Publicado

2017-07-01

Novas experiências, outros significados: repensando o trabalho no comércio popular

New experiences, other meanings: rethinking work in the context of informal commerce

Nuevas experiencias, otros significados: repensando el trabajo en el comercio popular

DOI:

https://doi.org/10.15446/rcs.v40n2.66385

Palabras clave:

comércio popular, empreendedorismo, ética do trabalhar, ética do trabalho, trabalho, trajetórias sociais (pt)
entrepreneurship, ethic of working, informal trade, social trajectories, work, work ethic. (en)
comercio popular, emprendedorismo, ética del trabajar, ética del trabajo, trabajo, trayectorias sociales (es)

Autores/as

Neste artigo, tenho como objetivo principal discutir as transformações do trabalho no comércio popular em São Paulo, tendo em vista as recentes políticas de formalização e transição dessas atividades das ruas para as galerias. Pretendo discutir os efeitos dessas transformações a partir de trajetórias sociais de trabalhadores, marcadas por novas experiências de trabalho no comércio popular e novos significados atribuídos à ocupação. Na atual conjuntura, podemos considerar que as análises que explicam o engajamento no comércio popular como reação provisória à experiência do desemprego parecem insuficientes, visto que observamos a inserção de um grande contingente de trabalhadores nessas ocupações com expectativas de permanência e ascensão social. Além disso, a circulação do discurso empreendedor também merece atenção quando se intenta compreender os novos sentidos do trabalho nesses mercados populares. O texto é fundamentado em pesquisa que vem sendo realizada há dois anos junto a trabalhadores engajados no comércio popular na cidade de São Paulo. Metodologicamente, a investigação se constituiu em observação do trabalho em galerias comerciais no bairro do Brás, em conjunto com a realização de entrevistas que visaram recuperar as trajetórias sociais dos agentes. O artigo está organizado de modo a primeiramente apresentar o objeto e o espaço da pesquisa; em seguida, apresentar duas trajetórias de trabalhadores entrevistados; a partir disso, será desenvolvida uma reflexão acerca de uma possível passagem do que ficou conhecido como ética do trabalho, muito relacionada à lógica salarial, para uma ética do trabalhar, do saber trabalhar, em que é celebrada a capacidade de obter sucesso mesmo em um ambiente de insegurança e instabilidade.

The main objective of this article is to discuss the transformations of work in the informal commerce of São Paulo, taking into account the recent formalization policies and the transition of these activities from the streets to shopping centers. I intend to discuss the effects of these transformations on the basis of the social trajectories of workers, which have been marked by the new work experiences in the informal commerce and new meanings given to employment. In the current context, it is possible to say that the analyses that explain involvement in informal business as a temporary solution to the experience of unemployment seem insufficient, since we have observed that a large number of workers have dedicated themselves to informal business with expectations of permanence and upward mobility. Furthermore, it is important to consider the circulation of entrepreneurial discourse when trying to understand the new meanings of work in these informal markets. The text is based on a two-year research project on workers involved in informal trade in the city of São Paulo. The research methodology used was the observation of work in the shopping arcades of the Brás neighborhood, together with interviews aimed at establishing
the social trajectories of the agents. The article is structured as follows: it first presents the object and space of the research, and then goes on to describe the trajectories of two of the interviewed workers. It then carries out a reflection on the possible transition from what is known as the work ethic, which is closely related to the logic of salary, to an ethic of the worker, of knowing how to work, which highlights the ability to achieve success in an environment characterized by insecurity and instability. 

En el artículo, tengo como propósito principal discutir las transformaciones del trabajo en el comercio popular en São Paulo, llevando en cuenta las recientes políticas de formalización y transición de estas actividades de las calles para las galerías. Busco discutir los efectos de estas transformaciones desde trayectorias sociales de trabajadores, demarcadas por nuevas experiencias de trabajo en el comercio popular y nuevos significados dados a la ocupación. En el contexto actual, podemos considerar que los análisis que explican el comprometimiento en el comercio popular como reacción provisoria a la experiencia del desempleo parecen insuficientes, puesto que observamos la introducción de gran contingente de trabajadores a estas ocupaciones con expectativas de permanencia y ascensión social. Además, la circulación del discurso emprendedor también amerita atención cuando se intenta comprender los nuevos sentidos del trabajo en estos mercados populares. El texto está fundamentado en investigación realizada por dos años junto a trabajadores comprometidos en el comercio popular en la ciudad de São Paulo. Metodológicamente, la investigación se constituye en observación del trabajo en galerías comerciales en el barrio del Brás, en conjunto con la realización de entrevistas que  objetivaron recuperar las trayectorias sociales de los agentes. El artículo está organizado de modo a que primero se presenten el objeto y el espacio de la investigación; luego, se presentan dos trayectorias de trabajadores entrevistados; de ahí, se desarrolla una reflexión acerca de una posible transición de lo que quedó conocido como ética del trabajo, muy relacionada a la lógica salarial, a una ética del trabajador, del saber trabajar, en que se celebra la capacidad de lograr éxito aun en un ambiente de inseguridad e instabilidad. 

Recibido: 15 de febrero de 2017; Aceptado: 11 de abril de 2017

Resumo

Neste artigo, tenho como objetivo principal discutir as transformações do trabalho no comércio popular em São Paulo, tendo em vista as recentes políticas de formalização e transição dessas atividades das ruas para as galerias. Pretendo discutir os efeitos dessas transformações a partir de trajetórias sociais de trabalhadores, marcadas por novas experiências de trabalho no comércio popular e novos significados atribuídos à ocupação. Na atual conjuntura, podemos considerar que as análises que explicam o engajamento no comércio popular como reação provisória à experiência do desemprego parecem insuficientes, visto que observamos a inserção de um grande contingente de trabalhadores nessas ocupações com expectativas de permanência e ascensão social. Além disso, a circulação do discurso empreendedor também merece atenção quando se intenta compreender os novos sentidos do trabalho nesses mercados populares. O texto é fundamentado em pesquisa que vem sendo realizada há dois anos junto a trabalhadores engajados no comércio popular na cidade de São Paulo. Metodologicamente, a investigação se constituiu em observação do trabalho em galerias comerciais no bairro do Brás, em conjunto com a realização de entrevistas que visaram recuperar as trajetórias sociais dos agentes. O artigo está organizado de modo a primeiramente apresentar o objeto e o espaço da pesquisa; em seguida, apresentar duas trajetórias de trabalhadores entrevistados; a partir disso, será desenvolvida uma reflexão acerca de uma possível passagem do que ficou conhecido como ética do trabalho, muito relacionada à lógica salarial, para uma ética do trabalhar, do saber trabalhar, em que é celebrada a capacidade de obter sucesso mesmo em um ambiente de insegurança e instabilidade.

