tipos de espacios públicos.

Palabras-clave: aislamiento social, espacio abierto, archipiélago, expansión urbana, espacio público

o arquipélago na cidade

Enclaves institucionais como potenciais espaços públicos:

Para ello, en el presente artículo se aborda la investigación sobre segregación en Colombia a partir del concepto de Sistema de Ciudades (DNP, 2014), el cual permite entender las relaciones funcionales de las áreas urbanas en términos de la aglomeración de actividades económicas, oferta de vivienda, servicios sociales, ambientales y culturales, más allá de los límites político-administrativos.

Introdução

O presente artigo procura lançar luz às potencialidades da forma urbana das cidades contemporâneas no que diz respeito à produção de novas tipologias de espaços públicos. Para isso, irá apresentar um fenômeno identificado na cidade do Rio de Janeiro —segunda maior cidade brasileira em população— e que encontra paralelo em outros contextos. Tal fenômeno consiste na formação de ‘figuras de exceção’ a trama urbana a partir da interação entre espaços institucionais com caráter de isolamento (enclaves institucionais) e o processo de expansão da cidade.

O termo enclave tem sua origem na geografia política e designa um território cujas fronteiras geográficas ficam inteiramente dentro dos limites de outro território. O termo é apropriado como conceito nas ciências sociais e vem adquirindo sentidos mais amplos[1][2]. A nosso ver, podemos compreender um enclave como uma instância espacial que se estabelece com limites eficientes para as suas necessidades de isolamento e controle e assume um conjunto de configurações formais compatíveis com tais necessidades. A pesquisa evidencia —explicitaremos mais adiante— que o caráter de isolamento dos espaços institucionais selecionados foi um fator determinante para que tenham sido produzidas o que estamos chamando de ‘figuras excepcionais’ na trama da cidade. O fato de esses espaços terem sido resguardados do intenso parcelamento do solo promovido pela urbanização faz com que hoje se apresentem como formas identificáveis quando vistas em ‘contraste’ com seu entorno.

O debate que se estabelece a partir dessas figuras diz respeito às relações entre a morfologia urbana e as dinâmicas socioespaciais em diferentes escalas. O trabalho se identifica com abordagens que apontam para uma “autonomia relativa da forma” como é o caso do estudo sobre a quadra realizado por Philippe Panerai, Jean Castex e Jean-Charles Depaule (Panarei, Castex, Depaule, 2013). A quadra, objeto da sua investigação, é uma unidade de parcelamento constitutiva do tecido urbano que assume diferentes configurações contextuais. São ao mesmo tempo produzidas historicamente, em função das transformações políticas e culturais mais amplas, vividas pelas cidades e sociedades em que se inserem, e produtoras de dinâmicas socioculturais específicas. De forma análoga à quadra, o enclave institucional é um elemento que revela dinâmicas territoriais diversas e também as produz. Pode ser compreendido como um elemento próprio da morfologia urbana das cidades contemporâneas cujas características específicas irão possibilitar um determinado conjunto de usos e apropriações.

O trabalho se identifica também com abordagens da teoria do urbanismo contemporâneo que reivindicam a possibilidade de atuação em territórios urbanos instáveis através de seus fragmentos materiais, sem com isso abrir mão de uma perspectiva sistêmica (SECCHI, 2012). Nesse sentido, recorreremos ao conceito de arquipélago, que será apresentado mais adiante, e a algumas de suas apropriações pelo campo da arquitetura e do urbanismo apostando que, feitas as devidas transposições contextuais, tal conceito possa ser produtivo para pensar os fragmentos identificados na cidade do Rio de Janeiro como um possível conjunto aberto.

A argumentação a seguir se inicia com uma apresentação da motivação da pesquisa: a observação de uma situação peculiar na configuração presente da cidade do Rio de Janeiro, mais especificamente em um antigo bairro ferroviário do chamado ‘subúrbio carioca’. Em seguida, explicitaremos como, a partir desse caso específico, foi identificada uma problemática de trabalho e formulada uma hipótese de investigação. Na sequência, e partindo dos resultados obtidos através de uma análise de bases cartográficas e iconográficas, traçamos bases para um debate prospectivo que diz respeito ao planejamento urbano e aos espaços públicos nas cidades contemporâneas.

Um “Espaço sem Nome” no Engenho de Dentro

A reflexão aqui apresentada é resultado de uma investigação que partiu da observação de uma realidade empírica: um espaço institucional com caráter de isolamento preservou uma área verde em um bairro intensamente urbanizado e é hoje tematizado como um potencial parque de bairro na esfera municipal. Esse espaço de isolamento era o antigo Hospício-Colônia do Engenho de Dentro e a área verde preservada corresponde ao lote do Instituto Municipal Nise da Silveira (IMNS), instituição psiquiátrica que ocupa hoje o terreno do antigo Hospício.

