A delimitação do urbano e do rural no Rio Grande do Sul, Brasil
The border between the urban and the rural in Rio Grande do Sul, Brazil
La delimitación de lo urbano y lo rural en Río Grande del Sur, Brasil
DOI:
https://doi.org/10.15446/rcdg.n18.13019Palabras clave:
território, o urbano, o rural, políticas públicas, desenvolvimento. (pt)territory, the urban, the rural, public policies, development. (en)
territorio, lo urbano, lo rural, políticas públicas, desarrollo. (es)
Universidade de Santa Cruz do Sul, Brasil.
* Dirección Postal: Av. Independência, 2293 Bairro Universitário, Santa Cruz do Sul-RS. Correo electrónico: talaska.alcione@gmail.com ** Dirección postal: Av. Independência, 2293 Bairro Universitário, Santa Cruz do Sul-RS. Correo electrónico: almir.ski@hotmail.com *** Dirección Postal: Av. Independência, 2293 Bairro Universitário, Santa Cruz do Sul-RS. Correo electrónico: jantonioafarias@hotmail.com
Recibido: 28 de agosto del 2009. Aceptado: 27 de octubre del 2009. Artículo de investigación que identifica una nueva tipología para diferenciar entre lo urbano y lo rural.
Resumo
A problemática de identificar o urbano e o rural no Brasil radica na utilização de conceitos e metodologias que são inadequados, pois oferecem uma visão deformada com relação à realidade dos municípios estudados. No Brasil, os critérios atualmente empregados para tal delimitação consideram-se atrasados, já que datam do Decreto-Lei 311 de 1938 e necessitam atualizações. Portanto, o objetivo é analisar o território do Rio Grande do Sul (Brasil), procurando delimitar o urbano e o rural a partir de uma proposta metodológica alternativa. Analisam-se três metodologias de delimitação do urbano e do rural (a oficial, a da OCDE e a de José Eli da Veiga), para depois estudar suas diferenças e similitudes e assim, propôr critérios metodológicos de acordo com as dinâmicas espaciais dos municípios. Este texto procura contribuir, em alguma medida, às discussões relacionadas com a emergência de um novo paradigma de diferentes e novas tipologias para tal classificação.
Palavras chave: território, o urbano, o rural, políticas públicas, desenvolvimento.
Resumen
La problemática de identificar lo urbano y lo rural en Brasil radica en la utilización de conceptos y metodologías que resultan inadecuados, porque brindan una visión deformadora de la realidad de los municipios estudiados. En Brasil, los criterios actualmente empleados para tal delimitación se consideran atrasados, puesto que datan del Decreto-Ley 311 de 1938 y están pendientes de actualizaciones. Por ello, el objetivo es analizar el territorio de Río Grande del Sur (Brasil), buscando delimitar lo urbano y lo rural a partir de una propuesta metodológica alternativa. Se analizan tres metodologías de delimitación de lo urbano y lo rural (la oficial, la de la OCDE y la de José Eli da Veiga), para estudiar sus diferencias y similitudes y, así, proponer criterios metodológicos acordes con las dinámicas espaciales de los municipios. Se busca contribuir, en alguna medida, a las discusiones sobre la emergencia de un nuevo paradigma y de diferentes y nuevas tipologías para tal clasificación.
Palabras clave: territorio, lo urbano, lo rural, políticas públicas, desarrollo.
Abstract
The difficulties that arise when identifying the urban and the rural in Brazil lie in the use of concepts and methodologies that result inadequate, since they end up giving a distorting view of the studied municipalities’ reality. In Brazil, the criteria employed currently for such delimitation are considered old-fashioned, since they originated from the Decree-Law 311 of 1938 and need to be updated. For these reasons, this study intends to analyze the territory of Rio Grande do Sul (Brazil), in order to delimit the urban and the rural from an alternate methodological proposal. Three methodologies for delimiting the urban and the rural (the official one, the OCDE’s and that of José Eli da Veiga) are used in order to study their differences and similarities and thus propose methodological criteria appropriate for the municipalities’ spatial dynamics. This text seeks to somehow contribute to the debates concerning the emergence of a new paradigm and of different and new typologies for such classification.
Keywords: territory, the urban, the rural, public policies, development.
Introdução1
A problemática tida na definição do que é urbano e do que é rural, particularmente no Brasil, retrata uma realidade em que a utilização tanto de conceitos quanto de metodologias mostra-se, na maioria das vezes, reducionista e perversora da realidade encontrada na maioria dos municípios brasileiros. A metodologia adotada atualmente para a delimitação do urbano e do rural no Brasil diverge da utilizada na maioria dos países. Essa metodologia baseia-se em critérios estabelecidos ainda no primeiro governo de Getúlio Vargas (1930-1945), mais precisamente no auge da Ditadura do Estado Novo, através do Decreto-Lei 311/1938.