Palavras-chave:

comércio popular, empreendedorismo, ética do trabalhar, ética do trabalho, trabalho, trajetórias sociais.

Resumen

En el artículo, tengo como propósito principal discutir las transformaciones del trabajo en el comercio popular en São Paulo, llevando en cuenta las recientes políticas de formalización y transición de estas actividades de las calles para las galerías. Busco discutir los efectos de estas transformaciones desde trayectorias sociales de trabajadores, demarcadas por nuevas experiencias de trabajo en el comercio popular y nuevos significados dados a la ocupación. En el contexto actual, podemos considerar que los análisis que explican el comprometimiento en el comercio popular como reacción provisoria a la experiencia del desempleo parecen insuficientes, puesto que observamos la introducción de gran contingente de trabajadores a estas ocupaciones con expectativas de permanencia y ascensión social. Además, la circulación del discurso emprendedor también amerita atención cuando se intenta comprender los nuevos sentidos del trabajo en estos mercados populares. El texto está fundamentado en investigación realizada por dos años junto a trabajadores comprometidos en el comercio popular en la ciudad de São Paulo. Metodológicamente, la investigación se constituye en observación del trabajo en galerías comerciales en el barrio del Brás, en conjunto con la realización de entrevistas que objetivaron recuperar las trayectorias sociales de los agentes. El artículo está organizado de modo a que primero se presenten el objeto y el espacio de la investigación; luego, se presentan dos trayectorias de trabajadores entrevistados; de ahí, se desarrolla una reflexión acerca de una posible transición de lo que quedó conocido como ética del trabajo, muy relacionada a la lógica salarial, a una ética del trabajador, del saber trabajar, en que se celebra la capacidad de lograr éxito aun en un ambiente de inseguridad e instabilidad.

Palabras clave:

comercio popular, emprendedorismo, ética del trabajar, ética del trabajo, trabajo, trayectorias sociales.

Abstract

The main objective of this article is to discuss the transformations of work in the informal commerce of São Paulo, taking into account the recent formalization policies and the transition of these activities from the streets to shopping centers. I intend to discuss the effects of these transformations on the basis of the social trajectories of workers, which have been marked by the new work experiences in the informal commerce and new meanings given to employment. In the current context, it is possible to say that the analyses that explain involvement in informal business as a temporary solution to the experience of unemployment seem insufficient, since we have observed that a large number of workers have dedicated themselves to informal business with expectations of permanence and upward mobility. Furthermore, it is important to consider the circulation of entrepreneurial discourse when trying to understand the new meanings of work in these informal markets. The text is based on a two-year research project on workers involved in informal trade in the city of São Paulo. The research methodology used was the observation of work in the shopping arcades of the Brás neighborhood, together with interviews aimed at establishing the social trajectories of the agents. The article is structured as follows: it first presents the object and space of the research, and then goes on to describe the trajectories of two of the interviewed workers. It then carries out a relection on the possible transition from what is known as the work ethic, which is closely related to the logic of salary, to an ethic of the worker, of knowing how to work, which highlights the ability to achieve success in an environment characterized by insecurity and instability.

Keywords:

entrepreneurship, ethic of working, informal trade, social trajectories, work, work ethic.

Introdução

Historicamente, o trabalho no comércio popular no Brasil é percebido no imaginário social como uma inserção laboral marcada pela condição provisória e motivada pela necessidade de sobrevivência. Desse modo, costuma-se explicar a atividade de milhares de pessoas que transacionam em mercados populares uma variedade de mercadorias de procedência quase indiscernível, muitas vezes fruto de práticas qualificadas como contrabando ou "pirataria".

Essas experiências de trabalho, que flertam com o estigma da marginalização, também costumavam a ser explicadas como resquícios da modernização incompleta, que logo seriam superados com o desenvolvimento do capitalismo no país. Contudo, a partir das reconfigurações no mundo do trabalho nas últimas décadas, redesenhou-se um cenário em que o mercado de trabalho formal tem deixado de ocupar o lugar simbólico de segurança e estabilidade para planejar a vida em longo prazo. Nessa conjuntura, muitos dos agentes engajados nessas atividades demonstram privilegiar a autonomia do trabalho no comércio popular em detrimento de uma inserção desvalorizada no mercado de trabalho formal, mesmo tendo que lidar com os desafios impostos pelo autoempreendimento e com a desproteção em relação a direitos. Ainda que o número de empregos formais tenha crescido no Brasil nessas últimas décadas, muito tem sido discutido sobre a baixa qualidade dos empregos gerados, caracterizados por baixos salários, pouca estabilidade e muita rotatividade dos trabalhadores entre diferentes postos de trabalho.

A partir disso, na atual conjuntura, podemos considerar que as análises que explicam o engajamento no comércio popular como reação provisória à experiência do desemprego parecem hoje insuficientes, visto que observamos a inserção de um grande contingente de trabalhadores em atividades do comércio popular com expectativas de permanência e desenvolvimento da atividade (Rangel, 2015). São pessoas que atuavam em outras ocupações, formais ou não, e que identificaram no comércio popular uma melhor estratégia econômica e alternativa de ascensão.

Nesse sentido, tenho como objetivo principal neste texto discutir as transformações do trabalho no comércio popular em São Paulo, tendo em vista as recentes políticas de formalização das atividades dos camelôs1 e da "transição" dessas atividades das ruas para espaços em galerias, conhecidas também como "shoppings populares". A intenção é observar os efeitos dessas transformações objetivas sobre os sentidos atribuídos pelos trabalhadores à sua ocupação. Para isso, apresentarei duas trajetórias sociais que permitem discutir essas mudanças. Vale dizer que a análise das biografias individuais adquire maior importância quando estabelecemos a relação entre a trajetória de vida e as características gerais da situação histórica vivida e datada, visto que "cada vida humana é a síntese vertical de uma história social" (Nardi, 2005, p. 97). Nesse sentido, a proposta aqui é relacionar as inflexões dessas experiências com as percepções acerca da situação do mercado de trabalho nacional e reletir sobre um possível "desencantamento da condição salarial", ante os deslocamentos do estatuto social do emprego formal nas últimas décadas.