O IMNS corresponde a uma das poucas áreas verdes do bairro do Engenho de Dentro e de toda a região do Grande Méier, composta por este e outros dezessete bairros. O lote de 300x300 metros equivale a aproximadamente quatro quadras do entorno e se apresenta como uma exceção no contexto em que se insere. Enquanto o padrão de quadras do bairro é essencialmente caracterizado por pequenos lotes residenciais e comerciais, o IMNS se organiza a partir de uma outra ordem espacial na qual os edifícios se implantam como um sistema de “peças soltas”, conectadas por caminhos em um grande lote predominantemente não edificado, amplamente arborizado, dentro de um perímetro claramente definido.

De fora, para quem caminha nas ruas que circundam o lote, o que se vê é uma densa cobertura vegetal por detrás dos muros e grades que cercam o complexo. De dentro, uma outra paisagem se revela. Os caminhos sinuosos que conectam os edifícios hospitalares parcialmente abandonados, a sombra das árvores, o maciço ao fundo, são alguns dos elementos que compõem esse cenário.

Poderíamos identificar a figura morfológica encontrada no Engenho de Dentro como uma “quadra-parque”, no entanto, sabemos que não se trata propriamente nem de uma “quadra” nem de um “parque”. Não se trata de um lote privado, pois é uma propriedade pública que abriga equipamentos públicos, tampouco trata-se de um espaço público no seu sentido pleno, uma vez que não é acessível aos diversos públicos que habitam a cidade. Diante disso, podemos dizer que essa situação encontrada no Rio de Janeiro escapa, de certa forma, às classificações programáticas do planejamento e desestabiliza algumas noções tradicionais do campo do urbanismo. É a impossibilidade de enquadramento desse objeto que o torna particularmente valioso para nós.

Enclave x Parque: A Emergência de um Espaço Público?

Localizado na zona Norte da cidade do Rio de Janeiro, o Engenho de Dentro se caracteriza por ser um bairro predominantemente residencial com comércio e serviços de caráter local e com a presença de alguns equipamentos notáveis, tais como o Estádio João Havelange (com capacidade para 46 mil pessoas), o Museu do Trem (situado na área das antigas oficinas ferroviárias) e o próprio IMNS. É ainda marcado pela presença da infraestrutura ferroviária, que o divide em dois seguimentos, e pela Linha Amarela, rodovia construída na década de 1990 para conectar a região Norte e o Centro da cidade à zona Oeste, perfurando o Maciço da Tijuca.

Quando falamos dessa localidade urbana estamos falando de um bairro consolidado que, apesar de não estar na centralidade dos investimentos públicos em qualidade de vida e não integrar o circuito turístico da cidade, é amplamente integrado às dinâmicas urbanas. Nesse sentido, o Engenho de Dentro hoje não se identifica plenamente com a ideia de ‘periferia’. No entanto, em meados do século XIX, essa região correspondia a uma zona de expansão da cidade em que se substituíam os engenhos de açúcar, que haviam motivado a sua primeira ocupação, por uma atividade industrial associada ao transporte ferroviário. Ela ia, aos poucos, deixando sua condição de ‘borda da cidade’ e sendo incorporada a uma dinâmica propriamente urbana.

É na primeira década do século XX que a Colônia de Mulheres Alienadas do Engenho de Dentro é ali implantada. Desde então, a Colônia dá lugar a um Hospício, posteriormente a um Hospital Psiquiátrico e hoje a um Instituto Municipal. Guardadas as diferenças significativas entre essas instituições, podemos dizer que, há mais de um século, o lote do atual IMNS é ocupado por instituições públicas e psiquiátricas, mais ou menos conservadoras a depender do contexto histórico e das políticas de saúde vigentes, porém todas identificadas com a ideia de ‘isolamento’.

Nas últimas décadas, com a Reforma Psiquiátrica [3] e a consequente redução do número de pacientes internos, parte dos edifícios do complexo são esvaziados das atividades hospitalares. Hoje, além de um conjunto de edifícios parcialmente desativados e em estado de abandono, encontramos, dentro dos limites do lote público da antiga Colônia, uma série de outros usos não hospitalares: Dois Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) da Prefeitura, o Museu de Imagens do Inconsciente e outros projetos sociais tais como, o Trilhos Urbanos, o Espaço Aberto ao Tempo (EAT) e o bloco de carnaval Loucura Suburbana. Ou seja, observa-se a presença hoje no lote do IMNS de usos não previstos pelo programa original do complexo que evidenciam uma certa capacidade de aderência desse espaço no território onde se insere.

É nessa dinâmica emergente e ambígua que reside a possibilidade da criação de um espaço público significativo para a localidade, capaz de reforçar os vínculos afetivos da população da região com o espaço e sua história. Entretanto, apesar de uma certa porosidade no que diz respeito à apropriação dos espaços no interior do lote por usos não programados, o complexo ainda apresenta resquícios da condição de isolamento do seu passado hospitalar. Além do cuidado com os pacientes que circulam no interior do complexo em condição de vulnerabilidade, é perceptível que o controle de acesso e circulação no interior do complexo, assim como as restrições de registro fotográfico, por exemplo, estão também associados a um receio em relação à eminente extinção do Instituto e ao destino incerto da área.