Tal decreto estabeleceu a diferença dicotômica entre os espaços urbanos e rurais apenas a partir da delimitação territorial do urbano através das sedes dos municípios (cidades) e de seus distritos (vilas), sem a preocupação de combinar outros critérios que possibilitariam um recorte mais detalhado. A atualização desses critérios contribuiria para a produção de políticas públicas voltadas às especificidades e particularidades dos territórios rurais, dos territórios urbanos e dos territórios que apresentam características urbanas ou características rurais.
Dessa metodologia adotada oficialmente no Brasil, observamos uma distorção no nível de urbanização. A população brasileira considerada urbana supera a marca de 84%, enquanto a população rural é entendida meramente como a parte residual, e que está em caminho do desaparecimento. Salientamos que, a partir desta metodologia utilizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil é mais urbanizado que muitos países desenvolvidos e com elevadas taxas de urbanização, tal como os EUA, com taxa de urbanização igual a 80,8%, a Espanha com 76,7%, a França com 76,6%, a Itália com 67,5% e Portugal com 55,6% de taxa de urbanização (IBGE, 2008)2.
Em virtude disso, assistimos, nos últimos anos, uma ampliação de estudos e discussões sobre o significado e o tamanho do rural no Brasil. Estes estudos apontam para a necessidade e a importância da reavaliação da metodologia empregada atualmente em estudos oficiais no país, a fim de adotar-se uma metodologia que considere critérios específicos que permitam aferir de forma mais precisa as realidades territoriais brasileiras.
A constante reavaliação metodológica e de seus critérios para a delimitação do urbano e do rural contribuiria para a construção de um bom indicador do grau de modificação antrópica do ambiente. Segundo Veiga (2002), utilizar critérios definidores da ruralidade, baseados no diagnóstico da intensidade do uso do território em função da ação humana, retrataria de forma mais fidedigna a realidade urbano/rural do território brasileiro.
A partir desse contexto, pretendemos analisar a delimitação do urbano e do rural no Estado do Rio Grande do Sul/Brasil, partindo de um exame sobre dados secundários disponibilizados pelo IBGE (população, área territorial oficial e localização dos municípios) e tendo como referencia a base metodológica oficial brasileira e a metodologia alternativa desenvolvida por José Eli da Veiga. Partimos primeiramente de uma breve explanação sobre a delimitação do urbano e do rural, com alusão as abordagens dicotômica e de continuum. Posteriormente, assinalamos para a existência de metodologias alternativas à metodologia oficial brasileira, como as desenvolvidas pela OCDE3 e por José Eli da Veiga4. E por fim, realizamos um cruzamento de informações que possibilitam a visualização das diferenças entre as duas metodologias e seus desencontros no território do Rio Grande do Sul.
Assim, o presente estudo justifica-se pelo interesse em retratar as diferenças que a metodologia oficial brasileira e a desenvolvida por Veiga apresentam entre si. E ainda, pela necessidade de se discutir os problemas relacionados às definições do que seja urbano e rural, com a construção de novas tipologias que possibilitem a identificação e representação mais fidedigna das realidades territoriais.
O urbano e o rural a partir das abordagens dicotômicas e de continuum
As transformações recentes ocorridas na sociedade e nas relações entre o rural e o urbano têm desafiado estudiosos a construírem teorias e conceitos para explicar a realidade em que o mundo atual encontra-se. Nesta seção, apresentamos duas grandes abordagens teóricas, que de uma forma geral, procuram definir e explicar o rural, o urbano e suas relações. De um lado a abordagem dicotômica infere o urbano (cidade) como oposto ao rural (campo) e, de outro lado, a abordagem de continuum defende que o urbano e o rural não são opostos, mas sim próximos um do outro.
A abordagem dicotômica ou dualista é amplamente utilizada pelo senso comum. O urbano e o rural são entendidos como partes separadas, independentes um do outro. O rural é miticamente tratado como pobre, atrasado, trazendo a ideia de estar ligado unicamente a atividades agrícolas ou pecuárias, enquanto o urbano traduz-se carregado de uma ideologia positivista, sendo entendido como sinônimo de progresso, de “desenvolvimento” e de riqueza.
Esta abordagem é alvo de questionamentos no meio acadêmico, onde se procura avançar na discussão partindo-se do princípio que os conceitos formais de rural e urbano, baseados nesta dicotomia, são insuficientes para explicar os complexos processos sócioespaciais e econômicos em curso no território brasileiro.