O texto está fundamentado em pesquisa que vem sendo realizada desde 2014 junto a trabalhadores engajados no comércio popular na cidade de São Paulo (Brasil). Metodologicamente, a investigação se constituiu em observação do trabalho em galerias comerciais no bairro do Brás, em conjunto com a realização de entrevistas que visaram recuperar as trajetórias sociais dos agentes. Busquei recuperar as trajetórias desses trabalhadores para, a partir delas, reletir acerca das transformações observadas no mundo do trabalho, colocando em evidência seus efeitos e percepções em um setor bastante tradicional na realidade brasileira.

0 trabalho no comércio popular

A região do Brás, em São Paulo, é um centro de referência do comércio popular. Por ela passam milhares de pessoas diariamente, que circulam entre o comércio de rua, lojas e "feiras da madrugada", trabalhando, vendendo mercadorias diversas (especialmente confecções e vestuário) ou comprando para revenda ou consumo própio. A criação das "feiras da madrugada" teve como motivação a tentativa de contornar a fiscalização da prefeitura -dada a condição de informalidade dessas atividades e da ilegalidade de grande parte das mercadorias comercializadas- e se constituiu em uma forma de evitar conflitos com os lojistas locais (Freire da Silva, 2014). O horário de funcionamento, que gira em torno das 2 às 14 horas, permite que "sacoleiros"2 e comerciantes de diferentes regiões, ou mesmo de outros países, possam se abastecer no comércio atacadista e revender nos seus locais de origem em tempo hábil, observando as respectivas temporalidades locais.

A Feirinha da Madrugada é um espaço localizado no Brás, no antigo Pátio do Pari3. O lugar é dividido em cerca de 4 mil boxes4 de concreto com portas de ferro, onde milhares de trabalhadores comercializam as mais variadas mercadorias. Muitas das pessoas que ali se estabeleceram vendiam seus produtos em bancas montadas sobre tripés de ferro nas ruas ao redor do local onde hoje se encontra a feira.

Feirinha da madrugada no Brás, no antigo Pátio do Pari

Figura 1: Feirinha da madrugada no Brás, no antigo Pátio do Pari

Fonte: elaboração própria.

De fato, muitos dos que antes vendiam suas mercadorias nas calçadas se viram forçados a se converterem em comerciantes nas galerias da região, dada a instabilidade do comércio de rua. Em grande medida, essa transição também foi impulsionada pelo endurecimento do combate ao comércio de rua, visto as diversas ações policiais de repressão a essas atividades, sendo que a mais notória e significativa delas foi a chamada "Operação Delegada5", iniciada em dezembro de 2009 (Freire da Silva, 2014), que mobilizou grande número de agentes policiais para o combate ao comércio ambulante.

Quanto ao escopo desses mercados, podemos considerar que a região do Brás, com suas feiras da madrugada e comércio atacadista, se constitui em uma espécie de nó da "globalização por baixo" (Portes, 1997; Tarrius, 2002), na medida em que se vincula a diversos circuitos comerciais nacionais e transnacionais, por onde transitam pessoas de diferentes origens procurando aproveitar as vantagens dos diferenciais de preços das mercadorias, de procedências praticamente indiscerníveis, que ali são transacionadas.

Nesse sentido, a análise do trabalho no comércio popular desenvolvida aqui não parte do pressuposto da anormalidade de seu funcionamento, em relação à economia formal, entendida como a adequação às regras estabelecidas para o funcionamento de um mercado dentro de um determinado território. Entendemos, como sugere Rabossi (2004), que a forma "normal" dos mercados, caracterizada pelo estrito respeito à legislação (o que não deixa de ser um ideal), não é o melhor ponto de partida para compreender aquilo que não se adequa a ela. Isso não significa ignorar a existência das regulações, mas sim considerar as tensões entre estas e o funcionamento cotidiano das práticas. Com efeito, o comércio popular se constitui como produto de intervenções institucionais (não pela ausência destas), uma vez que os negócios se relacionam diretamente com as regulamentações, tanto em termos de constrangimento das suas práticas informais/ilegais quanto na medida em que as normas oferecem um campo de possibilidades lucrativas para aqueles dispostos a assumir os riscos de contorná-las.

Assim, no comércio popular do Brás, podemos observar arranjos que constituem esse mercado como uma espécie de emaranhado entre estatutos legais e níveis de tolerância a certos ilegalismos. A própria ação do Estado contribui para a modulação dessa nebulosidade, não por falta de regulação, como se pode pensar, mas justamente pela forma como se efetivam certas tentativas de regulação, sendo mais evidente e significativa a construção da figura jurídica do Microempreendedor Individual (MEI)6. A partir do cadastro como MEI, o camelô pode se legalizar e obter acesso a benefícios como auxílio-maternidade, auxílio-doença e aposentadoria.

Nesse aspecto, é importante observar a nebulosidade das ações estatais voltadas para o comércio popular. O combate ao comércio de rua não significa a extinção do comércio de rua, assim como a formalização por meio do MEI não significa um impedimento à circulação de mercadorias "piratas" e/ou contrabandeadas, inclusive pelos novos "microempreendedores". O que se vê é a coexistência de atividades semelhantes, mas que em uma lógica de gestão, podem ser consideradas mais ou menos ilegais ou informais. No limite, é a própria indeterminação dos limites entre essas categorias. Indeterminação que implica na forma como os trabalhadores percebem sua ocupação e o modo estratégico ou instrumental com que eles lidam com a dimensão das regras.

De qualquer forma, mesmo com essa porosidade entre as normativas formais e as práticas informais, não podemos ignorar o efeito que o movimento para a formalização está exercendo sobre a ressignificação dessas atividades comerciais, sobretudo entre aqueles engajados diretamente nesse mercado, no sentido de amenizar o estigma que as envolve, possibilitar uma espécie de profissionalização da atividade e, consequentemente, atenuar o caráter de provisoriedade que sempre foi atribuído às práticas de comércio popular.

Todavia, é preciso destacar que os possíveis ganhos no que se refere à redução do estigma e melhoria das condições de trabalho não atingem toda a coletividade dos trabalhadores no comércio popular. Em vez disso, podemos dizer que os comerciantes instalados nas galerias do

Brás representam a "elite dos camelôs", quando comparados aos que não tiveram condições de arcar com os custos da "empresarização" da atividade, principalmente os aluguéis e o capital para investir em uma quantidade suficiente de mercadorias, que tornaria a "galerização" vantajosa economicamente. Ao lado do incentivo à formalização daqueles comerciantes em condições de se regularizar, persiste a lógica da repressão policial ao comércio de rua, com a criminalização cotidiana de suas atividades. De certa maneira, podemos inclusive associar o processo de formalização desse tipo de atividade a alguma medida de legitimação da repressão aos que não se regularizaram.