Sabemos que, paralelamente a esse processo de transformação nas políticas de saúde e em convergência com outras iniciativas similares em outras cidades e países, vem sendo discutida, na esfera municipal, nos últimos anos, a possibilidade de transformar o espaço do antigo hospício em um parque público [4]. O que se observa hoje é, então, uma potencial transformação de um espaço institucional de propriedade e gerência pública, porém subutilizado e controlado, em uma área de lazer de acesso irrestrito.

Da mesma maneira que podemos pensar estrategicamente nesse espaço como peça-chave para a produção qualitativa de um espaço urbano democrático, ele também será visado por construtoras ou agentes do mercado imobiliário para a implantação de novos empreendimentos residenciais ou comerciais na região interessados no potencial construtivo e no benefício financeiro que essas reservas de solo urbano podem gerar. Podem ser também visados pelo próprio poder público para viabilizar “projetos-propaganda” que seguem a lógica do “planejamento estratégico”, como explicitaremos mais adiante a partir do caso do Parque de Madureira. Ou seja, quando apontamos para a possibilidade de transformação desse espaço, levantamos uma problemática complexa do ponto de vista do planejamento que envolve a produção dos espaços públicos nas cidades contemporâneas.

Em Busca de um Arquipélago

Apesar de a atual conjuntura política no contexto brasileiro e carioca tornar a realização do Parque Nise da Silveira uma perspectiva ainda pouco concreta, a observação do processo descrito acima nos fez levantar a hipótese de que espaços como esse possam exercer um importante papel na qualificação do espaço urbano em territórios intensamente urbanizados.

As potencialidades urbanísticas vislumbradas a partir do caso do Engenho de Dentro tornam pertinente uma investigação mais ampla que, antes de verificar a hipótese acima apontada precisa responder à pergunta: é possível encontrar outros enclaves institucionais que também produziram figuras excepcionais na trama da cidade do Rio de Janeiro? Ou seja, precisamos compreender se o que observamos no caso Engenho de Dentro se trata de um caso isolado ou de um ‘padrão morfológico’. Diante disso, fomos em busca de outras situações semelhantes ainda nesse contexto urbano específico.

A imagem do ‘arquipélago’ serviu como instrumento para a visualização de um território pontuado por tais figuras. Tendo em vista a apropriação precedente do termo como conceito operativo pelo campo da arquitetura e do urbanismo, o utilizamos como guia. No seu contexto disciplinar de origem —a geografia física— o arquipélago corresponde a um conjunto de ilhas que se encontram espacialmente próximas e tem, em geral, uma mesma formação e estrutura geológica. O termo é introduzido no debate urbanístico na década de 1970, quando utilizado por Oswald Matias Ungers para apresentar uma estratégia de planejamento para a cidade de Berlim num contexto de decrescimento populacional (shrinking).

Ungers e equipe [5] propõem que a cidade de Berlim seja pensada como núcleos edificados dispostos em um “mar de natureza” (green) ao invés de como um contínuo edificado, unido por uma trama. O arquipélago seria então esse conjunto de “ilhas” construídas, partes existentes da cidade escolhidas para serem preservadas e estruturadas de modo que reforçassem as suas próprias características.

Posteriormente, na primeira década dos anos 2000, o projeto de Ungers é retomado por Pier Vittorio Aureli, arquiteto e teórico italiano, a fim desenvolver uma estratégia para pensar os contextos urbanos contemporâneos intensamente urbanizados. Propõe, ao contrário do arquipélago de Ungers, que as ilhas sejam os vazios na trama “isotrópica” da cidade, trama esta que, no pensamento do autor, é compreendida como o principal instrumento da urbanização (Aureli, 2011).

Essa ideia está na base do projeto-ensaio “Stop City”, desenvolvido por Aureli em parceria com Martino Tattara no qual a arquitetura é um elemento cuja função essencial passa pelo estabelecimento de limites. Ela define um vazio e garante que o mesmo permaneça, subvertendo assim a lógica dominante da cidade “sem forma” e “sem limites” produzida pela urbanização na qual os vazios são as sobras, os fragmentos que restam entre os cheios construídos, distribuídos pelo território de forma essencialmente funcional.

O que nos interessa ao olhar para a “Stop City” é justamente a possibilidade de pensarmos em contextos urbanos intensamente urbanizados, tais como a cidade do Rio de Janeiro, a partir dos “vazios”, mais especificamente, daqueles que estamos identificando como enclaves institucionais. Esses espaços apresentam qualidades distintas daqueles que compõe a trama de cidades expandidas e periferias urbanas tais como os extensos e repetitivos loteamentos residenciais que se multiplicam nas paisagens brasileiras [6] e nessa excepcionalidade reside o seu potencial.

A Cidade Invertida: Vazios na Trama e Espaços Públicos

Como dissemos anteriormente, para Aureli, a trama é o principal instrumento da urbanização. Isso porque, o uso de uma trama regular no estabelecimento do sistema de circulação de uma cidade permite dar agilidade métrica à divisão fundiária e consequentemente à comercialização do solo urbano criado, facilitando a rápida ocupação de territórios até então não-urbanos. O uso instrumental da trama para a “conquista” de novos territórios urbanos pode ser observado em contextos e momentos diversos da história do urbanismo desde a expansão da cidade de Barcelona no século XIX orientado pelo Plano Cerdá, por exemplo, até a recente produção de territórios urbanos periféricos por meio de extensos loteamentos residenciais, como os anteriormente mencionados.

