Partidos Políticos latino-americanos: padrões organizativos
Latin American Political Parties: Organizational Patterns
Partidos políticos latinoamericanos: patrones organizacionales
DOI:
https://doi.org/10.15446/frdcp.n16.78173Palabras clave:
partidos políticos, América Latina, organização partidária, política comparada, ideologia (pt)political parties, Latin America, party organization, comparative politics, ideology (en)
partidos políticos, América Latina, organización partidista, política comparada, ideología (es)
Este estudio analiza y clasifica la organización interna de los partidos políticos latinoamericanos, comparando el contenido de 42 estatutos de partidos distribuidos en los 18 países democráticos de la región. La comparación se basa en el análisis de la situación y la identificación de la presencia o ausencia de cierto contenido orgánico en sus cartas orgánicas. La visión predominante de la región apunta a un caso de subdesarrollo partidista, en el que las asociaciones se describen como organizaciones internas frágiles y en muchos casos inexistentes. Este trabajo no comparte esta posición y sostiene que América Latina tiene un amplio espectro partidista en el que viven con diferentes grados de organizaciones. Los principales resultados apuntan a una fuerte influencia de la ideología y el tipo original en el formato del partido.
Recibido: 28 de febrero de 2019; Aceptado: 18 de julio de 2019
Resumo
Este estudo analisa e classifica a organização interna dos partidos políticos latino-americanos, comparando o conteúdo de 42 estatutos partidários distribuídos nos 18 países democráticos da região. A comparação ocorre a partir da análise dos estatutos e da identificação de presença e/ou ausência de determinados conteúdos em suas cartas orgânicas. A visão predominante sobre a região aponta para um caso de subdesenvolvimento partidário, no qual as agremiações são descritas como dotadas de organizações internas frágeis e em muitos casos inexistentes. Este trabalho não compartilha este posicionamento e argumenta que a América Latina apresenta um amplo espectro partidário em que convivem dotadas de diferentes graus de organizações. Os principais resultados apontam para uma forte influência da ideologia e no tipo originário sobre o formato do partido.
Palavras-chave
partidos políticos, América Latina, organização partidária, política comparada, ideologia.Resumen
Este estudio analiza y clasifica la organización interna de los partidos políticos latinoamericanos, comparando el contenido de 42 estatutos de partidos distribuidos en los 18 países democráticos de la región. La comparación se basa en el análisis de la situación y la identificación de la presencia o ausencia de cierto contenido orgánico en sus cartas orgánicas. La visión predominante de la región apunta a un caso de subdesarrollo partidista, en el que las asociaciones se describen como organizaciones internas frágiles y en muchos casos inexistentes. Este trabajo no comparte esta posición y sostiene que América Latina tiene un amplio espectro partidista en el que viven con diferentes grados de organizaciones. Los principales resultados apuntan a una fuerte influencia de la ideología y el tipo original en el formato del partido.
Palabras clave
partidos políticos, América Latina, organización partidista, política comparada, ideología.Abstract
This study analyzes and classifies the internal organization of Latin American political parties, comparing the content of 42 party statutes distributed in the 18 democratic countries from this region. The statute analysis focused on their comparison, highlighting the presence or absence of certain contents in each of them. The prevailing view of the region indicates a case of party underdevelopment, in which the associations are described as having fragile internal organizations, in many cases these are nonexistent. This work does not share that view and argues that Latin America has a broad party spectrum in which parties with different organization levels coexist. The main results indicate a strong influence of ideology and original type on the party's format.
Keywords
political parties, Latin America, party organization, comparative politics, ideology.Apresentação
Este artigo busca contribuir com o debate ao analisar a organização interna de 42 partidos políticos latino-americanos [1] distribuídos em 18 países da região [2] . Para isso, foi realizada análise de conteúdo de seus estatutos e exame da literatura especializada sobre os partidos e sistemas partidários da região, de modo a compreender seus desenhos organizacionais, seus diferentes padrões e os fatores que influenciam na determinação de organizações mais simples ou mais complexas.
A organização dos partidos políticos é um dos temas fundadores da ciência política moderna, com seus primeiros trabalhos datando da segunda metade do século XX (Crotty, 1970; Seiler, 2000). Ao longo de um pouco mais de um século de produção, muito se produziu sobre como os partidos políticos se estruturam e os conflitos internos pelo domínio da organização. A bibliografia especializada, no entanto, foca quase que exclusivamente nos casos da Europa Ocidental, com o debate sobre a América Latina ocupando um espaço secundário.
Nos últimos anos a situação tem se alterado, com o aumento das pesquisas sobre os partidos políticos e sistemas partidários latino-americanos —e dos países do leste europeu— após os processos de redemocratização da região a partir da década de 1970. O crescimento da quantidade de trabalhos em regiões outrora pouco estudadas —e teorizadas— trouxe a necessidade de rever e reinterpretar os conceitos tradicionais para compreender os novos partidos e sistemas, bem como, as transformações dos partidos da Europa Ocidental (Bardi & Mair, 2010).
A necessidade de repensar e/ou reinterpretar os conceitos é sentida nos estudos organizacionais. Suas bases ainda remetem a partidos políticos de quase setenta anos atrás e é preciso verificar em que medida seus preceitos ainda se encontram presentes nas organizações partidárias atuais e quais desenvolvimentos dos partidos se opõem a elas. Quando aplicamos as teorias partidárias clássicas à realidade latino-americana essa necessidade demonstra ser mais evidente, pois a região, em que pese seu desenvolvimento diverso, geralmente é tratada como um caso de subdesenvolvimento partidário em comparação à Europa Ocidental.
É preciso ter em mente que as construções dos conceitos clássicos sobre partidos políticos tomaram como base evoluções partidárias distantes das encontradas na América Latina —apesar de o Chile e o Uruguai serem assinalados como casos semelhantes aos da Europa Ocidental—, por causa disso, ao utilizá-las o pesquisador deve ter cuidado de não formular análises normativas e cair em uma interpretação etnocêntrica.
