Publicado

2017-01-01

Justificação epistêmica. Fundacionismo e coerentismo

Epistemic Justification. Foundationalism and Coherentism

DOI:

https://doi.org/10.15446/ideasyvalores.v66n163.20272

Palabras clave:

E. Gettier, coerentismo, conhecimento, crença. (pt)
E. Gettier, coherentism, knowledge, belief, foundationalism (en)

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Autores/as

  • Elnora Gondim Universidade Federal do Piauí
O artigo de E. Gettier, “É Conhecimento Crença Verdadeira Justificada?” mudou o curso da epistemologia ao analisar a questão da verdade justificada pertinente ao conhecimento proposicional e detectar uma falha na definição tradicional de conhecimento, dando origem a diferentes comentários. Várias teorias sobre o assunto são discutidas, sendo as mais utilizadas aquelas que enfatizam o fundacionismo e o coerentismo em seu caráter internalista.
E. Gettier’s article “Is Justified True Belief Knowledge?” changed the course of epistemology by analyzing the issue of justified truth regarding propositional knowledge and detecting a problem with the traditional definition of knowledge. The paper discusses various theories on this matter, especially those that highlight foundationalism and coherentism in its internalist aspect.

Recibido: 20 de abril de 2015; Aceptado: 10 de junio de 2015

RESUMO

O artigo de E. Gettier, "É Conhecimento Crença Verdadeira Justificada?" mudou o curso da epistemologia ao analisar a questão da verdade justificada pertinente ao conhecimento proposicional e detectar uma falha na definição tradicional de conhecimento, dando origem a diferentes comentários. Várias teorias sobre o assunto são discutidas, sendo as mais utilizadas aquelas que enfatizam o fundacionismo e o coerentismo em seu caráter internalista.

Palavras-chave:

E. Gettier, coerentismo, conhecimento, crença, fundacionismo.

ABSTRACT

E. Gettier's article "Is Justified True Belief Knowledge?" changed the course of epistemology by analyzing the issue of justified truth regarding propositional knowledge and detecting a problem with the traditional definition of knowledge. The paper discusses various theories on this matter, especially those that highlight foundationalism and coherentism in its internalist aspect.

Keywords:

E. Gettier, coherentism, knowledge, belief, foundationalism.

Introdução

Argumentar em favor de se uma teoria se utiliza de algum tipo específico de justificação ou contra isso é algo complexo; porquanto, nem mesmo se tem um conceito único de justificação epistêmica. No entanto, a pergunta central da epistemologia contemporânea é: quais são os fatores determinantes para se afirmar que uma crença se encontra epistemicamente justificada? Tal pergunta nos leva a outra: o que é exatamente justificação epistêmica? Em linhas gerais, algo é chamado de justificação epistêmica quando se valida uma crença recorrendo a outra ou a outras crenças. Nessa perspectiva, a característica distintiva da justificação epistêmica, aquela que vamos utilizar aqui, significa que se aceitam todas e apenas aquelas crenças que se têm boas razões para que se possa pensá-las como verdadeiras. No entanto, o termo justificar é, em ampla medida, defender algo que se crê; em outras palavras, isso significa que há causas que justificam esse algo; um justificador que pode ser uma evidência ou outras crenças, outros estados mentais conscientes, outros fatos sobre nós e nosso ambiente. Assim, uma justificação é uma autorização da qual o sujeito dispõe explicitamente. Contudo, em se tratando não somente do termo em si, mas também da justificação epistêmica propriamente dita, na epistemologia contemporânea, encontram-se muitas respostas para a questão da justificação das crenças.

Isso não é algo sem motivo: Edmund Gettier, em 1963, publicou seu famoso artigo "É o conhecimento crença verdadeira justificada?" É consenso que esse pequeno artigo modificou os rumos tomados pela epistemologia ao ter, como ponto de argumentação, a análise da afirmação sobre a verdade justificada do conhecimento proposicional, aquele que é considerado como o saber acerca dos fatos. Gettier constatou que havia uma falha na definição tradicional de conhecimento como crença verdadeira justificada: possuir uma crença verdadeira justificada pode não ser conhecimento; para ele, é possível não possuir qualquer conhecimento, mesmo que se tenha uma crença verdadeira justificada.

O conhecimento como crença verdadeira justificada é uma definição que tem origem nos diálogos platônicos. Para Platão, só se tem um conhecimento proposicional efetivo quando algo abrange as três condições necessárias para tanto (crença, verdade e justificação). A justificação consiste na razão (ou razões) que suporta a verdade da crença -é nesse sentido que se pode afirmar estar na posse de um efetivo conhecimento, pois só se conhece aquilo que se pode justificar-. Portanto, para Platão, nenhuma das três condições necessárias, isoladamente, é suficiente para que haja conhecimento.

Contrapondo-se à definição tradicional de conhecimento, Gettier publica "É o conhecimento crença verdadeira justificada?" Subsequentemente a esse ensaio, seguiu-se uma série de artigos que procurava responder à análise sobre a definição tradicional do conhecimento: buscava-se saber sobre as possibilidades de justificar as crenças. Vê-se que, após o artigo "É o conhecimento crença verdadeira justificada?", tem-se a necessidade de explorar teorias que tratam das causas ou das produções da crença tanto em se tratando da epistemologia quanto da moral. Depois do artigo de Gettier, é inconcebível que não se coloque como problema a questão de justificação das crenças. Portanto, tornou-se condição fundamental saber de que forma determinado teórico procede para construir sua teoria.

Nessa perspectiva, podemos agrupar em dois grandes grupos as teorias que tentam fornecer justificação às crenças: eles podem ser classificados como internalismo e externalismo. Esses grupos se desdobram em fundacionismo e coerentismo; as teorias mais comuns de justificação das crenças e aquelas as quais vamos imputar uma maior ênfase no que se refere a seu caráter internalista. Para tanto, faz-se necessário conhecer as características de ambas as correntes epistemológicas juntamente com as suas implicações e relações.