Ε no interior dessejogo de contradições que o comércio popular tem se transformado. Ao olhar para ocupações tradicionalmente informais, como as constituintes desses mercados, podemos perceber a existência de novas mercadorias, novas práticas, novas regulações e, também, novos sentidos atribuídos a essas atividades, e esses deslocamentos merecem ser melhor observados. Como sugere Lima (2014), a análise de velhas ocupações sob a luz do capitalismo contemporâneo pode colocar em questão percepções solidificadas sobre precariedade e precarização do trabalho, relação salarial e flexibilização das atividades.

Nesse sentido, apostamos na análise da transformação que vem se desenhando no comércio popular em São Paulo, com uma espécie de "empresarização" do tradicional camelô, como dotada de um valor heurístico para a relexão sobre questões mais amplas que tem se processado na dimensão do trabalho no Brasil, tanto em termos dos deslocamentos estruturais quanto no que se refere à percepção das pessoas que precisam se mobilizar em meio a esses processos.

No que segue, serão apresentadas duas trajetórias de trabalhadores do comércio popular paulista. Jornadas sociais que auxiliam na reflexão sobre as formas contemporâneas de conferir sentido ao trabalho e ganhar a vida nesses mercados.

Cláudia7: "carteira branca" e autoempreendimento

Cláudia é uma mulher de trinta anos. Ela mora sozinha na zona leste de São Paulo, em casa alugada. De segunda a sábado, pega todos os dias o "ônibus da madrugada" em direção ao Brás. Chega à feira por volta das 3 horas da manhã e abre o box onde comercializa roupas femininas. De segunda a sexta, fecha seu box antes das 11 horas da manhã, para dormir e descansar antes de ir para a faculdade.

Nascida em Poços de Caldas, Minas Gerais, veio para a cidade de São Paulo com três anos. Após o falecimento do pai, mudou-se com a mãe e a irmã mais velha para a casa de uma tia na zona leste da cidade. A mãe trabalhou como empregada doméstica até falecer, em 2004, por conta de um quadro grave de diabetes. Cláudia também trabalhou como doméstica, dos 14 aos 17 anos. "Trabalhei em umas cinco casas diferentes. Mas não queriam ficar comigo porque eu era menor de idade", diz ela. Aos 18 anos, conseguiu trabalho em uma casa noturna, trabalhava como garçonete e recepcionista.

Por intermédio de uma amiga, chegou à Feirinha da Madrugada, no Brás. Foi convidada para "desenvolver o próprio negócio" participando como sócia da amiga em um box na feirinha. "Nos primeiros meses, vendia-se muito. Vendia-se pirataria. Eu vendi muita pirataria. Vendia só coisinha de R$10, R$15. Tirava R$2, R$3, R$4 de lucro em cima de cada coisa", explica Cláudia. Contudo, diz não saber ao certo quanto ganhava na época: "de R$3 000 a R$5 000. Mas não sei dizer, naquele tempo eu não tinha noção nenhuma de administração" (2014,13 de junho).

Porém, no fim de 2007, Cláudia se separou da amiga. Passou três meses trabalhando como manicure até que conseguiu comprar o próprio box. Segundo ela, o box foi pago com muita dificuldade, uma vez que o movimento da feira já não era o mesmo do começo. "O dono parcelou a entrada de R$2 000 e fui pagando o resto com o tempo, R$14 000 mil no total. E pensando que, no começo, ninguém acreditava nisso aqui [na feira]. Amigo meu comprou box por R$1200".

Como no ano seguinte à aquisição do box o comércio na feirinha enfraqueceu, pelo menos para o negócio de Cláudia, ela avaliou que seria mais vantajoso alugar o ponto. Alugou por R$2 000 mensais e foi trabalhar como funcionária de um comerciante chinês, na mesma feira. Poucos meses depois, visando a uma renda maior, decidiu procurar outro trabalho. Chegou a procurar empregos formais, mas não conseguiu muitas oportunidades. De acordo com ela, por conta de não possuir nenhum registro na carteira de trabalho8. "Pra você ver, trabalho desde os 14 anos e não tenho uma linha na carteira. Uma pessoa trabalhadora como eu com a carteira branca!". O único emprego que conseguiu foi em um supermercado. Mas nem chegou a assumir a vaga. "Pagavam acho que uns R$1100. Não supre minhas necessidades. Meu aluguel, R$600. Mais água, luz, Casas Bahia9...Vou viver de quê? De brisa?" (2014,13 de junho).

Acabou voltando para sua primeira ocupação, ou melhor, para a versão moderna de sua primeira ocupação, passou a trabalhar como diarista10. "Ε diferente de empregada. Muito mais profissional. Vou lá, faço meu serviço e vou embora, não tem conversa, não tem humilhação". Trabalhou durante um ano como diarista. Segundo ela, "ganhava R$ 2 000 fácil [por mês]" (2014,13 de junho).

Nesse período, Cláudia começou a ter problemas com o locatário do seu box, que não pagava o aluguel em dia e começou a prejudicar sua organização financeira. Depois de ficar três meses com o aluguel atrasado, ela pediu o box de volta. A mercadoria que vende atualmente ("modinha11") é adquirida junto aos bolivianos, que têm se destacado na região com a produção informal de confecções.

Atualmente, o box rende cerca de R$3 000 reais mensais à comerciante. Ela acredita no sucesso de seu empreendimento e gosta do que faz. Hoje, diz não ter intenção de trabalhar em um emprego formal, com carteira assinada. "Ah não, amigo, o mercado é muito exigente, mas paga pouco. Como autônomo ganha mais", explica. Além disso, acredita estar madura para ter o próprio negócio e possuir as características necessárias para "se dar bem", que, segundo ela, passa pela capacidade de administração, experiência e lábia para conquistar os clientes. Ao longo dos próximos anos, Cláudia pretende reduzir sua jornada de trabalho. "Quero estipular um horário, das duas horas da manhã às nove horas aqui [na feira]. Sete horas de trabalho tá bom demais!". Mas, antes, planeja comprar a casa própria.

A partir da trajetória de Cláudia, podemos pensar que, embora seja verdade que o desemprego e as dificuldades de acesso ao mercado de trabalho formal são forças estruturais que conduzem inúmeros trabalhadores ao engajamento em atividades informais, como aquelas constituintes do comércio popular, essas não são as únicas variáveis explicativas a serem consideradas, sobretudo quando se trata da permanência desses trabalhadores nessas atividades e da visão positiva que eles podem ter delas. Sem dúvida, há uma dimensão subjetiva nesses processos que deve ser observada com atenção, principalmente quando se pretende compreender os sentidos atribuídos ao trabalho pelos agentes.

