Reseña de: A vida secreta das árvores (Wohlleben, 2017)
Review of A vida secreta das árvores (Wohlleben, 2017)
Reseña de A vida secreta das árvores (Wohlleben, 2017)
DOI:
https://doi.org/10.15446/ma.v8n2.67191Palabras clave:
árvores, comportamento, antropomorfismo, animismo (pt)Descargas
Peter Wohlleben. (2017). A vida secreta das árvores. Trad. de P. Rissati (título original em alemão: Das Geheime Leben der Bäume, 2015). Rio de Janeiro: Editora Sextante. 223 pp. ISBN: 9788543104652.
Peter Wohlleben. (2017).A vida secreta das árvores. Trad. de P. Rissati (título original em alemão: Das Geheime Leben der Bäume,2015). Rio de Janeiro: Editora Sextante. 223 pp. ISBN: 9788543104652. Guilherme Henriques Soares Mestrando em Antropologia Social. Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Amazonas – PPGAS/UFAM. ghsoares24@gmail.com |
Uma "etologia" das árvores
De alguma forma inscrito no movimento apontado por Myers (2015) como a "virada das plantas", uma atenção por parte de filósofos, antropólogos, escritores de ciência e pensadores de maneira geral para as vidas desses organismos, o livro de Peter Wohlleben (2017), audaciosa ou ingenuamente intitulado A vida secreta das árvores — e assim passível de ser confundido com o famigerado A vida secreta das plantas, de Tompkins e Bird (1974) —, traz uma intrigante "etologia" das árvores, capaz de causar verdadeiros tiques nervosos em cientistas botânicos mais conservadores e apoiadores ferrenhos do establishment científico de maneira geral.
Wohlleben, um experiente engenheiro florestal, é responsável atualmente pela gestão florestal do município de Hümmel, na região montanhosa de Eifel, oeste da Alemanha, onde desenvolve um manejo baseado no respeito, empatia e atenção à vida das árvores — estas tidas como verdadeiros sujeitos, com todos os atributos sociais e faculdades que se pode desejar — e seus diversos tipos de relação com outros seres que habitam a floresta. Wohlleben relata, contudo, que nem sempre pensou assim. Seu mito de origem se situa na confluência entre uma experiência pessoal reveladora dentro dos bosques com o acesso a resultados de pesquisas científicas desenvolvidas na mesma reserva em que trabalhava.
Depois de anos encarando as árvores simplesmente em função da qualidade de suas madeiras, de seus valores de mercado, foi a partir de um contato mais íntimo e relaxado guiando excursões na floresta que Wohlleben passou a prestar atenção não apenas nos magníficos carvalhos, abetos, faias e pinheiros que estariam prontos para ir pra serraria, mas em todo um outro conjunto de qualidades sensíveis que singularizam as árvores: troncos retorcidos, raízes fora do comum, padrões de crescimento diferentes e camadas de musgo nas cascas. Concomitantemente a isto, os resultados apresentados pela equipe de pesquisadores da Universidade Técnica da Renânia do Norte – Vestfália em Aachen, transformaram a concepção de Wohlleben sobre as árvores, de seres passivos ou autômatos, um produto a ser explorado, para seres sencientes, capazes de comunicar entre si e com outras espécies, de cuidar uns dos outros, de interagir ativamente com o ambiente e até mesmo... de sentir dor! A partir disso, sua visão das árvores foi radicalmente alterada, ou podemos dizer que, a partir disso, ele foi capturado pela perspectiva das árvores.
Nos trinta e seis capítulos curtos que compõem o livro, Wohlleben lança mão dos seus vinte anos de experiência convivendo e observando as árvores com as quais trabalhou, produzindo descrições precisas e argutas do comportamento, da ecologia e das interações das árvores com a atmosfera e os fenômenos climáticos, coadunando suas impressões vez ou outra com seus próprios conhecimentos em botânica e ecologia, e com os resultados obtidos recentemente por uma ciência botânica nada ortodoxa que vem se desenvolvendo e ganhando força nos últimos anos em países como a Alemanha. Toda a narrativa é permeada por um recurso que a ciência moderna, ou as ditas "naturais", consideram inapropriado para a descrição dos fenômenos: antropomorfismo, ou seja, atribuição de características entendidas comumente como humanas aos demais organismos, nesse caso, as árvores.
É assim que, por exemplo, a vasta micorriza, associação simbiótica entre o micélio de certos fungos e as raízes das árvores — responsável pela troca de informações e nutrientes não apenas entre os dois organismos envolvidos, mas também entre árvores distintas, sejam da mesma espécie ou de espécie diferentes —, é descrita no primeiro capítulo como uma forma de "amizade" entre as árvores, através da qual compartilham recursos e até mesmo memórias. A troca de informações via a exalação e absorção de compostos voláteis pelos estômatos das folhas é descrita no segundo capítulo como a "linguagem das árvores". Árvores que crescem em espaços urbanos, longe de sua comunidade florestal, são comparadas às crianças de rua no capítulo vinte e sete.