Questões de justificação

Em linhas gerais, pode-se afirmar que as questões de justificação são aquelas que se relacionam com as razões que governam as crenças. Em outras palavras, elas são as várias tentativas de desenvolver uma teoria geral para estabelecer as condições sob as quais as pessoas têm crenças. Como, por exemplo, os internalistas afirmam que, se uma crença está justificada, isso é determinado por estados internos do sujeito epistêmico. Em contrapartida, os externalistas afirmam que o fim epistêmico por excelência é a verdade, isto é, as crenças, para serem justificadas, devem ser produzidas por um processo cognitivo confiável.

Internalismo

Podemos definir o internalismo, em epistemologia, como uma visão que se preocupa com quais tipos de pensamentos determinam ou repousam os fatos epistêmicos. Em outras palavras, o internalista considera que os pensamentos determinam fatos epistêmicos, isto é, se dois pensamentos são idênticos com relação aos fatores internos, então eles devem ser idênticos no modo epistêmico relevante. De forma reduzida, podemos definir o internalismo como aquelas teorias das boas razões e seus descendentes. Em ampla medida, podem-se caracterizar alguns aspectos que são requeridos para uma justificação do tipo internalista, são eles: a) consistência: o conjunto das crenças gerais de uma pessoa pode ser avaliado pela consistência, e cada crença individual pode ser avaliada em termos de se algo é ou não é consistente com o resto de crenças da pessoa, ou seja, a visão internalista depende das relações entre as crenças das pessoas; b) boas razões identificáveis: uma pessoa pode, ao mesmo tempo, pensar sobre alguma coisa que ela acredita e argumentar que ela teve boas razões para acreditar. A habilidade de identificar tal razão é um fato mental da pessoa. No entanto, as pessoas podem se equivocar achando que elas têm boas razões. A habilidade para identificar uma boa razão deve coincidir com as proposições mais familiares para se expor uma boa razão. Nessa ótica, uma pessoa tem uma crença justificada somente se ela tem acesso reflexivo para a evidência de que a crença é verdadeira. Como exemplo disso vamos supor que alguém acredita em algo; contudo, quando é questionado sobre o motivo dessa crença, ele envolve-se em embaraços. Portanto, para tais exemplos como esse, é razoável concluir que somente há justificação epistêmica para a crença quando o sujeito epistêmico tem acesso cognitivo para a evidência que sustenta a verdade de crença. Logo, para o internalista, a pessoa do exemplo acima não estaria com a sua crença justificada, porquanto a evidência justificada deve ser disponível internamente. Aqui convém mencionar que tanto os fundacionistas quanto os coerentistas, às vezes, são identificados como internalistas, já que admitem que a justificação consiste em relações internas.

Fundacionismo

Conforme o discutido anteriormente, vimos que o internalismo, por definição, relaciona "estar justificado" com algum estado mental. Ele, em ampla medida, pode ser dividido em coerentismo e fundacio-nismo. O termo fundacionismo (cf. Alston 165-167), frequentemente, é definido como um tipo de justificação segundo a qual o conhecimento se constitui como uma estrutura em que as fundações suportam todo o restante, mas essas fundações não necessitam de suporte.

As discussões contemporâneas sobre fundacionismo, geralmente, envolvem a afirmação que diz ser o conhecimento crença verdadeira justificada na qual o modelo de justificação envolvido é aquele que trata sobre a existência de crenças básicas, ou seja, algo é considerado uma fundação quando não necessita de nenhuma forma de suporte; em outras palavras, significa que a crença não repousa sob outras crenças. Em grande parte, nós podemos formular o significado do fundacionismo da seguinte forma: nossas crenças justificadas formam uma estrutura em que algumas crenças (as fundações) não são justificadas por suas relações com outras crenças; em contrapartida, outras crenças são justificadas por meio de suas relações com outras crenças, dependendo, como um todo, de sua justificação por meio das fundações ou das crenças básicas. Assim, a estrutura do fundacionismo está diretamente relacionada à justificação da crença. Em linhas gerais, podemos agrupar em duas afirmações as defesas com relação à justificação epistêmica do tipo fun-dacionista, são elas:

  1. Aquilo que justifica uma crença deve incluir outras crenças justificadas relacionadas com a primeira crença tal como uma razão incorporada ou nela fundamentada. Nesses termos, nós podemos falar de crença justificada indiretamente (mediatamente);

  2. Quando o que justifica uma crença não inclui nenhum constituinte, nós podemos falar de crença justificada diretamente (imediatamente). Na justificação mediata, embora as outras crenças envolvidas na justificação podem, elas mesmas, ser justificadas mediatamente, se nós continuamos determinando em cada estágio como as crenças suportadas são justificadas, nós alcançaríamos crenças justificadas diretamente. Assim, a imagem geral é a de uma árvore, na qual os seus múltiplos ramos convergem para a crença original.

Com isso, nós podemos reformular o fundacionismo tal como se segue: todas as crenças justificadas mediatamente fundamentam-se na origem de múltiplos ramos assim como a estrutura de uma árvore, na qual cada ramo em relação ao outro é uma crença justificada imediatamente. Então, existem crenças justificadas diretamente, em que um armazenamento de tais crenças é suficiente para gerar cadeias de justificação que terminam em alguma crença, a qual é justificada indiretamente. Em outras palavras, o fundacionista afirma que existem fundações de umas crenças em relação às outras, em que tais fundações têm forças para manter a estrutura das crenças; portanto, existem crenças básicas. No entanto, qual o significado de uma crença servir como fundação ou crença básica? Para responder a essa questão, antes, é conveniente observar que o significado de crenças básicas é motivo de muitas controvérsias; existem vários tipos de objeções contra a visão fundacionista. Relacionamos algumas a seguir:

Aquela que trata da relação entre a fundação e as crenças não básicas. Esta é a objeção mais fundamental ao fundacionismo, ela indaga de que forma as crenças básicas ou fundamentais são elas mesmas justificadas ou representadas epistemicamente como aceitáveis. A resposta mais corrente dos fundacionistas é que a caracterização das crenças básicas reside no fato de que estas, embora estejam justificadas por qualquer razão, são tomadas como algo conveniente para pensá-las como verdadeiras. No entanto, essas razões não apelam para condicionais que invocam premissas posteriores, as quais teriam a necessidade de justificação. Mas tal resposta tem a possibilidade de não convencer e alguns poderiam perguntar se deve haver uma razão ou base para pensar que uma dada consideração é verdadeira mesmo ela não fazendo recurso

à inferência ou ao argumento nem a nenhuma premissa posterior de algum tipo e, se houver, em que deve consistir tal razão ou base. Para tanto, os fundacionistas têm respondido a isso de modos variados. Alguns consideram que a questão da justificação para a crença básica ou fundacional não surge de qualquer maneira ou, pelo menos, surge pelo fato de alguma razão ser construída correta ou significativamente. Outros fundacionistas têm apelado para a ideia de que tais crenças são autojustificadas e autoevidentes, mas, quanto a essa afirmação, alguém pode, plausivelmente, argumentar que uma crença básica não pode ser literalmente autojustificada a não ser que o fundacionismo aceite o raciocínio circular tal como origem da justificação. Mais ainda, alguém pode argumentar que nem tampouco a crença deve ser considerada como autoevidente no sentido de ser aplicada tal como se fosse uma crença justificada a priori.

Nessa perspectiva, pode-se criticar o fundacionismo afirmando que não se deve atribuir os mesmos argumentos de determinadas crenças racionais às crenças experimentais. Se existe plausibilidade de se entender uma proposição como necessária como, por exemplo, 2+2=4, na qual quase todos são capazes de direta e imediatamente apreender sem apelar para qualquer premissa posterior, tal proposição é descrita como justificada ou evidente em virtude do seu próprio conteúdo intrínseco, o qual é autoevidente. No entanto, será se algo dessa proposição autoevidente puder ser invocada para justificar qualquer crença empírica como algum tipo de crença imediata? Sendo uma crença empírica, ela tem como seu conteúdo uma proposição contingente; isso requer justificação empírica. Ao ser contingente, ela é verdadeira em alguns mundos possíveis e falsa em outros. Por conseguinte, ela não pode, simplesmente, ser verdadeira sob a base de seu conteúdo.

Além disso, se tal crença requer justificação experimental, pode-se pressupor que ela não é evidente e não pode ser justificada em virtude de suas características intrínsecas ou de seu conteúdo, mas, de preferência, por algo que é externo ao seu conteúdo. Assim, como as crenças básicas ou fundacionais são justificadas por apelar a uma experiência, nesse ponto reside a dificuldade de como isso é suposto.

Fundacionistas como C. Lewis ou Richard Fumerton (cf. BonJour e Sosa 17), entre outros, têm afirmado que as crenças básicas são justificadas por meio da apreensão direta ou da aquisição direta com conteúdo experimental relevante. Essa questão é problemática. Ela sugere que, relacionados à crença básica, existem três distintos elementos:

  1. A experiência sensorial.

  2. A crença fundacional, cujo conteúdo BonJour afirma pertencer a alguma característica ou aspecto da experiência sensorial (cf. BonJour e Sosa 17).

  3. O apelo para um ato mental de qualquer tipo; um ato de apreensão direta ou aquisição imediata com a experiência sensorial e suas características. E é este ato mental posterior que é suposto de prover a razão para as pessoas pensarem que a crença é verdadeira.

O problema é entender a natureza desse terceiro elemento, os outros dois sendo razoavelmente não problemáticos. Daí pode-se perguntar: se esse terceiro elemento não é estritamente uma crença, é, assim, uma assertiva ou um ato cognitivo de julgamento que envolve algo igual a uma conceitualização ou classificação experimental? Ele é diretamente apreendido e é dado como a verdade da proposição?

Em linhas gerais, para tal questão, temos duas respostas, elencadas a seguir:

  1. Se a resposta for sim, então é simples constatar como isso pode constituir uma razão para pensar que a crença em questão é verdadeira. Em palavras resumidas, o conteúdo da apreensão direta e o da crença básica não deveriam ser estritamente idênticos; a fundação deveria ser mais específica ou determinada. Mas a verdade da apreensão direta, por exemplo, que "existe um modelo de triângulo vermelho em meu campo visual" deveria não obstante ser suficiente para a verdade da crença básica que "existe um modelo de triângulo vermelho em meu campo visual" e daqui constituir uma razão para aceitá-la sob a suposição de que ela é, por alguma razão, justificada ou aceitável. No entanto, aqui há uma dificuldade: se uma apreensão direta teve como seu conteúdo algo contingente ou relativo à minha experiência, algumas razões parecem ser requeridas para pensar que tal apreensão direta é verdadeira. Tal razão não pode ser constituída por crenças básicas e apelar, meramente, para a experiência sensorial, porquanto teve como seu conteúdo uma consideração contingente e, assim, essa apreensão direta não pode ser autoevidente. Ela, por sua natureza, requer alguma posterior justificação.

  2. Se a resposta for não, se o ato de apreensão direta não teve conteúdo equivalente ou a experiência de alguém teve um conjunto de características prioritárias com relação a outro conjunto, então há alguma razão para exigir justificação epistêmica. Se tal conhecimento teve como seu conteúdo asserções igualmente verdadeiras ou falsas, então a noção de justificação epistêmica não se aplica e, nesse aspecto, encontram-se dificuldades para constatar como algo desse modo pode constituir alguma razão para pensar ser verdadeira a crença original fundacional.

Se alguém teve uma apreensão direta e não é consciente das características de tal apreensão, então de que modo sua crença é justificada por essa apreensão? Aqui é conveniente ressaltar que a crença básica é julgada quando seu conteúdo assertivo, nesse caso uma experiência sensorial, teve um conjunto de características, preferencialmente, que um dos vários outros que ela pode ter tido. Como pode um conteúdo desse tipo constituir uma razão ou algum tipo de base para se pensar que ele é verdadeiro? Este é o dilema.