A relativa autonomia proporcionada pela condição de "patrão de si mesmo", ainda que na informalidade, pode se constituir em um instrumento pelo qual os indivíduos se sentem capazes de mirar outros planos de vida. Reconhecer isso não significa reforçar a perspectiva de que o autoempreendimento, na informalidade ou não, deve ser incentivado e celebrado como alternativa individual de melhoria das condições de vida. Entendo, porém, que as pessoas avaliam as situações e se engajam em determinadas atividades como resultado de avaliações, dentro de um leque de possibilidades. Obviamente, a percepção sobre as condições estruturais do mercado de trabalho, com a instabilidade disseminada e a institucionalização da precariedade, marca as balizas das decisões e os caminhos adotados por cada um.

Tendo isso em vista, o autoemprego é percebido como quase tão inseguro quanto o mercado de trabalho assalariado. No caso das atividades relacionadas ao comércio popular, ainda está presente a possibilidade de se atingir um patamar de renda mais alto do que seria possível para pessoas com menores níveis de escolaridade nos empregos formais.

Ε verdade que a carteira de trabalho não deixou de conferir prestígio para pessoas que se orgulham do rótulo de trabalhador que pode ser dirigido a elas, ou melhor, a existência de registro em carteira evita que elas se sintam constrangidas por serem trabalhadoras e possuírem a "carteira branca". Entretanto, no caso de Cláudia, a "carteira branca" só se constituiu em um problema efetivo no momento em que seu empreendimento autônomo tornou-se menos rentável, e ela se viu forçada a procurar outra fonte de renda.

Ironicamente, nesse caso, mas também em outras situações encontradas em campo, o emprego formal acaba ocupando um lugar de alternativa às dificuldades encontradas no autoempreendimento, aparece como "plano B", subvertendo a lógica corrente.

Paulo: empreendedorismo e o "saber trabalhar"

Paulo tem 41 anos, nasceu no estado da Bahia e está na cidade de São Paulo há 24 anos. Mora em casa própria com a mulher e as filhas. Ele trabalha com vendas desde os 7 anos, quando começou vendendo as verduras que seu pai plantava no quintal de casa. A partir de então, trabalhou vendendo doces e salgados nas ruas da cidade.

Aos 17 anos, mudou-se para São Paulo. Veio trabalhar com um irmão que comercializava frutas no mercado municipal de São Paulo. Em 1996, passou a investir no comércio de embalagens plásticas. Ele comprava as embalagens diretamente das fábricas e revendia por quilo em um carrinho na Rua Oriente, no Brás. Trabalhava do início da madrugada até por volta do meio-dia. "No começo, dava muito dinheiro. Praticamente, só eu que vendia. Aí começou a aparecer um monte de gente com o mesmo produto e o lucro começou a cair. Tive que ir abaixando o preço" (4 de julho de 2014), recorda ele.

Permaneceu no negócio de embalagens até 2006, quando avaliou que montar um box na Feira da Madrugada parecia mais vantajoso. "Eu tinha um conhecido que vendia roupas aqui, e estava ganhando muito dinheiro. Ele queria vender o box porque estava indo embora para o Sul". Paulo diz ter pago R$5 000 reais no box. "Ele queria R$7 000, mas dei R$3 000 de entrada e disse que parcelaria o resto em seis meses. Aí ele, que não era bobo, aceitou" (4 de julho de 2014).

Como era iniciante no comércio de roupas, Paulo comprava mercadorias de outros boxes e revendia no seu, cobrando R$2 ou R$3 mais caro. "Mesmo assim compensava. Na época se vendia muito, isso aqui vivia cheio", relembra com alguma nostalgia. Depois de algum tempo no ramo, começou a procurar os endereços dos fabricantes nas etiquetas dos produtos e passou a negociar direto com as empresas. Eliminando os intermediários, sua renda dobrou -dos R$2 OOO que atingia antes, passou a lucrar cerca de R$4 000 mensais-.

Em 2013, a prefeitura determinou que a feirinha seria fechada para reforma. Como alternativa, Paulo alugou um box em uma galeria ali mesmo, na região do Brás. Enquanto a esposa cuidava das vendas no novo espaço, ele viajava para vender em feiras itinerantes. Manteve o box nessa galeria por cerca de três meses. "Pagava um absurdo! Quase R$2 000 por mês de aluguel, para enriquecer esses libaneses" (4 de julho de 2014). Como o preço do aluguel era muito alto, desistiu do espaço e passou a se dedicar apenas às feiras itinerantes. Viajava duas ou três vezes por semana para feiras no Paraná, Santa Catarina, Rio de Janeiro, Minas Gerais e interior de São Paulo.

Quando a Feirinha da Madrugada do Brás foi reaberta, Paulo parou de viajar e voltou para o seu box junto com a esposa. Ele reclama muito da situação das vendas desde então. Acredita que o movimento caiu muito por causa do tempo em que a feira ficou fechada. "Os clientes encontraram outros lugares pra comprar” (4 de julho de 2014). Desde que a feira foi reaberta, a renda mensal de Paulo raramente passa de R$3 000 mensais, com exceção do fim do ano, quando as vendas são geralmente maiores.

Na visão de Paulo, para obter sucesso trabalhando no ramo tem que ter "garra pra trabalhar", tendo em vista a penosa rotina da atividade. Paulo nunca vai dormir antes das 20h e acorda a ih para trabalhar. Depois que fecha o box e vai pra casa, ainda não descansa. "Quando você chega em casa, você não vai dormir, não. Faço as coisas de banco -cobrir um cheque, fazer um depósito-, arrumo a mercadoria pro outro dia" (4 de julho de 2014).

A tendência de trabalhar muito é explicada pela necessidade de se garantir o padrão de consumo adquirido. "Quando você vai subindo, seu custo vai subindo. Antes você não tinha uma TV a cabo, uma internet de R$100. Você quer um carro mais bonitinho" (4 de julho de 2014). Apesar das dificuldades, Paulo considera seu trabalho gratificante. Percebe como principais vantagens a possibilidade de dispor do seu próprio tempo e a condição de patrão de si mesmo.

Se você quiser tirar férias de um mês, você tira [apesar de nunca ter tirado férias com essa extensão]. [...]. Trabalhar pra você mesmo é ser responsável pelo que você ganha. Se você trabalhar mais, você vai ganhar mais. No dia que está vendendo bem, você não quer ir embora. Você faz seu horário e, entre aspas, faz seu salário.