No que diz respeito aos “vazios na trama”, ou às figuras que delas se destacam, podemos observar que no início do século XX cidades como Nova York, Buenos Aires e Chicago —entre outras— se desenvolveram segundo planos urbanos que reservaram áreas não edificadas como áreas públicas de lazer e convívio. Buenos Aires é também um exemplo claro de como o planejamento se antecipou ao crescimento da cidade moderna definindo um conjunto de parques públicos antes que o processo de expansão e parcelamento do solo se intensificasse, como esclarece Adrián Gorelik no livro “A grelha e o parque” (Gorelik, 2008).

O que podemos observar na paisagem das cidades contemporâneas é uma situação oposta: os vazios que vêm sendo produzidos são, em grande medida, identificados com a expressão “terrain vague” (Solá-Morales, 2002). Tratam-se de fragmentos “residuais” ou “intersticiais” produzidas por forças políticas e econômicas que não exercem uma função social. No contexto brasileiro, a expressão “vazios urbanos” (Borde, 2006) se torna uma categoria utilizada para identificar lotes que permanecem vagos por um determinado período de tempo, em função da obsolescência ou deslocamento de usos na cidade, usualmente localizados em áreas centrais ou em regiões portuárias e industriais, tornando-se muitas vezes reservas de mercado.

Os espaços institucionais que identificamos como figuras de exceção na trama da cidade do Rio de Janeiro não são vazios planejados tais como os parques de Nova York e Buenos Aires, tampouco são áreas abandonadas ou subutilizadas. Podemos dizer que essas figuras foram produzidas de forma não planejada pelo planejamento, uma vez que a instituição é implantada sem a intenção explícita de preservar um vazio. Essa condição é uma consequência de um processo alheio ao próprio enclave. Apesar de serem resultantes de processos distintos, os parques da cidade expandida de Buenos Aires se aproximam morfologicamente dos enclaves institucionais cariocas [7]. Essa aproximação faz com que possamos pensar que os vazios identificados na cidade do Rio de Janeiro como enclaves institucionais poderiam se tornar também promotores de qualidade ambiental urbana e catalisadores da vida coletiva.

Sabemos que as possibilidades de interação entre práticas sociais e entorno construído são complexas e que uma determinada configuração formal não corresponde a um tipo de prática social específica. É preciso também considerarmos que o sentido de espaço público vem se transformando significativamente do século XX até os dias de hoje. No entanto, entendemos que a forma é ainda um fator determinante para a vida social uma vez que oferece condições mais ou menos propícias para o desenvolvimento de um conjunto de práticas. Apostamos também, tendo em vista a produção de autores tais como Carlos Nelson Ferreira dos Santos, que é no limiar entre a esfera pública e a privada que pode se estabelecer um comum urbano e que as regras que orientam a apropriação desses espaços limítrofes estão em permanentemente construção (Abrahão, 2016).

Enclaves na Expansão da Cidade do Rio de Janeiro

Como dito anteriormente, a pesquisa foi em busca da verificação de um padrão morfológico que viesse a convergir com a imagem-conceitual do arquipélago. Esse procedimento de generalização, feito por meio da observação de plantas cadastrais da cidade [8] e das fotografias aéreas do acervo do Museu Aeroespacial (MUSAL) [9] (os primeiros registros das esparsas ocupações periféricas nas primeiras décadas do século XX), nos levou a perceber que, para além de casos isolados com alguns aspectos comuns, estávamos diante de um fenômeno que diz respeito ao processo de urbanização e, mais especificamente, da expansão horizontal da cidade do Rio de Janeiro.

É importante esclarecer que quando falamos da expansão da cidade do Rio de Janeiro não pretendemos dar conta do problema do crescimento urbano que, no caso carioca, ocorre ao mesmo tempo de forma extensiva e intensiva (Machado, 2018). Também não estamos falando de um organismo único que avança em direção às periferias de forma homogênea. Esse processo é descontínuo e fragmentário, ele envolve diversos tipos de agentes e configura uma série de padrões de ocupação específicos. Ele se inicia na segunda metade do século XIX e aos poucos vai transformando freguesias rurais em urbanas através do desmembramento de grandes propriedades. É motivado por uma série de fatores tais como as reformas urbanas da região central, o aumento populacional e a intensificação da atividade industrial (Abreu, 2013).

Nas décadas subsequentes, o deslocamento populacional e a expansão da trama se intensificam. O crescimento acompanha em grande medida a malha ferroviária também em expansão dando origem aos bairros do chamado “subúrbio carioca” [10] nas zonas Norte e Oeste. Como esclarece Maurício de Abreu, até meados do século XX, a trama urbana da cidade já atingia, em linhas gerais, a extensão da totalidade do município. No entanto, a cidade continua crescendo em termos populacionais, transformando e consolidando essa trama.