Pode-se pressupor que uma resposta natural de um fundacionista para esse dilema é o esforço de enfrentar o problema por considerar que um estado de apreensão direta nem é uma total assertiva ou julgamento nem inteiramente é uma não assertiva e um não julgamento. Preferivelmente, tal estado é semiassertivo ou semijulgamental: ele teve algum tipo de conteúdo ou significância cognitiva, mas não no modo que deveria levantar uma posterior questão de justificação. Esse estado deveria parecer uma crença por ter a capacidade de conferir justificação sob estados próprios julgamentais, os quais não requerem justificação.

Se isso é somente mais uma condição exposta para que o problema seja, de qualquer maneira, resolvido, mas sem fornecer alguma alusão de como a solução deve ser ou como ela é possível, então é necessário algum acordo posterior para apontar como uma crença, que não requer justificação, pode ter algum tipo de conteúdo ou significância cognitiva.

Alguns filósofos, talvez o mais notável deles seja Husserl, apelaram para um estado cognitivo rudimentar a priori, chamado de conceitualização. Tal conhecimento pré-predicativo deveria representar ou descrever algo, presumidamente experiência, mas esse conteúdo representativo nem deveria ser igual a uma tese proposicional ou asserção nem poderia ser estritamente verdadeiro ou falso. Isso deveria prover uma razão para as crenças básicas, as quais seriam elas mesmas imunes da demanda da justificação epistemológica.

O problema com essa visão não é que a ideia de tal estado pré-conceitual cognitivo seja indefensável ou implausível. A dificuldade reside no fato de que algum estado representativo que é capaz de justificar uma crença deve, de qualquer maneira, ter em seu conteúdo a informação de que o aspecto relevante da questão é de um modo preferencialmente que outro. Mas, alguma representação que teve um conteúdo informativo desse tipo deveria, supostamente, ser possível de perguntar qual a informação presente é correta ou incorreta. E uma vez que a questão foi corretamente fundada, mais explicitamente, se a questão da justificação teve alguma boa razão para pensar que a representação é correta preferencialmente que incorreta, o regresso começaria outra vez.

Apesar do problema do regresso epistêmico, alguns acreditam que essa abordagem é defensável, se formulada e explanada de modo correto. A presente visão pode ser chamada de fundacionismo revisitado.

Fundacionismo Internalista Moderado

A título de amostragem, será tomada a teoria de Laurence BonJour -como representante do fundacionismo internalista moderado-. Em outras palavras, o fundacionismo internalista de BonJour é relacionado à justificação a priori por meio de algo que ele chama de "insights racionais". O racionalismo moderado de BonJour afirma que a intuição puramente racional, imediata e não discursiva, é imprescindível para a justificação epistêmica e, como o próprio BonJour afirma:

Conhecimento requer que as crenças em questão sejam justificadas ou racionais, de um modo, internamente, conectada, para definir os objetivos do empreendimento cognitivo, isto é, existe uma razão que eleva as chances da crença de ser verdadeira. Justificação deste tipo, como algo condutivo de verdade, é referida como justificação epistêmica. (17)

Portanto, para se falar sobre o fundacionismo moderado de BonJour, é necessário que se discuta sobre a possibilidade do a priori. Desse modo, é relevante ressaltar que o significado aqui do termo a priori é no sentido de justificação do conhecimento e não sobre a consideração do conhecimento tal como sendo a priori. Ou, mais especificamente, tentaremos apontar os argumentos de BonJour quando este afirma que existem razões a priori para se acreditar em algo tal como verdadeiro. Assim, ele afirma que a justificação é um dos requerimentos para o conhecimento e justificar consiste em ter boas razões para pensar que a crença em questão é verdadeira.

Para BonJour, há três razões pelas quais a ideia de justificação a priori deve ser considerada, são elas:

  1. As proposições da lógica e da matemática.

  2. A crença de que o conhecimento empírico deve envolver um indispensável componente a priori, porquanto as conclusões da inferência vão além do conteúdo da experiência direta, então é impossível que essas inferências possam ser inteiramente justificadas pela experiência.

  3. A necessidade de justificação epistêmica a priori se estende para todo o raciocínio. A justificação de alguma inferência que se encontra sob um princípio empírico deverá pressupor uma justificação a priori na transição das observações para um princípio empírico e deverá, também, repousar sob princípios a priori da lógica, da transição do princípio empírico e observações específicas para a conclusão do argumento.

Para corroborar com essa afirmação, é relevante apontar que o conceito do a priori, na concepção clássica, tem dois elementos distintos: um negativo e o outro positivo. Em se tratando do negativo, isso significa que uma razão é a priori se a origem de uma proposição verdadeira não deriva da experiência nem direta (tal como no sentido da percepção) nem indiretamente (por inferência ou algum tipo -dedutivo, indutivo ou explanatório- no qual premissas derivam sua aceitabilidade da experiência). No entanto, nesse aspecto, há obscuridades. Que tal razão independe da experiência, isso não significa que algo não se submeteu a nenhuma experiência de qualquer tipo. Nem tampouco a ideia de uma razão a priori, quando entendida desse modo, implica: a) que a experiência de algum tipo não poderia ser considerada a favor ou contra a proposição em questão; b) que as razões a priori em questão não poderiam ignorar tais experiências; c) que uma razão a priori transmite a proposição certa ou infalível.

Quanto ao aspecto positivo do conceito de razão a priori, BonJour afirma que a visão tradicional é correta. Em outras palavras, para a visão tradicional, a razão a priori resulta de diretos ou de imediatos insights (algo derivado de razões a priori resulta de insights similares no interior de uma ou mais premissas. E uma razão parcialmente a priori pode resultar de um insight no interior de crenças estabelecidas sob fundamentos empíricos).