Já a abordagem de continuum, de acordo com Wanderley (2001), considera relações de complementaridade entre os dois espaços, o urbano e o rural. Estas relações podem ser visualizadas a partir de uma vertente que privilegia o urbano em relação ao rural ou então a partir de outra vertente que evidencia que a relação de continuum rural-urbano aproxima e integra os dois polos extremos, mantendo suas particularidades.
A idéia do continuum rural-urbano, no caso da primeira vertente, indica que o extremo urbano do continuum é visto como o polo dominante, e por isso fon-te do progresso, enquanto o extremo rural entendido como o polo atrasado, com tendência a reduzir sua influência sobre o extremo urbano.
Segundo Wanderley (2001, p. 32-33), levada às últimas consequências esta vertente aponta para “um processo de homogeneização espacial e social, que se traduziria por uma crescente perda de nitidez das fronteiras entre os dois espaços sociais e, sobretudo, o fim da própria realidade rural, espacial e socialmente distinta da realidade urbana”5.
Com vistas a esta vertente do continuum rural-urbano, evidencia-se que o rural perderia sua identidade enquanto espaço rural, ou seja, o espaço urbano enquanto fonte de valores dominantes estabeleceria seu domínio sobre todo o conjunto urbano-rural da sociedade.
No caso da segunda vertente, o continuum rural-urbano é entendido
[...] ressaltando-se as semelhanças entre os dois extremos e a continuidade entre o rural e o urbano, as relações entre o campo e a cidade não destroem as particularidades dos dois polos e, por conseguinte, não representam o fim do rural; o continuum se desenha entre um polo urbano e um polo rural, distintos entre si e em intenso processo de mudança em suas relações. (Wanderley 2001, 33)
Nesta vertente, a autora afirma que mesmo havendo uma forte homogeneização entre os espaços rurais e urbanos, ambos manteriam diferenças significativas entre si, principalmente em reflexo as suas identidades socioeconômicas. Nessa segunda vertente do continuum, a existência do rural é reafirmada, diferentemente da primeira que afirma o seu desaparecimento.
Com vistas as abordagens apresentadas, salientamos que para o melhor entendimento ou conhecimento das ruralidades ou urbanidades expressas em determinado território, é necessária a observação das transformações socioeconômicas e ambientais que manifestam-se e concretizam-se neste território. Nesse sentido, um enfoque analítico territorial seria o mais adequado, visto que tanto o enfoque manifestado na abordagem dicotômica, quanto na abordagem de continuum inferem basicamente a contradição ou a complementaridade entre o urbano e o rural.
Novas abordagens metodológicas para a delimitação do urbano e do rural: O caso do Rio Grande do Sul, Brasil
Rio Grande do Sul (figura 1) a partir da metodologia oficial brasileira, a metodologia utilizada pelo IBGE, posteriormente descrevemos os critérios utilizados pela OCDE e, por fim, apresentamos a proposta de José Eli da Veiga para o caso brasileiro, através de mapeamento tipológico dos municípios do Rio Grande do Sul/Brasil.
A metodologia oficial brasileira foi estabelecida no auge do Estado Novo, pelo Decreto-Lei 311 de 1938. Este decreto definiu a delimitação do urbano e do rural no Brasil, e fez que
[...] todas as sedes municipais existentes virassem cidades, independentemente de quaisquer características estruturais ou funcionais. Foram consideradas urbanas todas essas sedes, mesmo que não passassem de ínfimos vilarejos ou povoados. Para futuras cidades seria exigida a existência de pelo menos 200 casas, e para futuras vilas (sedes de distrito), um mínimo de 30 moradias. Mas todas as localidades que àquela data eram cabeça de município, passaram a ser consideradas urbanas, mesmo que sua dimensão fosse muito inferior ao requisito mínimo fixado para as novas (Veiga 2001, 2).
Seguindo estes pressupostos estabelecidos pelo Decreto- Lei 311/1938, o IBGE, ainda nos dias atuais, classifica o território brasileiro levando em consideração as cidades, as vilas e os distritos como perímetro urbano6. A classificação fundamenta-se nas áreas, sendo a população classificada como rural ou urbana de acordo com a localização de seu domicílio. O rural, nessa perspectiva, é entendido como toda a área remanescente, ou seja, que estiver fora do perímetro urbano.
No entendimento de Abramovay (2003), este vício de raciocínio, de identificar-se o urbano a partir de um mínimo de adensamento populacional, um mínimo de acesso a infraestruturas e serviços básicos, contribui decisivamente para que as áreas rurais sejam assimiladas automaticamente a atraso, com carência de serviços e falta de cidadania.