Encontramos uma série de outros espaços institucionais que também foram implantados na periferia no mesmo período e cujo programa-base também se identifica com a ideia de isolamento. São eles equipamentos de saúde relacionados ao tratamento de doenças mentais ou infecciosas e áreas militares, do exército, da marinha ou da aeronáutica. Apesar de todos esses espaços institucionais estarem situados dentro dos limites do município, foram intencionalmente posicionados “fora da cidade” em freguesias rurais ou urbanas com baixa densidade populacional. O sentido de “fora”, que remete à ideia de “extramuros”, está relacionado a uma intenção de segregação de determinados programas da vida social urbana. O que estava sendo posto para fora era a “loucura”, as doenças infecciosas e o aparato de defesa militar.

A dinâmica de afastamento de programas “não desejáveis” dos núcleos urbanos consolidados, desde presídios à infraestruturas e indústrias, não é uma especificidade do Rio de Janeiro. No entanto, nota-se uma particularidade que é o fato de o Rio de Janeiro ter se tornado a sede do Império português e posteriormente capital da República. Esse protagonismo político-administrativo estabelece uma forte relação com os investimentos em equipamentos públicos de saúde e com o fato de a cidade ter se tornado a sede de grande parte do aparato militar nacional.

Selecionamos um conjunto de exemplo de situações nas quais, da mesma forma como a Colônia do Engenho de Dentro, a implantação e permanência desses enclaves teve como consequência a preservação de um vazio, seja ele uma área verde ou apenas uma figura na qual predomina o não edificado. Esses exemplos são: o antigo Instituto Soroterápico de Manguinhos, atual centro de pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz); a antiga Colônia Psiquiátrica de Jacarepaguá (Colônia Juliano Moreira); a área militar localizada na Planície de Gericinó composta pela Vila Militar (Exército) e o Campo dos Afonsos (Aeronáutica); as áreas militares ocupadas pela Base dos Fuzileiros Navais e pelo Instituto de Pesquisa da Marinha (IPQM) na Ilha do Governador e a área militar (aeronáutica) equivalente ao antigo Hangar de Zeppelin em Santa Cruz.

A Formação de Figuras Excepcionais na Trama

Ao observar os exemplos selecionados de enclaves institucionais mediante a variável ‘tempo’, pudemos perceber que os mesmos se tornaram figuras excepcionais na medida em que esse território periférico foi sendo incorporado à trama da cidade. Ou seja, é no ‘atrito’ com a trama que os perímetros desses espaços institucionais se constituem ou se consolidam. Confirmamos assim a existência de um padrão morfológico como decorrência do fenômeno explicitado.

As figuras encontradas apresentam diferenças significativas entre si, como podemos ver no gráfico comparativo (Figura 05) [11]. As maiores porções de território em área correspondem aos enclaves localizados na zona Oeste da cidade. Esse fato reitera a relevância da temporalidade associada ao processo de urbanização na constituição de tais figuras. Outros fatores são também determinantes para a definição das configurações morfológica encontrada como as próprias necessidades funcionais do programa base e as características geográfica dos terrenos em questão. Apesar das diferenças explicitadas, todas essas figuras são hoje áreas significativas do território urbano, mais ou menos acessíveis à população, que precisam ser reivindicadas para o debate público.

Enclaves Institucionais e Planejamento Urbano

Uma vez identificado o conjunto de figuras as quais estamos chamando de ‘arquipélago carioca’ a discussão que se estabelece gira em torno das potencialidades desses territórios. Em maior ou menor escala, essas “ilhas” são reservas de espaço que podem incorporar novas funções urbanas e ambientais enquanto espaços de lazer e convívio em escala de bairro ou, por vezes, como reservas ambientais com caráter ecológico. A presença de cobertura vegetal, em alguns dos casos, é uma das características fundamentais para pensarmos na incorporação ou potencialização de tais funções.

Antes de explicitarmos o que poderia ser aquilo que apontamos como “outras tipologias de espaços públicos” vamos ampliar o debate e compreender como outros espaços, também produzidos no processo de expansão urbana e resguardados por dinâmicas institucionais e infraestruturais, foram tratados pelo planejamento nas últimas décadas no contexto da cidade do Rio de Janeiro. Identificamos dois exemplos pertinentes, são eles a área militar conhecida como Floresta do Camboatá em Deodoro e o Parque de Madureira, localizados nas zonas Oeste e Norte da cidade, respectivamente.

A Floresta do Camboatá é uma área militar, que foi por décadas utilizada para guarda de munições e como campo de treinamento do exército. Ela corresponde a uma área de 200 hectares e desse total, 57% são ocupados pela floresta. Além de equivaler a uma porção significativa de área verde, pesquisadores afirmam a sua importância ecológica no contexto da paisagem municipal enquanto elemento de ligação (step stone) entre os fragmentos de Mata Atlântica preservados nos três maciços da cidade .