Dito isso, o exame da organização interna dos partidos políticos ainda se encontra profundamente ligada a obra de Duverger (1970 [1951]), sobretudo, no exame da evolução partidária. Este trabalho não foge à regra, contudo não busca analisar a existência ou não de partidos de quadros ou de massas na região, mas sim, compreender a organização dos partidos locais e os fatores que incidem sobre a determinação de suas organizações internas. Para realizar este artigo, analisei os estatutos dos partidos selecionados. O exame das cortas orgânicas permite a verificação das estruturas formais do poder, entretanto, seu conteúdo pode demonstrar grande distanciamento da organização de fato. No entanto, seu uso ainda é um recurso importante, pois além de ser uma área de disputa interna, os estatutos fornecem o mapa organizativo, além de importantes informações sobre as agremiações.
De forma sintética, podemos sintetizar nosso argumento em três pontos: 1) o cenário partidário encontrado na América Latina não é tão caótico quanto à literatura especializada apregoa. Na região coexistem partidos de diferentes orientações que constroem organizações dos mais variados tipos, dos mais complexos aos mais simples; 2) o tipo originário exerce grande influência sobre a determinação do formato organizativo, os partidos externos ao parlamento, confirmando a hipótese de Duverger (1970[1951]), tendem a construir organizações mais complexas que os tipos internos e; 3) o tipo de liderança original das agremiações também exerce grande pressão sobre o formato organizativo. Do mesmo modo que o exposto por Panebianco (2005), as legendas construídas ao redor de uma liderança carismática têm poucos incentivos para a construção de organizações mais complexas.
O texto será dividido em seis partes. A primeira realiza um breve debate com a teoria existente sobre as organizações partidárias. A segunda parte apresenta os principais argumentos acerca dos partidos da região. A terceira seção trata dos aspectos metodológicos do artigo. A quarta e a quinta analisam a organização e os padrões organizativos da região. Por fim, na última seção, são apresentadas as considerações finais do trabalho.
Organização dos partidos políticos: apontamentos teóricos
O ramo da ciência política que estuda os partidos políticos como organizações é um dos mais antigos da disciplina, tendo praticamente a inaugurado (Seiler, 2000). Ao longo de um pouco mais de um século, muito se produziu sobre o tema com destaque aos trabalhos pioneiros de Michels (2001 [1911]), Ostrogorski (2012 [1902]) e Duverger (1970 [1951]). Esse último publicou, até o momento, o mais influente estudo sobre as organizações partidárias ocidentais.
Apesar de alguns problemas, como a grande ênfase ao modelo francês (Von Beyme, 1985), a obra de Duverger (1970[1951]) forneceu uma importante base para os estudos organizacionais, não apenas por causa de suas tipologias, mas por tratar os partidos políticos como organizações (Crotty, 1970; Gunther& Diamond, 2003; Ware, 2004) [3] .
Duverger (1970[1951]) em seu trabalho “disseca” a organização dos partidos políticos europeus ocidentais e fornece um mapa organizativo, que serve de modelo para futuros trabalhos. Segundo o autor, as máquinas partidárias são compostas por uma série de instâncias ligadas entre si, formando um sistema hierárquico. Panebianco (2005) segue a mesma linha ao argumentar que o mapa organizativo dos partidos políticos é composto por várias zonas de incertezas, que constituem as instâncias com poder —ou capacidade— de influir na estabilidade da agremiação [4] .
Panebianco (2005) argumenta que os partidos políticos são antes de tudo, organizações [5] . Por isso, entende-se que as agremiações partidárias, entre outras coisas, possuem múltiplosescalões de poder, níveis distintos de divisão do trabalho interno, democracia interna —regras para seleção de dirigentes e candidatos—, mecanismos de financiamento diversos e canais de relacionamento com o exterior, isso é, com a sociedade e seus grupos.
Jandae King (1985) operacionalizaram as hipóteses de Duverger (1970[1951]). Segundo os autores, a obra do cientista político francês é por vezes vaga e imprecisa, pois objetivava a construção de uma teoria geral de partidos políticos. Entretanto, ao testarem as proposições de Duverger (1970[1951]), os autores confirmam suas hipóteses principais, sobretudo a forte conexão entre a ideologia e a organização.
Nos últimos tempos, questionou-se a importância da organização para os partidos políticos, pois estes se encontram cada vez mais dependentes do Estado para desenvolver as suas atividades (Katz & Mair, 1995). A dependência, segundo Katz e Mair (1995) encontra-se principalmente em termos estruturais e financeiros. No primeiro ponto, a organização interna se encontraria enfraquecida ou diminuída em relação às outras faces partidárias devido às estratégias partidárias —ou de seus grupos dirigentes— o que levanta questionamento sobre a sua própria existência. No segundo ponto, as agremiações partidárias encontram-se cada vez mais dependentes do financiamento estatal para sobreviver [6] (Mair, 2003). Isso decorre da instabilidade das contribuições financeiras por parte de seus filiados e pela necessidade crescente de recursos devido aos elevados —e crescentes— custos das campanhas eleitorais (Katz & Mair, 2009). Outro debate sobre a organização se refere a questão da informalidade da organização. Segundo Freidenberg e Levitsky (2007), na América Latina existe cada vez mais o predomínio de organizações informais —redes de patronagem, clientelismo, organizações extra-formais, entre outras— sobre as organizações formais.