Nessa perspectiva, embora o termo intuição tenha sido frequentemente usado para se referir a tais insights, BonJour se refere a eles como simplesmente insights a priori, porquanto ele tenta evitar qualquer confusão com outros usos correntes do termo intuição. Em grande medida, insights desse tipo não são supostos como convicções meramente brutas da verdade. Contrapondo-se a isso, um insight a priori propõe revelar não o que é ou deve ser verdadeiro, mas também, em muitos níveis, por que isso é e deve ser assim. Eles são insights no interior da natureza essencial das coisas ou situações, no interior do modo que objetivamente a questão deve ser.

Sob essa ótica, por que pensar que existem razões que têm caracteres genuinamente a priori? Parece haver muitos arquétipos de proposições que deixam claro que essas razões existem. Como, por exemplo, a matemática e a lógica. A tese central do racionalismo é que esse tipo de afirmação constitui uma boa razão para se pensar que a asseveração em questão é verdadeira. Além disso, pode-se pressupor que, embora seja possível que a razão experimental deva ser fundada em muitas ou todas essas proposições, os insights básicos, ao contrário, não dependem da experiência.

Nesse sentido, experiência, para BonJour, é qualquer tipo de processo que é percebido como uma resposta causalmente condicionada a aspectos particulares e contingentes do mundo. Em outras palavras, a experiência é relacionada aos estados doxásticos que têm como seu conteúdo informações pertinentes aos aspectos particulares e contingentes do mundo. Assim, crenças baseadas sob experiência são aquelas que repousam em algum dos cinco sentidos, na introspecção, na memória, no testemunho e em nosso sentido da posição e do movimento de nossos corpos. Portanto, as crenças justificadas, independentemente da experiência, são crenças justificadas por alguma origem que não está nessa lista.

A experiência, por sua vez, pode prover uma boa razão para a crença de algumas proposições condicionais. Nesse caso, existem razões experimentais diretas que antecedem tais proposições condicionais, nas quais a crença futura é uma consequência disso. Assim, o antecedente da proposição condicional é de fato uma conjunção de todas as proposições para as quais existem razões experimentais diretas.

Conforme isso, é plausível afirmar que um argumento pode ser verdadeiro em se tratando da crença da experiência de alguns que pode ser fornecida, por exemplo, pelo cogito cartesiano, visto que este é baseado sob conhecimento introspectivo na ocorrência de pensamentos específicos e sensações. Nessa perspectiva, BonJour diz que se eu tenho uma crença que vejo uma árvore, isso se encontra em algum lugar na minha mente, isto é, no conteúdo sensório, e a descrição de que eu penso que vejo uma árvore significa o conteúdo descritivo, no qual este também está em algum lugar da minha mente. Portanto, em algum lugar da minha mente, está uma justificação do conteúdo sensório, o qual confirma que existe uma boa ligação entre o conteúdo descritivo e o conteúdo sensório, e essa confirmação justifica minha crença de que existe realmente uma árvore no lugar onde eu acredito que eu vejo uma árvore. Nesses termos, BonJour mostra como a experiência perceptual pode, ela mesma, justificar uma crença perceptual de um agente epistêmico, sem que ele se utilize de alguma proposição doxástica. Esse tipo de crença não depende, para sua justificação, de outro estado mental, tendo em vista o caráter inerente dessa consciência do conteúdo. Esta é uma ideia que trata sobre a consciência de conteúdo constitutiva, a qual explica como crenças fundacionais são justificadas de modo independente e como elas podem transmitir esse status para outras crenças, uma vez que, pelo caráter constitutivo e inerente da "consciência de conteúdo", sua justificação é independente. Nesse sentido, isso é dessa forma, porquanto não há, aparentemente, nenhuma maneira na qual essa consciência do conteúdo possa estar errada -simplesmente porque não há nenhum fato ou situação independente acerca da qual ela possa estar errada-. No entanto, essa é uma crença prima facie, ou seja, crença justificada quando seu suporte justificacional pode ser eliminado por contraevidências, isto é, por razões que indicam a falsidade da crença.

Coerentismo epistêmico: aspectos gerais

Há, basicamente, dois tipos de coerentismo, são eles:

  1. O holístico, ou seja, aquele que afirma que uma crença 1 é justificada por uma crença 2 que, por sua vez, é justificada por uma crença 3, em que esta é justificada pela crença 1.

  2. O emergente, isto é, aquele que afirma que o status epistêmico de uma crença é dado pelo suporte simétrico e recíproco que um mesmo sistema fornece às crenças sem, contudo, recorrer a uma relação inferencial.

No coerentismo emergente, as múltiplas crenças de um sistema colaboram para justificar cada crença pertencente a esse mesmo sistema, no qual cada uma, mutuamente, é reforçada pela outra. Para tal sistema ser coerente, significa necessariamente também haver uma consistência no conjunto de crenças.

Cumpre aqui enfatizar que existem duas importantes características fundamentais das teorias coerentistas, são elas:

  1. As teorias coerentistas recusam que existam algumas crenças básicas ou fundacionais.

  2. A justificação de uma crença é em função de outras crenças.

Coerentismo relacionado ao particularismo, ao metodismo e ao intuicionismo

Para melhor compreendermos o sentido da justificação coeren-tista, é interessante mostrarmos outras teorias da construção, mais precisamente suas formas de justificação, tais como: o particularismo, o metodismo o intuicionismo. Para tanto, devemos começar tais discussões utilizando o problema do critério de R. M. Chisholm (cf. 1982), que identifica o confronto da teoria da construção tomando como referência duas questões:

  1. O que nós conhecemos e qual é a extensão do nosso conhecimento?

  2. Como nós decidimos se nós conhecemos e quais são os critérios do conhecimento.

Quanto à resposta para a primeira ou para a segunda questão, Chisholm qualificou:

  1. Aqueles que pensam que nós começamos com uma resposta para a primeira questão e que, a partir disso, nós podemos calcular uma resposta para a segunda questão, são particularistas.