Analisando brevemente os censos demográficos disponibilizados pelo IBGE fica evidente a crescente urbanização do território brasileiro. Como exercício, e para a ilustração desta afirmação com dados, buscamos no Atlas de Desenvolvimento Sócio Econômico do Rio Grande do Sul, que utiliza a base de dados do IBGE, a evolução histórica da população urbana do Estado do Rio Grande do Sul (figura 2).
Observamos na figura 2 que durante os últimos 65 anos a população urbana do Estado cresceu mais de 53% em relação a população rural, que seguiu em queda sucessiva. Segundo o referido Atlas, o total da população urbana do Rio Grande do Sul ultrapassou o total da população rural na década de 1960, mantendo a partir daí um crescimento constante.
Seguindo a metodologia empregada pelo IBGE, o Rio Grande do Sul apresenta a maior parte do seu território considerado como urbano (figura 3), sendo que a taxa de urbanização predominante no Estado está fixada em níveis superiores a 50%, chegando em várias áreas a 100%. A média da taxa de urbanização do Estado em 2000, segundo o Atlas Socioeconômico do Rio Grande do Sul, alcançou 81,6%, maior que a taxa de urbanização brasileira para o mesmo período, 81,2%.
Essa delimitação do urbano e do rural utilizada pelo IBGE é muito contestada no meio acadêmico. No entanto, com o intuito de contribuir com essa reflexão buscamos trabalhar novas alternativas metodológicas que possam retratar com mais fidedignidade o delineamento do urbano e do rural, identificando as novas ruralidades existentes no território do Estado do Rio Grande do Sul, obscuras à metodologia utilizada pelo IBGE.
A OCDE, segundo Abramovay (2006), cria em 1994 uma divisão de desenvolvimento territorial, cujo primeiro trabalho consistiu numa nova delimitação das fronteiras entre o rural e o urbano e na elaboração de indicadores que permitiram compreender as disparidades entre as diferentes situações territoriais encontradas nos países membros da organização.
Tal delimitação, de acordo com Veiga (2007), permitiu a elaboração de uma tipologia regional que considera como rurais as localidades que apresentarem densidade populacional inferior a 150hab/km2, salvo para o caso específico do Japão que devido à características singulares deve apresentar densidade populacional inferior a 500 hab/km2. Um segundo critério utilizado pela OCDE para definir os territórios rurais é a porcentagem da população que vive em localidades consideradas rurais. Assim, a classificação dos territórios pode ser tipificada em essencialmente rural, intermediário ou essencialmente urbano.
- Essencialmente Rural: localidades com mais de 50% de sua população vivendo no meio rural;
- Intermediário: localidades que apresentam população vivendo no meio rural entre 15% e 50%;
- Essencialmente Urbano: localidades com menos de 15% de sua população vivendo no meio rural.
É a partir desta tipologia que José Eli da Veiga aborda a necessidade de reorientação do que entende-se por urbano e por rural no Brasil, estabelecendo novos critérios que deveriam ser utilizados para sua definição. Veiga, servindo-se dos trabalhos realizados pela OCDE, toma a dianteira no debate deste tema, e nos últimos anos vem criticando veementemente a inadequação dos critérios normativos que definem o tamanho do rural no Brasil. Sua tese parte do pressuposto que o Brasil não é tão urbano quanto pensa-se, fato que é evidenciado no seu livro Cidades Imaginárias: O Brasil é Menos Urbano do que se Calcula (2002).
Veiga (2002, 31) afirma que “o entendimento do processo de urbanização do Brasil é atrapalhado por uma regra muito peculiar, que é única no mundo”. Veiga crítica a metodologia adotada pelo IBGE, que possibilita, por exemplo, que uma sede de um município com menos de 100 habitantes seja considerado como sendo urbano da mesma maneira que um município com mais de um milhão de habitantes (figura 4).
Para contornar esse obstáculo metodológico, mui-tos estudiosos procuraram não considerar como urbanos os habitantes que vivem em municípios com menos de 20 mil habitantes (VEIGA, 2002). Porém, para que a análise não torne-se ilusória, como os resultados encontrados a partir das análises respaldadas nas normas legais, é preciso combinar outros critérios. Veiga utiliza em sua delimitação a quantidade populacional do município, a densidade demográfica do município e sua localização. Diferentemente dos critérios estabelecidos pelo Decreto-Lei 311 de 1938, e pela metodologia utilizada pelo IBGE, Veiga distribui os municípios em três tipologias:
- Municípios Tipicamente Rurais: Municípios com menos de 50 mil habitantes e densidade demográfica inferior a 80 hab/km2;
- Municípios Ambivalentes: Municípios com população entre 50 e 100 mil habitantes ou municípios com população menor de 50 mil habitantes e densidade demográfica superior a 80 km2;
- Municípios Tipicamente Urbanos: Municípios com mais de 100 mil habitantes ou municípios localizados em aglomerações metropolitanas.