Por fim, nas últimas décadas muito se escreveu sobre o declínio ou revitalização e adaptação dos partidos políticos. Os teóricos do declínio argumentam que as agremiações partidárias estão em vias de desaparecer e serem substituídas por outras organizações devido à perda de membros, crescente abstenção e volatilidade eleitoral, além do aparecimento de organizações concorrentes, etc. (Montero & Gunther, 2009). De outro lado, outros autores (Aldrich, 2011; Katz & Mair, 1995) argumentam que os partidos não estão em vias de desaparecer, pois não foram substituídos e continuam a desempenhar um importante papel nos regimes democráticos (Montero & Gunther, 2009). Para Katz & Mair (1995), os partidos não estão atravessando um declínio, mas uma revitalização. Segundo os autores, os partidos não são entidades unitárias, mas sim compostas por três faces —pública, base partidária e direção [7] — e o declínio seria apenas de uma das facetas do partido.
Organização partidária na América Latina: fragilidade ou consolidação?
Usualmente os partidos políticos latino-americanos são compreendidos como um caso de subdesenvolvimento partidário ao apresentarem organizações frágeis, precárias —e até mesmo, inexistentes—, pouco institucionalizadas, de curta duração [8] , dominadas por grupos clientelistas, caudilhos e por redes de patronagem, entre outras coisas. Aliado a esse cenário, a região também apresenta grande descontinuidade de seus partidos e sistemas partidários, característica que restringe incentivos para construção de estruturas e organizações partidárias sólidas e duradouras (Levitsky, 2001).
A percepção negativa acerca das legendasda região é acompanhada pelo discurso que seus partidos políticos não possuem laços fortes e duradouros com a sociedade e quando os têm, são efêmeros, aumentando a dependência deles em relação ao Estado, sobretudo em termos financeiros (Van Biezen, 1998). Essa situação não é exclusiva dos partidos políticos latino-americanos, sendo compartilhada por grande parte das democracias ocidentais [9] .
Mesmo com todo este prognósticonegativo os partidos políticos latino-americanos não desapareceram e, em alguns casos, Costa Rica, Chile e Uruguai, se aproximaram de suas contrapartes européias. A região apresenta diversos problemas, no entanto, o cenário não é tão caótico quanto o descrito pela literatura especializada. Muito dessa percepção está relacionada a uma visão eurocêntrica de seus partidos, a qual fornece grande ênfase aos aspectos negativos (Carreras, 2012; Ruiz, 2007).
O eurocentrismo também levanta o debate sobre a aplicação dos conceitos tradicionais a realidade latino-americana. Sua aplicação não é restringida, mas deve ocorrer com devidos cuidados, pois os conceitos foram criados para explicar uma realidade —e principalmente, uma evolução— distinta, a qual não se repete em outras regiões, o que pode levar a distorções em sua aplicação e análise dos casos. Muitas das críticas aos partidos locais vêm de sua impossibilidade de alcançar o status de partido de massas [10] , porém, é fundamental relembrar que o desenvolvimento partidário da região ocorreu de modo diverso e, por isso, deve-se utilizar as tipologias com cautela, de modo a evitar problema de ordem normativa.
Dito isso, o cenário na América Latina não apresenta um nível de subdesenvolvimento tão extremo quanto o apresentadopela literatura especializada. Muitos dos partidos da região apresentam problemas, porém muitos também se assemelham às agremiações da Europa Ocidental. Toda essa situação abre espaço para um importante questionamento: os problemas apresentados pelos partidos latino-americanos são exclusivos à região ou muitos deles são compartilhados pelas organizações partidárias ao longo do planeta?
A organização dos partidos políticos latino-americanos: apontamentos metodológicos
Para realizar a análise, recorri ao exame dos estatutos partidários. A questão da utilização das cartas orgânicas é um tanto quanto controversa para a bibliografia especializada, pois seu conteúdo pode não condizer com a realidade apresentada pelos partidos. De modo complementar, as críticas também atentam para o risco de um possível excesso de formalismo e, novamente, um distanciamento da realidade. Contudo, para Katz e Mair (1995), os estatutos preenchem múltiplas funções. Primeiro, atuam como uma importante fonte de informação. Os partidos políticos são organizações extremamente fechadas e fornecem poucos—ou nenhuma— informação sobre seu funcionamento e organização a elementos externos a eles. Essa situação foi observada por Duverger (1970[1951]) na década de 1950 e pouco se alterou até hoje [11] . Segundo, o exame das cartas orgânicas também auxilia ao fornecer o mapa organizativo das organizações, isso é, quais são suas estruturas de poder e como as atividades, conflitos, distribuição de recursos, processo decisório interno, entre outros, são organizados. Terceiro, sua análise possibilita a comparação entre a organização formal e a real —e até mesmo a informal, quando identificada—. Por último, o controle sobre as regras formais são, como bem salientado por Panebianco (2005), um importante recurso de poder interno, pois quem as controla, pode alterá-las para satisfazer seus objetivos.
Neste trabalho o foco neste trabalho se encontra em questões mais gerais, como qual o desenho organizativo formal adotado pelos partidos políticos latino-americanos e como estas questões são influenciadas pela origem, tipo de liderança e presença de grupos externos em sua formação, em trabalhos futuros, pretendo aprofundar o estudo das organizações partidárias latino-americanas. Somente o mapeamento das instâncias não é suficiente para comparar o desenho organizativo, pois simplificaria em demasia as características organizacionais. Para resolver a esta questão, adicionei dois outros critérios organizativos:1) abertura das instâncias decisórias a participação dos filiados, isso é, quem participa das instâncias deliberativas e como é o processo de escolha das lideranças [12] e; 2) quais os canais de financiamento dispostos nos estatutos [13] . Outras questões importantes como centralização e descentralização, papel dos membros, integração entre as instâncias, perfis das lideranças, entre outros, serão abordados em um trabalho futuro.