  2. Os que pensam que nós começamos com uma resposta para a segunda questão e, partindo disso, nós podemos calcular uma resposta para a primeira questão, são metodistas.

As descrições de Chisholm do particularismo, do metodismo e do coerentismo devem sugerir que essas posições são puramente metodológicas. Entretanto, o fato de Chisholm introduzir o metodismo e o particularismo como alternativas para o ceticismo indica que eles têm um componente substantivo epistemológico tanto quanto um componente metodológico. Nessa perspectiva, a posição cética, à qual o particularismo e o metodismo se opõem, é duplamente cética, porquanto ela nega que nós podemos conhecer alguma proposição moral e que existe um método que nós deveríamos adotar para a investigação moral. Nesses termos, metodistas e particularistas, por considerarem que nós podemos ter conhecimento moral e que existe um método no qual nós podemos construir teorias, concordam quanto à questão de evitar os elementos da posição cética.

Sob essa ótica, a outra forma de justificação que se relaciona à posição cética é o intuicionismo clássico, que, por sua vez, parece ser uma posição intermediária entre o ceticismo e o metodismo, o particularismo e o coerentismo. Para tanto, o intuicionismo clássico admite que nós podemos ter conhecimento de alguma proposição. No entanto, nega que existe um método que nos mostra como construir uma teoria de que provém uma resposta sistemática para as questões. Assim, o intuicionista afirma que nós podemos conhecer imediatamente, em alguma circunstância particular, o que nosso direito é, mas que não existe critério da ação justa. Assim, por exemplo, Prichard considerou que nós temos, ao menos potencialmente, conhecimento de toda proposição particular sobre ação justa. David Ross, por sua vez, pode ser considerado como aquele que tem uma forma de intuicionismo relacionada com o metodismo. Conforme Ross, nós conhecemos todos os princípios, considerando a ação justa que existe a priori na reflexão filosófica, mas esses princípios identificam atos que são, de preferência, prima facie justos ou talvez justos per se.

Quanto ao particularismo, a sua versão mais simples considera os seguintes aspectos:

  1. Nós adquirimos as crenças.

  2. Todas essas crenças são conhecidas e, portanto, não deveriam ser alteradas.

  3. Essas crenças somente seriam conhecimentos desde que elas tivessem sido derivadas via uma forma apropriada de inferência em proposições conhecidas.

Como um exemplo de particularismo, podemos citar o texto de Rawls intitulado "Outline of a Decision Procedure for Ethics". Neste, a filosofia rawlsiana utiliza o recurso das versões restritivas do particularismo, o qual afirma que, pelo menos, algum de nós tem crenças morais iniciais que podem constituir uma base suficiente da construção para teorias morais. No entanto, isso é assim se e somente se nós escolhêssemos algumas dessas crenças. Desde então, Rawls limita os pontos iniciais das crenças particulares. Em outras palavras, o método que ele descreve em "Outline" é de fato uma forma de particularismo; porquanto, conforme Rawls, nós devemos tomar como pontos iniciais da teoria da construção os julgamentos morais considerados de juízes morais competentes, nos quais as características de um juiz moral competente (ser inteligente, ter experiência, ser razoável e compreensivo) são aquelas as quais, na linha da experiência, mostram, elas mesmas, como condições necessárias de uma expectativa razoável que uma dada pessoa deve conhecer algo. Rawls, então, faz similar afirmação sobre as características que definem os julgamentos morais considerados, os quais devem ser certos, estáveis, formados desinteressadamente sobre a base de todo fato relevante e também participado por outros juízes competentes.

Se Rawls está certo em fazer essas considerações, então, deveria parecer que os julgamentos considerados de juízes competentes têm um status epistêmico mais relevante do que a crença ordinária das pessoas. Portanto, se as crenças morais iniciais usadas na construção de teorias morais são restritas de acordo com os requerimentos de Rawls, a crença de poucos, se alguma, concederia a construção da teoria moral. Entretanto, parece que todas essas abordagens deveriam enfrentar problemas concernentes à abrangência da base das proposições ou, se estas forem evitadas, problemas concernentes a méritos epistemológicos das proposições.

Conforme o exposto anteriormente, nas posições do metodismo e do particularismo, as nossas crenças morais pré-filosóficas são epistemologicamente privilegiadas no sentido de que nós devemos usá-las como base para a construção de teorias morais. Portanto, ainda que se duvide que exista uma classe de proposições com esse privilégio, um ceticismo geral não fundamenta as objeções à restritiva versão do metodismo e do particularismo. As mais plausíveis versões do metodismo e do particularismo podem, por conseguinte, considerar a afirmação de que uma classe de proposições existe.

Por conseguinte, segundo o supradito, nós constatamos que uma teoria da construção, tanto metodista ou particularista, começa com nossas crenças particulares iniciais. Então, subsequentemente, nós eliminamos as crenças que falham em satisfazer um conjunto de requerimentos similar. Assim, as crenças deveriam ser intuitivas, mas formadas depois de adequada consideração e de uma investigação por meio de fatos relevantes sobre os casos nos quais alguém não tem interesse pessoal significante. Assim, as crenças não apresentariam qualquer condição de estabilidade nem deveriam ser certas. Isso seria substituído por um requerimento de que as crenças parecem mais ser verdadeiras que as suas negações ou, talvez, que a pessoa que as detém tem evidência suficiente para não pensar que melhor seria reter o julgamento.

Nessa perspectiva, o fato de admitirmos revisões de nossas crenças morais iniciais aumenta a chance que nós teríamos para construir uma teoria moral, como também fornece a esse procedimento uma maior relevância epistemológica; porquanto, quando nós temos nossas opiniões iniciais sobre um tópico, depois de adequada consideração, então, só assim, temos maior confiança nessas coisas em que nós acreditamos. É nesse ponto que reside a crítica em torno do metodismo e do particularismo, ou seja, referentes às considerações sobre a natureza de nossas crenças morais pré-filosóficas.