Mesmo diante da confirmação da importância da Floresta do Camboatá, acima explicitada, o destino da área está em disputa envolvendo agentes privados, órgãos públicos e sociedade civil. O que está em debate é a implementação do projeto do novo Autódromo da cidade do Rio de Janeiro que seria construído sobre o terreno em questão. A área da Floresta do Camboatá está sendo apontada desde 2010 como destino do Autódromo. A Prefeitura abriu uma licitação para execução do projeto em 2018, porém, esta foi suspensa pelo Ministério Público até que fosse apresentado um Estudo de Impacto Ambiental ao Instituto Estadual do Meio Ambiente (INEA). Atualmente, essa situação se encontra ainda sem definição (Vaz, 2019).

O Parque da Madureira é hoje o terceiro maior parque da cidade do Rio de Janeiro com uma área de 450 mil m2, se estende por 3,15 km, de Madureira à Guadalupe. Foi implantado, entre 2012 e 2015, em um terreno remanescente da compactação das linhas de altas tensão da Light. O parque se propõe a atender a uma demanda por áreas públicas verdes e de lazer em uma das regiões mais densas do município. Apesar de ser um sucesso de público —o espaço foi rapidamente apropriado pela população dos bairros adjacentes e é, ainda hoje, intensamente frequentado— e de ser reconhecido como um projeto exemplar no contexto da gestão pública enquanto obra “sustentável” (Boneli, 2013). No entanto, o parque é fruto de uma ação do poder público municipal que envolveu não apenas a compactação de uma das principais linhas de transmissão de energia elétrica da cidade como também a remoção das famílias moradoras da favela Vila das Torres e de uma área onde era praticada agricultura familiar.

A implantação da infraestrutura de energia elétrica é um fator importante para a compreensão do desenvolvimento urbano do bairro de Madureira e nem sempre a faixa destinada à passagem da fiação aérea foi uma área isolada e não habitável. Pelo contrário, no início da operação destas linhas a companhia elétrica incentivou as hortas urbanas nessas terras pois essa atividade colaborava para manter o solo úmido, captando descargas elétricas. Essa produção de alimentos abasteceu durante quase um século o comércio do bairro e perdurou até a implantação do parque (Ximenes, 2018).

Os conflitos pelo uso da terra no contexto da criação do Parque de Madureira evidenciam que não existe um compromisso do planejamento, tal como ele vem sendo praticado, com questões fundamentais para a esfera pública e que envolvem uma compreensão do território tendo em vista as disputas entre classes sociais. Ao mesmo tempo que o parque é um espaço público “para todos” capaz de qualificar uma localidade da cidade trazendo benefícios para seus habitantes e, nesse sentido, promovendo o valor de uso, é também um instrumento de segregação social. Além da remoção das moradias populares e das hortas urbanas, um projeto como este tende a promover a valorização do solo urbano na região e sem que haja políticas públicas de regulação que garantam a permanência da população residente, pode se tornar mais um agente da ‘gentrificação’ [12] do que da democratização do espaço urbano.

Sabemos que, assim como este, uma série de outros projetos urbanos, propostos sob o “guarda chuva ideológico” da “sustentabilidade ambiental” e da “requalificação urbana”, se inscrevem no contexto de políticas identificadas com o “planejamento estratégico”, modelo inaugurado na Europa e que chega com força no Brasil a partir da década de 1990. Este modelo tem como características a intervenção por meio de projetos específicos que, por vezes, não seriam compatíveis com a legislação vigente, e a atuação direta da iniciativa privada. Nesse contexto, o poder público assume um papel de agenciador de investimentos e não de regulador. Com o objetivo de atrair investimentos privados e inserir a cidade em um circuito turístico global, tais projetos caminham no sentido oposto a uma política urbana democrática e redistributiva [13].

Na cidade do Rio de Janeiro, José Almir Farias (Farias, 2013) esclarece que essa abordagem encontra aderência na política urbana local na primeira gestão do prefeito Cesar Maia (1993). Nesse momento, o pacto entre o governo e setores empresariais em torno da elaboração do Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro estabelece uma nova prática urbanística de caráter neoliberal. Farias aponta ainda para o papel crucial que os espaços públicos exercem nesse contexto “[O espaço público] torna-se a mercadoria de maior valor porque sintetiza um pressuposto modelo civilizatório. No espaço público, o espetáculo deve ser esplendoroso, embora quando visto de perto, contenta-se em ser frívolo e apolítico” (Farias, 2013, p. 6).

No caso de Madureira, a lógica de consumo que se alinha com os objetivos do “empreendimento parque” está presente nas escolhas de projeto: aspectos de desenhos, articulação de programas e definições materiais. Nesse ponto, a estética e a política se encontram. O lazer se torna uma “função” que se explicita em um espaço altamente programado sem margem para desvios e apropriações inesperadas. O projeto em si não tira partido da ‘condição híbrida’ que se apresentava enquanto área remanescente da implementação da infraestrutura ao abdicar por completo da paisagem ali encontrada e não operar com os agentes locais no sentido de potencializar dinâmicas preexistentes.