Para analisar os estatutos recorri a identificação da presença ou ausência das seguintes instâncias nos estatutos partidários: instâncias deliberativas, executivas, diretivas; núcleos de base, instâncias de consulta. Em relação aos dois últimos itens, é preciso fazer algumas observações. Primeiro, em relação aos núcleos de base, optei por considerar apenas as instâncias descritas como tal, isso é, as identificadas como responsáveis pela atuação junto à sociedade, com base territorial ou não, por causa disso, secretarias não foram consideradas. Em relação às instâncias de consulta, algumas agremiações não dispõem de nenhum, enquanto outras dispõem de dois ou mais mecanismos de consulta a seus membros e à sociedade em geral.
Para viabilizar —e visualizar— a comparação entre os estatutos, construí uma escala de pertencimento dos partidos no quesito organizacional. A construção da escala se baseou exclusivamente nos conteúdos estatutários e vai de 0 a 1. Sendo 0, total ausência de organização e 1, a presença de todos os elementos elencados acima. Quanto mais próximo de 1, maior será o número de instâncias selecionadas (deliberativa, diretiva, executiva, núcleos de base, mecanismos de consulta), mais canais de financiamento dispostos nas cartas orgânicas e maior será a abertura aos membros nos processos decisórios internos.
A organização dos partidos políticos latino-americanos
O primeiro desafio encontrado neste estudo foi como selecionar os partidos políticos a serem comparados? A América Latina é uma região rica na quantidade de agremiações partidárias relevantes e ainda mais no número de partidos existentes. A seleção dos casos buscou equilibrar a diversidade encontrada em toda a região e, ao mesmo tempo, procurou não privilegiar alguns países em detrimento de outros. Por causa disso optou-se por escolher somente partidos relevantes nos parlamentos nacionais até 2016, ano em que análise estatutária foi realizada [14] .
Um segundo problema encontrado tratou da comparação entre os partidos políticos. Quando recorremos a um estudo de natureza comparativa, existe a necessidade de equilibrar a quantidade de casos com o número de variáveis selecionadas (Lijphart, 1971). Por essa razão, um exame descritivo foi inviabilizado e o trabalho focou em aspectos mais gerais e formais das organizações partidárias.
Devido à grande quantidade de legendas presentes nos Congressos Nacionais e ao elevado número de países escolhidos, optamos por selecionar pelo menos dois partidos de cada país. Alguns países, como a Argentina, o Brasil, o Chile, a Colômbia, o México e o Uruguai tiveram um caso a mais selecionado. Isso se deu por causa da alta fragmentação de seus sistemas —Argentina e Brasil— ou devido ao equilíbrio de forças de seus sistemas partidários —demais casos—.
Quadro 1: Partidos políticos selecionados
Partido
País
Fundação
Estatuto
[15]
Ideologia
Origem
Liderança Carismática
Entidade Patrocinadora
PJ
Argentina
1946
2013
Centro
[16]
Interna
Histórica
Inexistente
PRO
Argentina
2010
Sem data
Direita
Interna
Presente
Inexistente
UCR
Argentina
1891
2011
Centro
Externa
Inexistente
Inexistente
UN
Bolívia
2003
Sem data
Centro-esquerda
Interna
Presente
Empresariado
MAS-IPSP
Bolívia
1987
2012
Esquerda
Externa
Presente
Movimentos sociais
MDB
[17]
Brasil
1980
2012
Centro
Interna
Inexistente
Inexistente
PSDB
Brasil
1988
2015
Centro-direita
Interna
Inexistente
Inexistente
PT
Brasil
1980
2012
Centro-esquerda
Externa
Inexistente
[18]
Movimentos sociais
PDC
Chile
1957
2005
Centro
Interna
Inexistente
Inexistente
[19]
PSCH
Chile
1933
2015
Esquerda
Interna
Inexistente
Inexistente
RN
Chile
1987
2006
Centro-direta
Interna
Inexistente
Inexistente
PC/COL
Colômbia
1849
2012
Direita
Interna
Inexistente
Inexistente
PL/COL
Colômbia
1848
2012
Centro
Interna
Inexistente
Inexistente
PLU
[20]
Colômbia
2005
2012
Direita
Interna
Presente
Inexistente
PAC
Costa Rica
2000
2013
Centro-esquerda
Interna
Inexistente
Inexistente
PLN
Costa Rica
1951
2013
Centro-esquerda
Interna
Histórica
Inexistente
ARENA
El Salvador
1981
2014
Direita
Externa
Inexistente
Empresariado
FMLN
El Salvador
1980
2006
Esquerda
Externa
Inexistente
Guerrilhas
AP
Equador
2006
2011
Esquerda
Externa
Presente
Movimentos Sociais
CREO
Equador
2012
2014
Direita
Externa
Presente
Empresariado
Partido
País
Fundação
Estatuto
Ideologia
Origem
Liderança Carismática
Entidade Patrocinadora
PP
[21]
Guatemala
2001
2006
Centro-direita
Interna
Inexistente
Inexistente
UNE
Guatemala
2002
2006
Centro-esquerda
Interna
Presente
Inexistente
PLH
Honduras
1891
2010
Centro-direita
Interna
Histórica
Inexistente
PNH
Honduras
1902
Sem data
Direita
Interna
Inexistente
Inexistente
PAN
México
1939
2013
Centro-direita
Externa
Histórica
Inexistente
PRD/MEX
México
1989
2013
Centro-esquerda
Interna
Inexistente
Movimentos sociais
PRI
México
1929
2014
Centro
Interna
Inexistente
Inexistente
FSLN
Nicarágua
1961
2002
Esquerda
Interna
Inexistente
Guerrilhas
PLI
Nicarágua
1944
2013
Centro-direita
Interna
Inexistente
Inexistente
CAMBIO
Panamá
1998
2012
Centro-direita
Interna
Presente
Inexistente
PRD/PAN
Panamá
1979
2013
Centro-esquerda
Interna
Presente
Forças armadas
ANR
Paraguai
1887
2011
Direita
Interna
Inexistente
Inexistente
PLRA
Paraguai
1978
2015
Centro
Interna
Inexistente
Inexistente
FP
Peru
2010
2011
Direita
Interna
Presente
Inexistente
PNP
Peru
2005
2010
Esquerda
Interna
Presente
Inexistente
PRD/DOM
República Dominicana
1939
2004
Centro
Externa
Inexistente
Inexistente
PRSC
República Dominicana
1963
2014
Centro-direita
Interna
Histórica
Inexistente
FA
Uruguai
1971
2011
Esquerda
Interna
Inexistente
Inexistente
PC/URU
Uruguai
1836
2011
Centro-direita
Interna
Histórica
Inexistente
PN/URU
Uruguai
1836
2012
Centro
Interna
Inexistente
Inexistente
MPJ
[22]
Venezuela
2000
2012
Direita
Externa
Presente
Movimentos sociais
PSUV
Venezuela
2007
2010
Esquerda
Interna
Histórica
Inexistente
Classificar os partidos políticos na escala direita-esquerda consiste em uma árdua tarefa para os pesquisadores, pois apesar da grande quantidade de material bibliográfico disponível, não existe na bibliografia sobre a região um consenso amplo sobre o posicionamento ideológico de seus partidos, com várias classificações concorrendo entre si. Algumas (Alcántara, 2013), optam por classificar os partidos de acordo com o auto-posicionamento de seus parlamentares e dirigentes, outras buscam classificar por meio do conteúdo de seus programas e manifestos partidários (Budge et al., 2001). Neste caso, optei por classificar os partidos políticos de acordo com a bibliografia especializada [23] , pois apesar de suas limitações —e da não existência de consenso entre os autores— esta opção permitiu operacionalizar a classificação e compreender como os especialistas rotulam as agremiações partidárias de seus países.