No entanto, vamos supor que um particularista descubra que uma das suas crenças iniciais sobre a ação justa é inconsistente com algum princípio moral que ele aceita sem reflexão. Para explicitar melhor isso, é conveniente ressaltar que a maioria das pessoas tem crenças iniciais gerais e particulares, ou seja, nossas crenças morais irrefletidas estão frequentemente em conflito. Seguindo isso, nós podemos supor que, no método particularista, quando há uma desavença entre as crenças morais particulares e as crenças morais gerais de uma pessoa, tal aspecto não o levaria a alterar sua crença particular. Portanto, os particularistas resolvem esse conflito da seguinte forma: eles privilegiam as crenças morais particulares sobre crenças em princípios gerais. Por essa razão, os particularistas podem levar alguém a formar crenças irracionais. Consideramos, por exemplo, que, depois de comparadas as crenças conflitantes e considerado o assunto profundamente, o particularista constata que a crença geral é verdadeira, e a crença particular é falsa. Em tal circunstância, isso deveria simplesmente ser irracional, segundo os ditames do particularismo.

O metodismo, por sua vez, pode ser considerado dessa mesma forma. O problema com o particularismo e com o metodismo se deve a que o modo por meio do qual algo é racional para uma pessoa resolver um conflito entre crenças não será determinado por aquelas crenças serem gerais ou aquelas serem particulares, mas pela forma nas quais as crenças parecem mais igualmente ser verdadeiras depois de a pessoa, com cuidado, considerar o assunto.

Em contrapartida, a abordagem coerentista moral pode ter certa semelhança a uma metodista e a uma particularista se a proposição que ele aceita, depois de revisar suas crenças morais iniciais, é, cada uma, exclusivamente particular ou exclusivamente geral, ou se depois, refletindo sob os casos em conflito, o coerentista aprove, somente, as crenças de um tipo. No entanto, o coerentismo não direciona qualquer coisa para a forma de crenças irracionais no modo que o metodismo e o particularismo fazem. O coerentismo pode assumir a justificabilidade da teoria tal qual um metodista. O coerentista pode também afirmar que todos nós devemos respeitar, como teoria da construção, a base de nossas crenças morais consideradas.

Contudo, a postura do coerentismo pode ser definida como aquela que conduz nossas crenças iniciais particulares e gerais para serem usadas na teoria da construção. De acordo com o coerentismo moral, nós revisamos essas crenças iniciais para obter um conjunto de crenças morais consideradas, as quais nós, então, usamos para construir uma teoria da justificação. Nós revisamos cada uma de nossas crenças consideradas se, por meio disso, nós podemos alcançar uma teoria mais simples e que parece para nós a mais verdadeira; então a teoria, baseada em nossos julgamentos considerados juntamente com a alteração do conjunto de crenças consideradas, é mais verdadeira que o conjunto de julgamentos iniciais considerados. Nessa perspectiva, pressupõe-se que nossas crenças morais consideradas têm um status epistemicamente privilegiado, por isso somente essas crenças podem ser enfatizadas como razões que justificam a construção de uma melhor teoria.

Portanto, o status epistêmico da teoria aceita, supostamente, pode fortemente ser mantido pelo coerentismo, dependendo somente de nossas crenças morais consideradas. No entanto, o coerentista moral se recusa, em se tratando de nossas crenças morais consideradas, a atribuir alguma séria prioridade epistêmica e, por conseguinte, algum status fundacional. Essas crenças servem como uma função puramente metodológica do coerentismo: elas têm a função de um ponto inicial da teoria da construção.

Considerações finais

A defesa do a priori exposta acima garante um suporte argumentativo para a plausibilidade da reconsideração da visão fundacionista. Para corroborar com isso, podemos supor que o fundacionismo revisitado pode oferecer uma justificação epistêmica para crenças empíricas, a qual envolve uma justificação epistêmica tal como uma provável razão forte aceitável para se pensar que a crença em questão é verdadeira e que esse tipo de concepção internalista de justificação epistêmica é, presumidamente, razoável.

Nesses termos, para a visão que reconsidera o fundacionismo, nem todas as crenças necessitam ser justificadas, isso é usualmente requerido para crenças defendidas como conhecimento. Portanto, um acordo epistêmico é usado não só para mostrar a extensão e a natureza de nossa compreensão cognitiva sobre o mundo, mas também para apontar a nossa razão dessa compreensão, ou seja, mostrar como nós somos seres racionais em pensar o mundo como o modo que isso aparece para nós.

O fundacionismo internalista moderado foi recentemente proposto, dentre outras, na teoria de BonJour para reconsiderar a forma de se justificar o conhecimento. A questão central na teoria de BonJour é aquela do status racional de nossas crenças sobre o mundo. Assim, ele pergunta se nós temos algumas boas razões para pensar que nossas crenças sobre o mundo, pelo menos a maior parte daquelas que nós consideramos mais firmemente, são verdadeiras ou aproximadamente verdadeiras. Em outras palavras, se existe qualquer base racional para pensarmos que elas têm êxito em descrever o mundo mais ou menos corretamente e, se assim o for, que forma essa razão tomaria. Portanto, no cerne da teoria de BonJour, que pode ser chamada de fundacionismo conservador moderado, encontra-se a preocupação com a questão da justificação epistêmica das crenças, na qual tal inquietação é decorrente do problema Gettier, que afetou tanto a epistemologia quanto a ética.

Em tal abordagem, é difícil afirmar que, mesmo acreditando fortemente em algo, seríamos capazes de tomar qualquer fundação como sólida, porquanto o mero fato de nós acreditarmos, isso não parece nos justificar em aceitá-los como fundações. No ensejo, caberia, plausivelmente, como analogia a tal asseveração, citarmos o exemplo de Fred Drestke (cf. 1970) da mula inteligentemente disfarçada de zebra num zoológico. Alguém poderia pensar que tinha evidência suficiente para afirmar que o que ele estava vendo era uma zebra; no entanto, as autoridades do jardim zoológico disfarçaram inteligentemente uma mula de zebra. Portanto, que razões as pessoas teriam para acreditar que o que estavam vendo era uma zebra e não uma mula inteligentemente disfarçada?