Não seria, entretanto, a falta de planejamento a solução para essa problemática. Pelo contrário, o poder público poderia implementar políticas de incentivo à atividade agrícola nas faixas da Light e fomentar projetos voltados para essa população que envolvessem a facilitação dos acessos, a criação de depósitos e equipamentos de apoio, por exemplo. Não seria, então, a realidade encontrada antes da implementação do projeto do parque uma oportunidade de produzir ali um espaço “sem nome”, que agregasse outros programas também vinculados às dinâmicas locais e com enorme interesse para a população residente e para também para outros públicos? Qual seria a experiência de um espaço como esse? Que outros usos complementares às atividades urbanas existentes nas suas proximidades poderiam ser estimulados em áreas como essa?

Por outras Tipologias de Espaços Públicos

O que pretendemos mostrar ao trazer os casos da Floresta do Camboatá e do Parque de Madureira para iluminar o debate a respeito das potencialidades do arquipélago carioca, é que a incorporação desses espaços na agenda pública não significa necessariamente uma melhoria efetiva da qualidade ambiental urbana, uma maior democratização do solo da cidade, tampouco a promoção de experiências espaciais individuais e coletivas significativas e potentes.

Esses casos tornam evidente que para falarmos de um urbanismo crítico e para pensarmos a dimensão pública do espaço nos contextos urbanos atuais precisamos reconhecer a complexa associação entre projeto e política. O planejamento, da forma como vem sendo praticado, ao invés de contribuir positivamente na articulação de problemáticas sistêmicas (como as infraestruturas urbanas e os enclaves em geral) a aspectos locais emergentes acaba por eliminar tais aspetos, promovendo uma perda do potencial presente nas paisagens, por vezes não planejadas, encontradas nos contextos urbanos contemporâneos para a promoção da vida coletiva.

Ao olhar para os enclaves institucionais, apostamos na possibilidade de convivência de dinâmicas coletivas de caráter público com as dinâmicas institucionais existentes. A própria presença de elementos físicos (muros e grades) definindo os limites do lote podem ser entendidos como fatores positivos para a manutenção dessas áreas livres como figuras excepcionais, resguardando-as de possíveis apropriações pela lógica de produção do espaço urbano promovida pelo urbanismo vigente.

Queremos assim apontar para a possibilidade de produzirmos, através de políticas públicas e projetos urbanos, outras tipologias de espaços destinados à vida coletiva, diferentes da “praça”, do “parque” ou da “rua” tal como as conhecemos, que tirem partido das configurações formais (ou padrões) existentes nos contextos contemporâneos assim como das dinâmicas sociais emergentes. A realidade material e social que encontramos nas cidades e metrópoles contemporâneas requer um planejamento capaz de ler a complexidade que se apresenta —a sobreposição de tempos e usos, a ambiguidade dos limites— e trabalhar com seu hibridismo.


[1]

[2] No contexto brasileiro, por exemplo, Teresa Caldeira utiliza o termo “enclaves fortificados” para tratar dos condomínios residenciais que se tornaram recorrentes na cidade de São Paulo. Esses enclaves são reconhecidos pela autora como mecanismos de produção e reprodução da segregação socioespacial (CALDEIRA, 1997).

[3] A Reforma Psiquiátrica é descrita na Lei 10.216, de 9/4/2001. Consiste em uma política de erradicação progressiva dos manicômios, substituindo-os por novos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Sua realização é resultado de uma disputa política iniciada no contexto da luta mais ampla pela redemocratização do país, na segunda metade da década de 1970 (a Luta Antimanicomial). (Cruz JR, 2015)

[4] O Parque Nise da Silveira aparece como uma das diretrizes de fundação do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH) da Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, criado em 2012.

[5] A proposta de Ungers para Berlim teve a colaboração dos arquitetos Rem Koolhaas, Peter Riemann, Hans Kollhoff e Arthur Ovaska e foi produzida durante um curso de verão oferecido para alunos da universidade de Cornell em Berlim. O resultado dessa reflexão é o manifesto “The city in the city” (1977) que pode ser encontrado no livro “The city in the city: Berlin, the Green Urban Archipelago” em suas várias versões (Hertweck, Marot, 2013).

[6] Um exemplo claro da expansão urbana por meio de loteamentos residenciais periféricos é o caso das chamadas “cidades-satélite” na Região Administrativa do Distrito Federal (Derntl, 2018) e no Rio de Janeiro podemos citar o Jardim Maravilha na Zona Oeste (Cortado, 2018). Em ambos os casos, as áreas livres são resultantes da implantação dos lotes privados e apresentam caráter essencialmente residual.

[7] O termo ‘carioca’ significa, em linguagem corrente, aquilo que é próprio da cidade do Rio de Janeiro.

[8] As plantas cadastrais utilizadas são datadas de 1908, 1935 e 1942 e estão disponíveis na plataforma cartográfica ImagineRio www.imaginerio.org. Os documentos técnicos recolhidos nos arquivos da cidade se encontram na biblioteca virtual www.library.artstor.org.

[9] Disponíveis no site da Biblioteca Brasiliana http://brasilianafotografica.bn.br/.

[10] O autor Nelson da Nóbrega Fernandes explicita o uso particular do termo subúrbio no contexto carioca para designar bairros com população de baixa renda que se desenvolveram às margens da ferrovia no início do século XX (Fernandes, 2001).