A seleção dos casos mostra um relativo equilíbrio entre os espectros ideológicos, com uma quantidade um pouco superior de partidos mais à direita —dezoito partidos de direita e centro-esquerda contra quinze de esquerda e centro-esquerda—. Um dado que chama a atenção é a expansão da esquerda na região. Durante os períodos democráticos, a esquerda, na maioria das vezes e dos países, foi uma força secundária na região, com poucas legendas fortes eleitoralmente. O cenário desde a redemocratização se alterou drasticamente, sobretudo, após as crises econômicas, políticas e sociais da década de 1990, as quais abriram espaço para o crescimento e consolidação da esquerda na América Latina.
O modo como os partidos se originam e sua influência sobre os desenhos institucionais dos partidos políticos é um dos principais temas nos estudos organizacionais partidários. A realidade latino-americana, no entanto, apresenta um cenário distinto do descrito pela literatura especializada, pois foi marcado por inúmeras rupturas na ordem democrática, as quais afetaram o desenvolvimento dos partidos e dos sistemas partidários da região, pois em muitos casos a descontinuidade foi acompanhada pelo fim das organizações partidárias e quando do retorno à ordem democrática, novos atores e partidos foram organizados de modo a substituir as antigas legendas (Alcántara, 2013).
Por meio de uma abordagem institucional, Duverger (1970[1951]) argumenta que a origem partidária se encontra ligada com o relacionamento que as agremiações possuem com os parlamentos nacionais. De modo resumido, o autor elenca dois tipos de origem partidária: a) partidos de origem interna: tratam de agrupamentos parlamentares unidos por interesses comuns e; b) partidos de origem externa: construção do partido ocorre por grupos que se encontram fora da arena parlamentar. O modelo proposto por Duverger (1970 [1951]) é importante para compreender a gênese partidária, porém, é demasiado simplista, pois considera apenas a presença ou ausência dos partidos nos parlamentos. Como forma de entender melhor a origem, identificamos os grupos formadores —no caso dos partidos externos— e o forma de união nos partidos internos.
Quadro 2: Origem dos partidos
políticos
Tipo
de origem
Forma
originária
Partidos
Políticos
Interna
Fusão
PJ; PRO; PDC; PSCH; PNH; FA; PSUV
Facção/cisão
UN; PSDB; PLU; PAC; PLI; CAMBIO; PLRA; PNP
Estado
MDB;
RN; PC/COL; PL/COL; PLN; PP; UNE; PLH; PRI; FSLN; PRD/PAN; ANR; PLRA; FP;
PC/URU; PN/URU
Externa
Empresários
ARENA,
CREO, MPJ
Movimentos
sociais
PT, MAS-IPSP, AP, FMLN, PRD/MEX
Outros
UCR,
PAN, PRD/DOM
A formação de partidos internos envolve a formação dos próprios sistemas democráticos —ou autoritários ou hegemônicos, quando o sistema busca fornecer um verniz democrático ao adotar um partido oficial— e o realinhamento das elites políticas. No primeiro caso, alguns partidos são construídos durante —ou logo após— o processo de independência de seus países —o Partido Colorado e o Partido Nacional do Uruguai, por exemplo—, outros se formaram durante as primeiras experiências democráticas (ANR, PC/COL, PL/COL e, PLH), outros também se originam com o retorno à democracia (FSLN e, PRD/PAN), também existem casos de formação por meio da ação de grupos dirigentes presentes no último período ditatorial, seja de oposição consentida (MDB), seja de governo (RN) e, por fim, como partido oficial do governo (PRI). Nos demais casos de formação interna (UN, PSDB, PLU, PAC, PLI, CAMBIO,PLRA [24] e, PNP) ocorreram por meio de fusões e cisões de partidos políticos no interior dos parlamentos, seja por meio de divergência, seja através de estratégias das elites políticas.