Ele reproduz com precisão o discurso empreendedor corrente no mundo do trabalho, deseja permanecer no comércio popular e crescer no ramo, mas garante que, se não conseguir prosperar, não vê problemas em mudar de ocupação. Tem a percepção de que é muito capaz de lidar com a instabilidade, transitando entre ocupações. Para ele, o importante é "saber trabalhar" (4 de julho de 2014).

Da ética do emprego à ética do trabalhar

Muitos estudos vêm sendo realizados buscando compreender os valores que orientam a sociedade capitalista contemporânea e repercutem na formação desse trabalhador flexível, característico do contexto que ora se apresenta.

Sennett (1999) defende que as mudanças na esfera do trabalho contribuíram ra para a construção de um ambiente de instabilidade, no qual a ideia de "longo prazo" não faz mais sentido, visto que os indivíduos não podem contar com a estabilidade na ocupação que exercem e são obrigados a transitar entre diferentes projetos ao longo da vida.

A instabilidade do presente e a consequente incerteza com o futuro refletem substantivamente nos sentidos atribuídos ao trabalho. A dificuldade de se construir um quadro de segurança ontológica relacionada à esfera do trabalho é expressa da seguinte forma por Bauman (1998):

Quanto menor é a firmeza no presente, tanto menos o "futuro" pode ser integrado no projeto. Lapsos de tempo rotulados de "futuro" encurtam, e a duração da vida como um todo é fatiada em episódios considerados "um de cada vez" A continuidade não é mais marca de aperfeiçoamento. A natureza outrora cumulativa e de longo prazo do progresso está cedendo lugar a demandas dirigidas a cada episódio em separado: o mérito de cada episódio deve ser revelado e consumido inteiramente antes mesmo que ele termine e que o próximo comece. Numa vida guiada pelo preceito da flexibilidade, as estratégias e planos de vida só podem ser de curto prazo. (p. 158)

Incerteza, insegurança, instabilidade são termos que geralmente vêm associados às análises das condições de vida e trabalho no capitalismo flexível. A ideia de flexibilidade verificada nos novos modelos produtivos e organizacionais pode se manifestar em variadas formas, desde a lexibilidade salarial e dos contratos de trabalho (temporário, por projetos, por período) até a flexibilidade funcional (exigência de que os trabalhadores sejam polivalentes) e espacial (a mobilidade passa a ser uma condição de empregabilidade). Sennett (1999) destaca que o processo de lexibilização impacta sobre os trabalhadores na medida em que é exigido que estes se adaptem ao dinamismo das mudanças nos processos produtivos, e essa adaptação deve se realizar, inclusive, no nível subjetivo, no sentido de naturalização e positivação da flexibilidade e da instabilidade. Pode-se observar, então, que o sistema flexível de produção e organização do trabalho necessita também que a flexibilidade seja uma característica do trabalhador, disso deriva o ideal do trabalhador lexível.

Essa nova imagem do trabalhador se diferencia quase completamente daquela construída sob a égide do "capitalismo sólido" (Bauman, 1998), cuja versão mais completa foi representada pela constituição da chamada sociedade salarial, que, como já dito, só existiu no Brasil enquanto objeto de desejo. O fato é que a ideia de um futuro garantido atrelado à permanência em um emprego estável, ou mesmo em uma mesma profissão, está cada vez mais distante do horizonte objetivo de expectativas, pelo menos para a maioria da população.

Para Bauman, isso se manifesta na mudança da relação que as pessoas estabelecem com a ideia de procrastinação, que, em tempos menos instáveis, não representava uma postura de indolência ou displicência, mas sim uma posição ativa que visava assumir o controle da sequência de eventos futuros. Procrastinar significava "manipular as possibilidades da presença de alguma coisa, deixando, atrasando e adiando seu estar presente, mantendo-a à distância e transferindo sua imediatez" (Bauman, 1998, p. 179). Porém, no mundo do trabalho reconfigurado, o adiamento da satisfação que visa maior gozo em um momento futuro deixa de ser um sinal de virtude moral, sendo reinterpretada como a admissão resignada de uma situação desagradável, uma acomodação perante as adversidades. Comportamento este que é recriminado e desqualificado pelo, cada vez mais hegemônico, discurso empreendedor.

Como consequência dessa sociedade de incertezas, estaria sendo fundado um código moral que prega a noção de presente permanente, ligada à ânsia pelo consumo imediato e a uma cultura do individualismo (Nardi, 2003). Bauman (1998) vê, então, na recusa à procrastinação, uma subjugação da ética do trabalho e dos valores a ela associados, perante o que ele chama de "estética do consumo". Nessa nova orientação, o trabalho é rebaixado a um papel subordinado e instrumental, um meio para a satisfação de desejos nunca plenamente saciados e sempre reinventados.

No entanto, refletindo acerca das trajetórias apresentadas neste texto, podemos ponderar que, no universo empírico estudado, o trabalho não deixou de ocupar um lugar central na vida das pessoas, constituindo-se tanto em uma preocupação material quanto produzindo efeitos na constituição dos sujeitos, uma vez que se mostra uma dimensão da qual elas retiram grande parte de sua autoestima.

Por outro lado, é evidente que a ética do trabalho, da qual fala Bauman, não se apresenta mais nos termos formulados pelo autor, em que, para os trabalhadores, "os horizontes eram desenhados pela perspectiva de emprego por toda a vida dentro de uma empresa que poderia ou não ser imortal, mas cuja vida seria, de qualquer maneira, muito mais longa que a deles mesmos" (Bauman, 1998, p. 168).

Ε inegável que transformações ocorreram e que a dinâmica do mundo do trabalho contemporâneo prevê muito mais mobilidade do que antes. Mobilidade que tem se manifestado em insegurança, instabilidade e precariedade, sem dúvida. Mesmo fora das relações formais de trabalho e serviços, são inúmeras as pessoas que se aventuram no autoempre-endimento sem regulação, convertendo-se em suas próprias empresas informais. Talvez "aventurar-se" não seja o melhor termo para se referir às iniciativas empreendedoras no contexto atual, tendo em vista que mesmo as relações de assalariamento exigem, cada vez mais, uma série de capacidades criativas e necessidade de atualização constante, como condição para a manutenção da empregabilidade. Nesse sentido, entrar no mundo do trabalho, o que não é opcional para a maioria absoluta da população, já é se aventurar.