[11] Na imagem, as figuras aparecem numeradas para que possamos fazer um comparativo entre as áreas correspondentes a cada uma delas. 1. IMNS (9 ha); 2. Fiocruz (66,5 ha); 3. CJM (731 ha); 4. área militar Deodoro (4.011 ha); 5.1. área marinha Ilha Base dos Fuzileiros (240 ha); 5.2. área marinha Ilha IPQM (108 ha); 6. Hangar de Zeppelin (1.544 ha).

[12] O debate relativo à grandes projetos urbanos e o fenômeno da gentrificação é abordado por Neil Brenner a partir do caso do High Line de Nova York (Brenner, 2013).

[13] O planejamento estratégico como mecanismo reprodutor das lógicas capitalistas no espaço urbano brasileiro é tratado por diversos autores tais como Ermínia Maricato, Carlos Vainer e Otília Arantes (Arantes, Vainer, Maricato, 2000).

o arquipélago na cidade

Figura 2. A “figura de exceção” em um mapa de cheios e vazios

Fonte: Elaboração própria

Figura 1. O “espaço sem nome” visto de cima, diagrama sobre mapa Google

Fonte: Elaboração própria

Figura 3. O “espaço sem nome” visto de dentro

Fonte: Elaboração própria

o arquipélago na cidade

o arquipélago na cidade

Figura 4. Localização dos exemplos analisados pela pesquisa na cidade do Rio de Janeiro, diagrama sobre mapa Google

Fonte: Elaboração própria

o arquipélago na cidade

Figura 5. Comparativo entre as figuras que compõe o arquipélago carioca.

Fonte: Juliana Sicuro

o arquipélago na cidade

Referencias

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Siglas e abreviaturas

IMNS – Instituto Municipal Nise da Silveira

MII – Museu de Imagens do Inconsciente

IRPH – Instituto Rio Patrimônio da Humanidade

MUSAL – Museu Aeroespacial

CJM – Colônia Juliano Moreira

Fiocruz – Fundação Oswaldo Cruz

CAPS – Centro de Atenção Psicossocial

IPQM – Instituto de Pesquisa da Marinha

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Sicuro Corrêa, J. (2021). Enclaves institucionais como potenciais espaços públicos: o arquipélago na cidade. Bitácora Urbano Territorial, 31(3), 53–66. https://doi.org/10.15446/bitacora.v31n3.87768

ACM

[1]
Sicuro Corrêa, J. 2021. Enclaves institucionais como potenciais espaços públicos: o arquipélago na cidade. Bitácora Urbano Territorial. 31, 3 (jul. 2021), 53–66. DOI:https://doi.org/10.15446/bitacora.v31n3.87768.

ACS

(1)
Sicuro Corrêa, J. Enclaves institucionais como potenciais espaços públicos: o arquipélago na cidade. Bitácora Urbano Territorial 2021, 31, 53-66.

ABNT

SICURO CORRÊA, J. Enclaves institucionais como potenciais espaços públicos: o arquipélago na cidade. Bitácora Urbano Territorial, [S. l.], v. 31, n. 3, p. 53–66, 2021. DOI: 10.15446/bitacora.v31n3.87768. Disponível em: https://revistas.unal.edu.co/index.php/bitacora/article/view/87768. Acesso em: 7 dic. 2024.

Chicago

Sicuro Corrêa, Juliana. 2021. «Enclaves institucionais como potenciais espaços públicos: o arquipélago na cidade». Bitácora Urbano Territorial 31 (3):53-66. https://doi.org/10.15446/bitacora.v31n3.87768.

Harvard

Sicuro Corrêa, J. (2021) «Enclaves institucionais como potenciais espaços públicos: o arquipélago na cidade», Bitácora Urbano Territorial, 31(3), pp. 53–66. doi: 10.15446/bitacora.v31n3.87768.

IEEE

[1]
J. Sicuro Corrêa, «Enclaves institucionais como potenciais espaços públicos: o arquipélago na cidade», Bitácora Urbano Territorial, vol. 31, n.º 3, pp. 53–66, jul. 2021.

MLA

Sicuro Corrêa, J. «Enclaves institucionais como potenciais espaços públicos: o arquipélago na cidade». Bitácora Urbano Territorial, vol. 31, n.º 3, julio de 2021, pp. 53-66, doi:10.15446/bitacora.v31n3.87768.

Turabian

Sicuro Corrêa, Juliana. «Enclaves institucionais como potenciais espaços públicos: o arquipélago na cidade». Bitácora Urbano Territorial 31, no. 3 (julio 16, 2021): 53–66. Accedido diciembre 7, 2024. https://revistas.unal.edu.co/index.php/bitacora/article/view/87768.

Vancouver

1.
Sicuro Corrêa J. Enclaves institucionais como potenciais espaços públicos: o arquipélago na cidade. Bitácora Urbano Territorial [Internet]. 16 de julio de 2021 [citado 7 de diciembre de 2024];31(3):53-66. Disponible en: https://revistas.unal.edu.co/index.php/bitacora/article/view/87768

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