Estranho? Talvez não-usual? Papo-furado? Mas por que, afinal de contas, o antropomorfismo é tão problemático? Pensando em termos amazônicos, não é este princípio, todavia, que anima o pensamento de boa parte da multitude dos grupos ameríndios que aqui habitam e a quem costumamos imputar a ontologia animista? Aqui evoco alguns especialistas no assunto. Ao discorrerem sobre a diferença entre o par conceitual natureza/humanidade tal como pensado pelos povos ameríndios e pela filosofia ocidental de maneira geral, Viveiros de Castro e Danowski afirmam que o postulado fundamental das cosmopolíticas ameríndias é o que costumamos designar de antropomorfismo. O conceito, para eles, contudo, não deveria ser de modo algum utilizado de modo pejorativo, como costumamos ver por aí, mas deveria ao invés disso "[…] receber cidadania filosófica plena, apontando para possibilidades conceituais ainda inexploradas" (2014: 97).
Assim, os autores definem as ontologias "animistas" (aspas dos autores) dos ameríndios como manifestando o "princípio antropomórfico", contrastando este com o "princípio antropocêntrico", enraizado mais fixamente na metafísica ocidental. O primeiro não é apenas bastante diferente do segundo, explicam, como uma "inversão irônica completa"deste:
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Dizer que tudo é humano é dizer que os humanos não são uma espécie especial, um evento excepcional que veio interromper magnífica ou tragicamente a trajetória monótona da matéria no universo. O antropocentrismo, inversamente, faz dos humanos uma espécie animal dotada de um suplemento transfigurador; marcados por um estigma, uma abertura ou falta privilegiada (felix culpa) que os distingue indelevelmente no seio — no centro — da Natureza. (Viveiros de Castro & Danowski 2004: 97)
Assim, o antropomorfismo é um recurso que prolifera empaticamente o escopo do humano, transformando todo o potencial dos modos de relação estabelecidos a partir disso, sem criar o tipo de excepcionalismo que coloca a espécie acima ou além dos demais seres que povoam o que convencionamos chamar de natureza. É o que chamo, meio que fazendo um trocadilho, de antropomorfismo não-antropocêntrico.
É neste mesmo sentido que Natasha Myers (2015) aborda a questão. A partir de uma leitura perspicaz de um dos escritos de Darwin (1862) acerca da reprodução das orquídeas, a autora percebe que o que chamamos de antropomorfismo pode realmente ser evidência de nossa capacidade e vontade de nos abrir para os outros, para assim permitir que outros modos de incorporação flexionem e transformem os nossos próprios. Longe de ser apenas uma imposição unidirecional de conceitos e valores humanos aos organismos não-humanos, o antropomorfismo pode ser visto como uma maneira de se envolver em mundos e perspectivas outras que os formam. Sobretudo, na operação de antropomorfização, é o próprio "antropo" que, reativamente, é colocado em questão, possibilitando pensarmos todas as categorias implicadas neste prefixo arrasador para além de suas bordas antropocêntricas.
A narrativa de Wohlleben nos permite exercitar o potencial do antropomorfismo para pensarmos a nossa relação com as diversas agências não-humanas e o incessante cruzamento de perspectivas que caracteriza o mundo vivido. Porém, duas breves críticas se fazem necessárias antes de finalizar esta resenha. Wohlleben antropomorfiza, evidentemente, com base em uma certa noção de "humano" e do "social", para não falar na de "natureza": as noções ocidentais modernas para tais coisas, que sabemos (ou pelo menos a maioria dos antropólogos sabem) não serem as únicas existentes e nem possíveis, e que, portanto, não são universais. Nesse sentido, em certos aspectos seu antropomorfismo resvala em ideias etnocêntricas. Mas ele é um engenheiro florestal e não um antropólogo, portanto sua disciplina não vem sendo advertida do perigo disto há mais de cinquenta anos. A segunda crítica, ao meu ver, é o teor conservacionista que muitas vezes aparece no texto, que pende para um idealismo romântico no sentido de que seria necessário reestabelecer uma paisagem ancestral — a wilderness ou o mito da "natureza intocada" — para deixar as árvores envelhecerem e viverem como deveriam. Em um mundo composto por múltiplos coletivos que apresentam interesses e projetos diversos e na maioria das vezes contrastantes, vejo essa perspectiva como muito pouco realista e até mesmo perigosa, pois ignora a necessidade e a urgência de desenvolvermos novos mecanismos que propiciem o diálogo e a negociação — ao modo do "parlamento" de Latour — para continuarmos vivendo. Todos.
Darwin, C. (1862). On the various contrivances by which British and foreign orchids are fertilised by insects: and on the good effects of intercrossing. London: J. Murray.
Myers, N. (2015). Conversations on plant sensing : notes from the field.Natureculture, 3, 35-66.
Tompkins, P. & Bird, C. (1974). The secret life of plants. New York: Avon.
Viveiros de Castro, E. & Danowski, D. (2014). Há mundo por vir? Ensaio sobre os medos e os fins..Florianópolis – São Paulo: Cultura e Barbárie – Instituto Socioambiental.
Referencias
Darwin, C. (1862). On the various contrivances by which British and foreign orchids are fertilised by insects: and on the good effects of intercrossing. London: J. Murray.
Myers, N. (2015). Conversations on plant sensing : notes from the field. Natureculture, 3, 35-66.
Tompkins, P. & Bird, C. (1974). The secret life of plants. New York: Avon.
Viveiros de Castro, E. & Danowski, D. (2014). Há mundo por vir? Ensaio sobre os medos e os fins. Florianópolis – São Paulo: Cultura e Barbárie – Instituto Socioambiental.
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