Com efeito, argumenta-se aqui que, apesar das visíveis transformações nas formas de se experienciar o trabalho nas últimas décadas, este não deixou de ser valorizado para além de sua função instrumental, inclusive no que se refere ao seu componente ético. Quando Paulo valoriza sua capacidade de sobreviver nas adversidades do mercado ao dizer que "o importante é saber trabalhar", ele está lançando mão de uma série de pressupostos morais, como a recusa à acomodação, a força de vontade para seguir em frente e melhorar de vida e a disposição para fazer o necessário, dentro dos limites da legitimidade contextual da qual compartilha. E essa postura diante do trabalhar me pareceu ser generalizada entre os comerciantes entrevistados.

Desse modo, em vez da transição de uma ética do trabalho para uma estética do consumo, como sugere Bauman (1998), talvez estejamos vivenciando a passagem de uma ética do emprego para uma ética do trabalhar. Entendemos que a ética do emprego é pautada pela lógica do assalariamento, a qual seria constituída pelo desejo de encontrar um emprego estável, cujo salário seja satisfatório e no qual se poderia passar longos anos da vida, com jornadas de trabalho delimitadas e folgas preestabelecidas. Nesse ideal, está contida a possibilidade do planejamento de longo prazo com relativa segurança, o que favoreceria a postura de procrastinar o que se deseja realizar, podendo aumentar, inclusive, a satisfação de aproveitá-lo no futuro.

A ética do trabalhar, por sua vez, mais do que sobreviver na adversidade, aparece como a valorização da capacidade de obter relativo sucesso em um mundo que, como diz Sennett (1999), deixa as pessoas à deriva. Nesse aspecto, a dimensão do consumo exerce um papel significativo, visto que o "saber trabalhar" geralmente é medido por meio de seus resultados econômicos e pelo que pode ser apresentado materialmente a partir disso. Muitos dos entrevistados que disseram "saber trabalhar" carregam consigo uma história de ascensão econômica, um processo no qual tiveram que superar situações adversas.

Além disso, vale reter daqui a impressão de que a valorização subjetiva do trabalho não se fia mais, sobretudo, na identificação com um oficio ou profissão, como se verificava na ética do emprego. Em vez disso, na ética do trabalhar, é celebrada a capacidade de obter sucesso mesmo em um ambiente de insegurança e instabilidade. Valoriza-se a capacidade de encontrar um porto mesmo estando à deriva. De fato, o "eu sou trabalhador" ainda é uma afirmação poderosa, como em outros tempos, porém com diferentes conteúdos.

Considerações finais

Essas trajetórias foram escolhidas para compor este texto porque me parecem particularmente relevantes para a reflexão sobre os sentidos atribuídos ao trabalho por muitos dos que estão engajados no comércio popular. Logicamente, não pretendo derivar dessas experiências particulares um encadeamento que culmine em uma generalização abstrata a partir de um caso particular do possível. Em vez disso, entendo que essas trajetórias possuem um valor heurístico na medida em que nos permitem pensar a respeito das novas configurações do trabalho, a partir de elementos que são relativamente ordinários no campo de pesquisa em questão.

Acredito que as contradições contidas na relexão acerca da conduta empreendedora, que ora representa possibilidade real de ascensão social para parte dos trabalhadores, ora significa uma lógica perversa de individualização e responsabilização individual, refletem as contradições nas percepções e nos discursos dos agentes que, por sua vez, exprimem as próprias contradições e a falta de inteligibilidade do capitalismo flexível.

Não se trata, então, da celebração de um empreendedorismo acrítico. Se, por um lado, observamos e participamos de um contexto social que exalta, cada vez mais, o sucesso individual, por outro, essa mesma sociedade atribui o fracasso no empreendimento de si e a persistência das condições sociais precárias a incapacidades e falhas pessoais. Entendemos que uma espécie de "ética do trabalhar" -na qual o trabalho mantém seu valor substantivo, mas apenas na medida em que se traduz em resultados econômicos- tem se reletido em uma conduta de "empreender a si mesmo", no sentido de buscar constantemente as capacitações necessárias para transitar no mercado e estar disposto a correr riscos.

No contexto atual, o comércio popular tem se apresentado como um terreno em que pessoas com diferentes biografias podem ascender economicamente ou encontrar um trabalho autônomo no qual se sintam relativamente mais satisfeitas. A inserção nessas atividades foi pensada em articulação com as transformações objetivas e em termos de representações acerca do trabalho formal no contexto contemporâneo. Entendo que reconhecer a positivação do trabalho no comércio popular significa reconhecer que a sua instabilidade e insegurança características estão presentes também no mercado de empregos formais, o que pode colocar o engajamento nessas ocupações como apenas mais uma forma de inserção ocupacional e fonte de renda.

Assim, não se pode reduzir o engajamento nas atividades de comércio popular apenas à impossibilidade de acesso ao mercado de trabalho. Muitos trabalhadores garantem preferir o trabalho informal no comércio popular ao emprego formal, porém menos rentável. Essa avaliação é representativa dos efeitos das transformações produtivas das últimas décadas, bem como da manifestação de uma nova cultura do trabalho, fundamentada no sujeito empreendedor de si (Boltanski e Ghiapello, 200g). Após o ingresso no comércio popular se tornar algo plausível nas trajetórias dos agentes, a incorporação, mesmo que relativa, da ideologia do empreendedorismo exerce um papel significativo para a permanência dos trabalhadores nessas atividades (Lima e Rangel, 2015).

A partir disso, estaríamos reproduzindo um discurso que positiva a flexibilidade? Consideramos que a lógica do empreendedorismo tem adquirido um sentido de mecanismo de convencimento ideológico (Machado da Silva, 2002), de modo que, ao lado dos constrangimentos estruturais, resultados das reconfigurações no mundo do trabalho, está presente uma certa disposição dos sujeitos em participar da ordem estabelecida. A menção aos "constrangimentos estruturais" não é desprezível, visto que não entendo ideologia como a incapacidade de observar a realidade tal como ela é, mas como uma espécie de interpretação sobre a realidade e sobre aquilo que aparece como seus limites objetivos e contextuais.

Assim, aceitar e reproduzir o discurso empreendedor -que tem sua circulação promovida tanto por meio de políticas governamentais, como aquelas voltadas para a educação ou geração de emprego, quanto por meio de instâncias mais difusas, como os telejornais, redes sociais ou anúncios publicitários- não significa simples alienação em relação ao mundo. Ao contrário, as variadas manifestações do discurso da flexibilidade, do empreender, são formas de conferir inteligibilidade para a instabilidade na qual os agentes estão efetivamente inseridos no capitalismo contemporâneo, e sabem que estão.