Contudo, embora a dificuldade para se provar a evidência da crença, tal como foi mostrada no exemplo da zebra de Drestke, existem alguns que defendem o "conservadorismo epistêmico", ou seja, a visão que afirma que pelo fato de nós acreditarmos numa proposição, isso significa que há um aumento em nossa justificação nas crenças. Mas nós acreditamos que é difícil provar que, pelo fato de alguém ter fortemente uma crença, isso, de nenhum modo, deverá ser uma força justificatória. A função da justificação não é indicar como princípios podem ser construídos fora de nossas convicções, mas é apontar que nós temos razões para acreditar que eles são, em algum sentido, objetivamente verdadeiros.

No entanto, apesar da defesa da verdade, o fundacionismo moderado objetivista enfatiza a falibilidade das fundações. A função epistêmica pode ser considerada tento de uma forma negativa quanto positiva; a função negativa é aquela de capacitar o sujeito epistêmico para descobrir inconsistências e defeitos nas crenças em seu sistema doxástico e fazer as alterações para eliminá-las. Quanto à função positiva, esta tem o sentido de capacitar o sujeito epistêmico para estabilizar suas crenças mais firmemente por meio de razões que ele tinha, mas de que não estava consciente e, somente por meio da reflexão, tornaram-se razões nas quais ele acredita. Às vezes, o sujeito epistêmico pode formar novas crenças tendo outras como base, as quais, por sua vez, são suportadas por outras crenças num processo de suporte inferência. Assim, vários elementos do seu sistema são evidentemente reforçados por reflexões em vários meios. Ambas as funções positivas e negativas são apropriadas em se tratando do fundacionismo moderado. Logo, é possível que as crenças básicas de uma pessoa possam ser equivocadas, ou seja, no fundacionismo moderado, elas poderiam ser destruídas por outras crenças. Por conseguinte, é relevante para o agente epistêmico ser consciente de qualquer outra proposição em que ele acredita que tem a possibilidade de refutar suas crenças fundacionais. Por descobrir defeitos e fazendo mudanças apropriadas, ele pode minimizar a possibilidade de suas crenças básicas serem falsas. E, por estabelecer conexões positivas entre as crenças, o processo reflexivo fortalece as razões pelas quais ele acredita nas proposições que ele faz. Com base nisso, existe uma grande complexidade em determinar se algum tipo de justificação epistêmica tem um caráter fundacionista ou coerentista, levando em consideração o limiar estreito entre o fundacionismo moderado e o coerentismo. Além disso, quando se tem uma crença, tem-se que partir de algo, ou seja, de alguma fundação. Eis a questão: ao considerar isso, pode-se asseverar um tipo de justificação sem crenças fundacionais?

Referências

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Cómo citar este artículo: MLA: Gondim, E. "Justificação epistêmica: fundacionismo e coerentismo." Ideas y Valores 66.163 (2017): 223-241. APA: Gondim, E. (2017). Justificação epistêmica: fundacionismo e coerentismo. Ideas y Valores, 66 (163), 223-241. CHICAGO: Elnora Gondim. "Justificação epistêmica: fundacionismo e coerentismo." Ideas y Valores 66, n.° 163 (2017): 223-241.

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Gondim, E. «Justificação epistêmica. Fundacionismo e coerentismo». Ideas y Valores, vol. 66, n.º 163, enero de 2017, pp. 223-41, doi:10.15446/ideasyvalores.v66n163.20272.

ACM

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Gondim, E. 2017. Justificação epistêmica. Fundacionismo e coerentismo. Ideas y Valores. 66, 163 (ene. 2017), 223–241. DOI:https://doi.org/10.15446/ideasyvalores.v66n163.20272.

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Gondim, E. Justificação epistêmica. Fundacionismo e coerentismo. Ideas Valores 2017, 66, 223-241.

APA

Gondim, E. (2017). Justificação epistêmica. Fundacionismo e coerentismo. Ideas y Valores, 66(163), 223–241. https://doi.org/10.15446/ideasyvalores.v66n163.20272

ABNT

GONDIM, E. Justificação epistêmica. Fundacionismo e coerentismo. Ideas y Valores, [S. l.], v. 66, n. 163, p. 223–241, 2017. DOI: 10.15446/ideasyvalores.v66n163.20272. Disponível em: https://revistas.unal.edu.co/index.php/idval/article/view/50272. Acesso em: 25 abr. 2024.

Chicago

Gondim, Elnora. 2017. «Justificação epistêmica. Fundacionismo e coerentismo». Ideas Y Valores 66 (163):223-41. https://doi.org/10.15446/ideasyvalores.v66n163.20272.

Harvard

Gondim, E. (2017) «Justificação epistêmica. Fundacionismo e coerentismo», Ideas y Valores, 66(163), pp. 223–241. doi: 10.15446/ideasyvalores.v66n163.20272.

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E. Gondim, «Justificação epistêmica. Fundacionismo e coerentismo», Ideas Valores, vol. 66, n.º 163, pp. 223–241, ene. 2017.

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Gondim, Elnora. «Justificação epistêmica. Fundacionismo e coerentismo». Ideas y Valores 66, no. 163 (enero 1, 2017): 223–241. Accedido abril 25, 2024. https://revistas.unal.edu.co/index.php/idval/article/view/50272.

Vancouver

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Gondim E. Justificação epistêmica. Fundacionismo e coerentismo. Ideas Valores [Internet]. 1 de enero de 2017 [citado 25 de abril de 2024];66(163):223-41. Disponible en: https://revistas.unal.edu.co/index.php/idval/article/view/50272

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1. Anna Carolina Velozo Nader Temporão. (2023). resgate da ética das virtudes de Aristóteles na epistemologia contemporânea. Trilhas Filosóficas, 15(1), p.185. https://doi.org/10.25244/tf.v15i1.3946.

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