A formação de partidos externos ocorre em menor escala em comparação aos partidos internos. Essa situação não é exclusividade da América Latina, mas uma tônica da gênese partidária. A região apresenta relativa diversidade sobre os grupos patrocinadores, como movimentos sociais e sindicais (PT), movimentos étnicos e sociais (MAS-IPSP), movimentos sociais (AP, PRD/MEX), movimentos estudantis (PAN e UCR), guerrilhas (FMLN) e grupos exilados (PRD/DOM). No entanto, a região apresenta uma novidade em relação à teoria, que é a presença de partidos externos construídos por grupos empresariais (ARENA, CREO e MPJ). A opção destes atores por fundar um partido para além das fronteiras dos parlamentos nacionais pode indicar um certo desgaste das elites políticas locais frente a alguns setores econômicos, que não se sentem representadas pelas atuais elites políticas e visam influenciar o processo diretamente. Bem como, pode indicar uma espécie de mimetismo por parte de seus fundadores, isso é, se inspiram no sucesso de outras formações partidárias.
Quadro 3: Entidades
patrocinadoras e tipos de liderança
Partidos
Políticos
Entidade
patrocinadora
Empresários
ARENA
Forças
armadas
PRD/PAN
Guerrilhas
FMLN,
FSLN
Movimentos
sociais
MAS-IPSP, PT, AP, PRD/MEX
Liderança
carismática
Atual
PRO, UN, MAS-IPSP, PLU, AP, CREO, UNE, CAMBIO, PRD/PAN, FP, PNP, MPJ
Histórica
PJ, PLN, PLH, PAN, PRSC, PC/URU, PSUV
Relacionada a questão genética, os partidos políticos podem ser construídos ao redor de grupos da sociedade civil (sindicatos, por exemplo) ou também como projetos personalistas, isso é, podem se formar ao redor de uma liderança do tipo carismático (Panebianco, 2005). No primeiro caso, Duverger (1970 [1951]) identifica a construção por “entidades patrocinadoras” como a mais próxima das agremiações de esquerda, devido a ação dos sindicatos e demais organizações operárias. O segundo caso, trabalhado por Panebianco (2005), trata de partidos construídos como projetos de lideranças, as quais não possuem incentivos para a construção de legendas fortes ou institucionalizadas.
Dentre os partidos selecionados, poucos foram construídos por meio da ação patrocinada por agentes da sociedade civil. A ARENA demonstra ser um caso particular, pois sua fundação ocorreu por meio da ação de grupos empresariais, contrariando os prognósticos de predomínio das esquerdas na formação de partidos políticos por meio de entidades patrocinadoras. O CREO e o UN também contaram com apoio empresarial, porém, sua formação ocorreu mais como um projeto pessoal de seus líderes do que como uma ação patronal [25] . O PRD panamenho se formou por meio da ação dos militares durante o processo de redemocratização na década de 1980. A FMLN e a FSLN foram fundadas por membros das guerrilhas contrárias aos regimes autoritários de seus países —El Salvador e Nicarágua— e quando da irrupção do sistema democrático se transformaram em partidos políticos, com o partido nicaraguense sendo o propulsor da redemocratização após a revolução sandinista (Marti i Puig, 2009, 2013). O MAS-IPSP, a AP, o PRD/MEX e o PT constituem nos casos mais próximos da teoria. O primeiro foi formado através da ação do movimento cocaleiro boliviano, de grupos indígenas e de setores da classe média (Gutierrez & Lorini, 2007; Reis, 2013). A AP por meio de movimentos sociais que reivindicação a auditoria da dívida pública equatoriana (Pachano, 2005, 2010). O PRD/MEX se originou da união se partidos de esquerda e de diversos movimentos sociais —urbanos, camponeses, entre outros— (Jiménez, Vivero & Báez, 2003). Por fim, o PT se originou de movimentos sociais, setores ligados a Igreja Católica —comunidades eclesiásticas de base—, sindicatos, intelectuais, entre outros grupos (Ribeiro, 2008).
A construção de partidos ao redor de lideranças personalistas é uma constante na literatura especializada sobre a região, muitos autores argumentam que a América Latina é dominada por grupos clientelistas e por lideranças caudilhas, fato que diminui os incentivos para a formação de partidos políticos fortes (Roberts & Wibbels, 1999). Contudo, a existência de partidos personalistas e/ou dominados por lideranças não é exclusividade da região, com partidos desta natureza na Europa Ocidental e demais regiões do planeta [26] .
A maioria dos casos da região [27] é concentrada nos países andinos [28] , que experimentaram uma forte crise econômica, política e social no final do século passado e começo do atual. A forte crise acabou por abrir uma espécie de “janela de oportunidades” para novos atores políticos por causa do “derretimento” dos antigos sistemas partidários (Mainwaring, Bejarano & Pizarro, 2006). Uma observação é de fundamental importância: é preciso distinguir entre partidos que se encontram organizados sob os interesses de sua principal liderança daqueles que já ultrapassaram esta fase e atualmente se encontram consolidados enquanto partidos [29] .
Padrões de organização partidária na América Latina
Cada partido político possuí uma organização única, fruto do processo de escolhas de seus membros ao longo de sua trajetória. Mesmo com suas características próprias, as organizações partidárias assemelham-se, isso se deve a tendência dos partidos de imitarem —ou mimetizarem— uns aos outros, absorvendo estratégias e iniciativas que julgam as mais aptas para atingir seus objetivos. As legislações partidárias também influenciam na definição do desenho organizativo, entretanto, as leis apenas determinam a base sob os quais partidos constroem suas organizações (Mayer, 2017).