E éjustamente esse discurso da flexibilidade, ou suas variações como o uso cotidiano da ideia de "saber trabalhar", que tem conferido plausibilidade para a instabilidade do mundo do trabalho contemporâneo. Um mundo no qual a melhoria das condições em que os agentes estão inseridos é entendida como um objetivo a ser alcançado a partir das disposições individuais, daí a valorização das práticas de autoempreendimento, em ocupações formais ou não. Um mundo em que se tornar um empreendedor tem se convertido em um imperativo, queiram os indivíduos ou não. Ao contrário do que prega o discurso neoliberal da autonomia e da liberdade, "empreender a si mesmo", independentemente das condições sociais, tem aparecido cada vez menos como uma questão de escolha. E repensar sua positivação em ocupações tradicionalmente precárias, como as vinculadas ao comércio popular, parece ser um posto de observação relevante para se elaborar a crítica à precariedade e à instabilidade que têm se institucionalizado por todo o mercado de trabalho.

Referências

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Paulo. (2014,4 de julho). Entrevista por autor. São Paulo.

A pesquisa que deu origem a este artigo foi financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Uma versão preliminar da discussão aqui desenvolvida foi apresentada no viu Congresso da Associação Latino-Americana de Estudos do Trabalho (Alast).
Como citar este artigo: Rangel, F. (2017). Novas experiências, outros significados: repensando o trabalho no comércio popular. Rev. Colomb. Soc. 40(3), 67-85.
No Brasil, o termo camelô se refere ao comerciante de rua, conhecido também como "vendedor ambulante". Por vezes, é usado para denominar qualquer pessoa que trabalhe no comércio popular, mesmo no interior das galerias comerciais. Nesse sentido, pode adquirir uma carga pejorativa, na medida em que os camelôs são comumente associados ao trabalho informal e a diversos ilegalis-mos, ou pode ser usado pelos próprios sujeitos como uma categoria política, como resistência à gramática empresarial que busca ressignificar esses comerciantes sob a lógica empreendedora.
Sacoleiros é como são conhecidas, no Brasil, as pessoas que viajam para comprar grandes quantidades de mercadoria para revenda.
Na região, existem outras feiras da madrugada, contudo, neste texto, toda vez que for feita referência à Feira da Madrugada, estaremos falando do espaço comercial localizado no antigo Pátio do Pari, onde atualmente se localiza a mais importante dessas feiras.
Espaços retangulares fechados onde se comercializam diversos produtos em galerias ou shoppings populares.
Para mais informações acerca da Operação Delegada e sobre os conflitos em torno da constituição dos espaços e dos mercados populares na região central de São Paulo, ver Freire da Silva (2014) e Hirata (2014).
Mais informações sobre a figura do MEI podem ser encontradas no site: http://www.portaldoempreendedor.gov.br/mei-microempreendedor-individual. A figura do MEI é uma forma menos burocrática de formalizar o trabalho por conta própria, permitindo que o trabalhador se converta em uma empresa formada apenas por ele mesmo. Mais informações sobre a figura do MEI podem ser encontradas no site: http://www.portaldoempreendedor.gov.br/mei-microempreendedor-individual.
Os nomes citados no texto foram trocados a fim de preservar a identidade dos entrevistados.
No Brasil, a carteira de trabalho é um documento que registra a trajetória profissional dos trabalhadores, seu percurso através da sucessão de empregos formais.
Grande rede de lojas de departamento muito popular no Brasil por facilitar as compras por meio do parcelamento em muitas prestações.
O termo diarista é usado no Brasil geralmente para se referir a pessoas, sobretudo mulheres, contratadas para fazer limpeza, sendo o pagamento realizado pelo dia de trabalho e sem qualquer vínculo empregatício.
Modinha é um termo usado para definir um segmento do setor de vestuário. Refere-se àquelas roupas que "estão na moda", ou seja, que tentam acompanhar as demandas em um determinado período do ano. Muitas dessas mercadorias são produzidas ali mesmo, nas oficinas do Brás e na zona leste de São Paulo.

Referencias

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Fontes primárias

Cláudia. (2014, 13 de junho). Entrevista por Felipe Rangel.

Paulo. (2014, 04 de julho). Entrevista por Felipe Rangel.

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Rangel, F. (2017). Novas experiências, outros significados: repensando o trabalho no comércio popular. Revista Colombiana de Sociología, 40(2), 67–85. https://doi.org/10.15446/rcs.v40n2.66385

ACM

[1]
Rangel, F. 2017. Novas experiências, outros significados: repensando o trabalho no comércio popular. Revista Colombiana de Sociología. 40, 2 (jul. 2017), 67–85. DOI:https://doi.org/10.15446/rcs.v40n2.66385.

ACS

(1)
Rangel, F. Novas experiências, outros significados: repensando o trabalho no comércio popular. Rev. colomb. soc. 2017, 40, 67-85.

ABNT

RANGEL, F. Novas experiências, outros significados: repensando o trabalho no comércio popular. Revista Colombiana de Sociología, [S. l.], v. 40, n. 2, p. 67–85, 2017. DOI: 10.15446/rcs.v40n2.66385. Disponível em: https://revistas.unal.edu.co/index.php/recs/article/view/66385. Acesso em: 2 sep. 2024.

Chicago

Rangel, Felipe. 2017. «Novas experiências, outros significados: repensando o trabalho no comércio popular». Revista Colombiana De Sociología 40 (2):67-85. https://doi.org/10.15446/rcs.v40n2.66385.

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Rangel, F. (2017) «Novas experiências, outros significados: repensando o trabalho no comércio popular», Revista Colombiana de Sociología, 40(2), pp. 67–85. doi: 10.15446/rcs.v40n2.66385.

IEEE

[1]
F. Rangel, «Novas experiências, outros significados: repensando o trabalho no comércio popular», Rev. colomb. soc., vol. 40, n.º 2, pp. 67–85, jul. 2017.

MLA

Rangel, F. «Novas experiências, outros significados: repensando o trabalho no comércio popular». Revista Colombiana de Sociología, vol. 40, n.º 2, julio de 2017, pp. 67-85, doi:10.15446/rcs.v40n2.66385.

Turabian

Rangel, Felipe. «Novas experiências, outros significados: repensando o trabalho no comércio popular». Revista Colombiana de Sociología 40, no. 2 (julio 1, 2017): 67–85. Accedido septiembre 2, 2024. https://revistas.unal.edu.co/index.php/recs/article/view/66385.

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1.
Rangel F. Novas experiências, outros significados: repensando o trabalho no comércio popular. Rev. colomb. soc. [Internet]. 1 de julio de 2017 [citado 2 de septiembre de 2024];40(2):67-85. Disponible en: https://revistas.unal.edu.co/index.php/recs/article/view/66385

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