Para classificar os partidos políticos recorri a criação de scores partidários. Essa medida foi criada com base nos estatutos partidários e obedeceu aos seguintes critérios: a) scores máximos e elevados —entre 1 e 0.9—: possuem todas as instâncias —deliberativa, diretiva, executiva, de base, apoio e consulta—; ampla participação dos filiados nas instâncias superiores e na escolha dos candidatos e dirigentes e; definição da obrigatoriedade —inclusive, determinando valores— de contribuição financeira por parte dos membros; b) score alto —entre 0.8 e 0.6—: possuem todas as instâncias diretivas, porém, possuem ausência de, pelo menos uma, instância de base, apoio e consulta; ampla participação, sobretudo na questão da seleção dos candidatos e; estabelecem a contribuição obrigatória de seus filiados, mas são vagos em relação a valores; c) score intermediário (0.5): possuem todas as instâncias diretivas, mas possuem ausência de instâncias de base e de consulta ou apenas ausência de instâncias de consulta; participação restrita as eleições internas e; somente menções as contribuições dos filiados e; d) scores pequenos (entre 0.4 e 0.2): ausência de instância diretiva ou executiva, contudo, varia nas na presença ou ausência de instâncias de base, apoio ou consulta; participação, em sua maioria, restrita as questões eleitorais internas e; questão da contribuição dos membros varia da obrigatoriedade a meras menções.
O rico e extenso mosaico partidário da região pode ser separado em alguns grupos de acordo com a localização das agremiações nas escalas de pertencimento construídas. O primeiro grupo trata de agremiações com máximo grau de pertencimento (de 0.9 a 1). O segundo aborda partidos com índices elevados (0.8 a 0.6). Em comparação ao primeiro grupo, esse possuí com um número maior de componentes —15 a 7— e uma maior diversidade quanto as características de seus componentes. O terceiro de partidos “intermediários”, ou seja, partidos que apresentam scores igual a 0.5. Por fim, o quarto grupo apresenta partidos com escalas iguais ou inferiores a 0.4 [30] .
Quadro 4: Scores partidários
Scores
Partidos
Scores máximos e elevados
1
PT
[31]
0.9
UCR; PC/COL; PL/COL; PLH; PRD/PAN; PRD/DOM
Scores altos
0.8
PJ; PSDB; PSCH; PNH; CAMBIO; ANR
0.7
PLN;
FMLN; AP; PRD/MEX; PRSC; MPJ
0.6
MDB;
RN; FSLN
Scores intermediários
0.5
PRO; MAS-IPSP; PDC; PLI; PAN; PLRA
Scores pequenos
0.4
UN; PNP; FA; PC/URU; PN/URU
0.3
PAC; ARENA; CREO; PP; UNE; FP
0.2
PLU;
PRI; PSUV
Dentre os componentes do primeiro grupo, nenhum se encontra nos países que atravessaram por colapso no final da década de 1990 e começo da década de 2000. Contudo, esse tipo também tem agremiações presentes em sistemas políticos em estabilização, como o brasileiro [32] e outros instáveis como hondurenho, o panamenho e o dominicano. A existência de partidos políticos com alto grau de divisão interna em países politicamente instáveis é um indicativo que partidos complexos não necessariamente precisam de sistemas políticos estáveis para existir. Honduras, por exemplo, desde a sua redemocratização em 1981, conta com partidos tradicionais longevos —ambos possuem mais de cem anos— [33] , porém, na última década o país tem atravessado fortes crises políticas, com denúncias de corrupção e fraudes eleitorais, entretanto, seus dois principais partidos apresentam altos scores organizativos.
Sobre a ideologia, essa se encontra bem distribuída ao longo do espectro partidário analisado, sem apresentar um amplo domínio de um posicionamento sobre o outro. O não predomínio de um grupo ideológico sobre o outro apresenta uma novidade em termos teóricos, pois a literatura sobre o tema argumenta que os partidos políticos mais à esquerda tendem a construir organizações mais robustas em comparação as mais à direita. A partir da análise, podemos deduzir que houve uma mudança de orientação por parte dos partidos mais à direita devido a adaptação destes a um ambiente que exige maior especialização de suas estruturas internas e organização [34] .
A origem demonstra uma divisão clara entre partidos internos e externos. Os partidos de formação interna apresentam, em sua totalidade, origens ligadas as máquinas governamentais. Em reação aos tipos externos, somente o PT possui vínculos com movimentos sindicais, o novo sindicalismo, como tradicionalmente tratado pela bibliografia especializada. Os demais possuem vínculos com agremiações estudantis (UCR) e exilados (PRD/DOM).
O personalismo conta com pouca presença neste grupo, com somente o PRD panamenho possuindo uma liderança deste tipo (Omar Torrijos Herrera), a legenda também apresenta grandes vínculos com as forças armadas, sendo identificado como o herdeiro político do período militar. Outros dois partidos (PLH e PRD/DOM) também foram formados pela ação de uma liderança carismática, entretanto, ambas são lideranças históricas e os dois partidos estruturam e desenvolveram suas organizações sem a presença destes dirigentes ao longo do tempo.
O segundo grupo concentra um grande contingente de partidos políticos examinados (15 de 42). Do mesmo modo que o primeiro grupo, as agremiações formadas ao redor de um líder carismático são poucas, mais especificamente, somente a AP e o MPJ apresentam esta característica. A Alianza País foi formada ao redor de Rafael Corrêa em meio ao debate sobre a dívida pública equatoriana e Movimiento Primero Justicia (Henrique Capriles). Sendo que ambos são os únicos casos de partidos oriundos do reordenamento do sistema partidário andino com scores acima de 0.5. Somente 5 dos 15 se originaram de forma externa ao parlamento. Desses cinco, dois (FMLN e FSLN) possuem laços genéticos com guerrilhas contrárias as ditaduras de seus países, dois (AP e MPJ) emergiram durante o período de forte crise política atravessada por seus países [35] e, o PRD mexicano foi patrocinado por grupos de esquerda e movimentos sociais. Sobre os demais, não existe o predomínio de um sentido da origem interna —cisão, fusão, governo ou oposição—, com os integrantes distribuídos de forma mais ou menos homogênea entre eles, com exceção dos grupos oposicionistas que possui somente um partido (PRSC). A ideologia apresenta um relativo equilíbrio, com sete partidos mais a centro-direita e a direita e seis a centro-esquerda e à esquerda. Novamente, apresentando uma tendência de aproximação entre partidos de direita e de esquerda quanto as suas estratégias organizacionais.
O grupo intermediário não apresenta um claro padrão das características de seus membros, muito por causa do seu número reduzido —somente seis—. O tipo apresenta somente dois partidos externos MAS-IPSP e o PAN. O primeiro formado por movimentos sociais e o segundo, construído ao redor de Manuel Gómez Morín e quatro tipos internos. Dois construídos por fusão (PRO e PDC) e outros dois por cisão (PLI e PLRA). O MAS-IPSP, junto com o PRO são os dois partidos personalistas do grupo, com o partido boliviano constituído ao redor de Evo Morales e, o argentino, em torno de Mauricio Macri, então prefeito de Buenos Aires (Vommaro&Morresi, 2014).
Por fim, o último tipo também conta com um alto número de componentes (14 de 42). Assim como os demais tipos, a ideologia no quarto grupo é distribuída de forma semelhante entre os espectros ideológicos, sem o predomínio de um espectro ideológico. Somente dois partidos de origem externa se encontram presentes: CREO e ARENA. O primeiro foi construído por meio da ação de movimentos sociais e étnicos e os dois outros, por meio do empresariado. Chama a atenção o alto número de partidos formados ao redor de lideranças carismáticas (6 ao todo), os quais podem ser distinguidos em 2 grupos: a) ação estratégica de lideranças políticas em busca de mais espaço ou de maior protagonismo no processo eleitoral, como o Partido de La U colombiano, constituído por meio da ação do ex-presidente Álvaro Uribe; b) construídos ao redor de lideranças que emergiram do período de crise econômico-político-social no final do século XX e começo do século XXI: trata dos partidos andinos analisados, que, sem exceção, foram construídos como resultado da crise política que assolou a região no final do século XX e começo do XXI. O caso dos Andes é sintomático, em momentos de crises abrem-se oportunidades para a criação de novos partidos que canalizem as novas demandas sociais ou que representem os conflitos existentes durante a crise.
Considerações Finais
A partir do exposto ao longo do artigo podemos identificar alguns padrões e tendências gerais nos partidos latino-americanos. O primeiro é o forte impacto que a gênese partidária tem sob a organização. Confirmando a tese de Duverger (1970[1951]), os partidos de origem externa tendem a construir organizações com maior divisão do trabalho interno do que os de origem interna. Dentre os partidos externos, somente 3 (MAS-IPSP, ARENA e CREO) possuem scores inferiores a 0.5 e dois deles (MAS-IPSP e CREO) se encontram formados ao redor de lideranças personalistas. Destes, somente o MAS-IPSP se encontra na esquerda e relacionado com movimentos sociais, enquanto os outros dois se encontram na direita e próximos a grupos empresariais. Os demais, independentemente da conjuntura em que estão inseridos, apresentam altos scores, principalmente aqueles que contam com entidades patrocinadoras. De outro lado, a maior novidade foi a presença de partidos internos com índices altos —como os dois partidos colombianos, por exemplo—. Estes partidos, localizados em todas as posições do espectro ideológico examinado, não sendo exclusivo de partidos mais à esquerda, podemos deduzir a partir dessa informação que as legendas latino-americanas também mimetizam as organizações uns dos outros, como também, que partidos mais à direita também se originam de modo externo.
Outro fator que teve grande impacto sobre a questão organizacional foi a presença de liderança do tipo carismático, no entanto, o sentido desta se deu de modo inverso ao do tipo originário. Conforme a hipótese de Panebianco (2005), os partidos construídos ao redor de uma liderança personalista tendem a possuir poucos incentivos para a construção de organizações mais complexas. Nos casos estudados, quase a totalidade —a AP, PRD panamenho e o MPJ são as exceções— se encontram entre os scores mais baixos. De forma relacionada, boa parte dos casos encontram-se nos países andinos, que devido ao colapso de seus sistemas nas últimas décadas [36] , abriram novas estruturas de oportunidades a novos partidos, que se formaram ao redor de lideranças que emergiram durante o processo de derretimento dos antigos sistemas partidários.
Por último a ideologia de um modo geral não apresenta grande impacto na definição de uma organização com maior ou menor divisão do trabalho interno, com legendas de todos os espectros distribuídas ao longo do espectro ideológico. Entretanto, quando analisamos a questão por país, nota-se que os partidos mais à esquerda tendem a organizações mais complexas.
A utilização dos estatutos consistiu em uma importante fonte de informação. O uso das cartas orgânicas permite o conhecimento do desenho organizativo partidário, a disposição do poder interna e possibilita a comparação entre diferentes partidos políticos. No entanto, seu uso sempre levanta o questionamento de que em que medida o formal se aproxima do real. Neste caso, o uso dos estatutos pode permitir a comparação entre ambos e a verificação da congruência ou incongruência entre o conteúdo dos estatutos e à realidade partidária.
De modo resumido, os partidos latino-americanos apresentam um rico cenário partidário, em que ocorre a convivência de partido políticos possuidores de diferentes estratégias organizacionais. Apesar disso, é possível encontrar alguns padrões. O primeiro trata da grande influência do tipo originário sobre o desenho organizacional, com legendas externas adotando desenhos mais complexos. A grande novidade neste ponto trata de agremiações mais à direita que também adotam esta estratégia para sua formação. O tipo de liderança também influencia na definição, porém, com sentido inverso, isso é, os partidos formados ao redor de uma liderança possuem menos incentivos para construir organizações mais complexas, característica presente de modo mais intenso nos países andinos. Por fim, a ideologia se mostrou um importante indicador, no sentido que demonstrou que partidos a esquerda e a direita mimetizam o desenho organizacional uns dos outros, com a esquerda demonstrando tendência a maior complexidade interna.
Agradecimentos
O presente artigo é produto de minha tese de doutorado, defendida em 2017. A pesquisa contou com financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
Referências
Notas
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