Os municípios podem ser considerados urbanos ou rurais, da mesma forma como define o IBGE, porém Veiga classifica-os também de acordo com critérios que possibilitam a identificação da intensidade do uso do meio ambiente em função da ação humana. Desse modo, tal avaliação possibilita a identificação de municípios que encontram-se na faixa intermediária entre o tipicamente urbano e o tipicamente rural, que são os considerados, por Veiga, como ambivalentes.
A tabela 1 demonstra a aplicação da metodologia oficial brasileira (IBGE) e da metodologia estabelecida por José Eli da Veiga para a distribuição da população do Estado do Rio Grande do Sul. Fica visível a discrepância entre as duas metodologias. Seguindo a metodologia do IBGE, a população urbana do Rio Grande do Sul em 2006 era de 83,4% da população total, já pela metodologia de Veiga esta porcentagem é reduzida em quase 30%, no ano de 2007 a população urbana correspondia a 54,7% da população total. A mesma discrepância é verificada na comparação da população rural, onde pelo IBGE se tem o indicador de 16,6% e pela metodologia alternativa se tem 27,7 % da população, uma diferença de aproximadamente 11%.
A grande diferença entre os resultados apresentados atesta o pressuposto de Veiga que nem o Brasil, e nem o Rio Grande do Sul são tão urbanos quanto se calcula. Tal diferença é encontrada principalmente pela criação de uma nova categoria de análise, na qual são identificados os municípios que não são tipicamente rurais, nem tipicamente urbanos, demonstrando assim, as no-vas ruralidades existentes no território. Essa categoria, juntamente com os critérios de análise desenvolvidos por Veiga, representa uma mudança no atual método de análise do urbano e do rural no Brasil, visto que se-guindo esta metodologia, 17,5% da população do Estado do Rio Grande do Sul vivem em municípios considerados ambivalentes, municípios, estes, que apresentam características tanto urbanas quanto rurais.
A partir da aplicação dos critérios definidos por Veiga na classificação do urbano e do rural no território riograndense, observa-se na tabela 2, que dos 496 municípios gaúchos, 40 são classificados como tipicamente urbanos (8,1%), 50 são considerados ambivalentes (10,1%) e a maioria deles, 406 são considerados, a partir desta metodologia, como tipicamente rurais (81,8%).
A espacialização desta classificação, através da identificação e localização dos municípios no mapa do Rio Grande do Sul (figura 5), demonstra e dá a noção das novas ruralidades ou das ruralidades que até então não eram identificadas pela metodologia oficial brasileira. Fica evidente neste contexto o tamanho do rural no Rio Grande do Sul.
Observamos que os municípios tipicamente rurais predominam no território riograndense. Já os municípios considerados ambivalentes, em menor número que os municípios classificados como tipicamente rurais e em maior número que os classificados como tipicamente urbanos, encontram-se bem distribuídos pelo Estado. Os municípios tipicamente urbanos localizam-se majoritariamente na região metropolitana de Porto Alegre, exceto Uruguaiana na região da Fronteira Oeste, Bagé na Campanha, Pelotas e Rio Grande na região Sul, Santa Maria na Depressão Central, Santa Cruz do Sul no Vale do Rio Pardo, Passo Fundo no Planalto Médio e, Caxias do Sul e Bento Gonçalves na região da Serra.
Considerações finais
Seguindo a sua metodologia normativa oficial, o Brasil (e o Rio Grande do Sul) em pouco tempo tornariase integralmente urbano. Em virtude disso e, ressaltando que a sociedade rural brasileira (e a do Rio Grande do Sul) não pode ser desconsiderada da formulação e direcionamento de políticas públicas, localizar espacialmente o rural é uma questão de fundamental importância para o conhecimento e planejamento do território.
O reconhecimento espacial das características particulares do território, sejam elas rurais ou urbanas, possibilitam um diagnóstico mais preciso dos problemas que manifestam-se no território e que precisam ser enfrentados através da formulação e implementação de políticas públicas. Acreditamos não ser possível dissociar integralmente o rural do urbano ou o urbano do rural, pois estes espaços sofrem influências de complementaridade, como é apontado na abordagem do continuum. No entanto, o reconhecimento das diferenças ou semelhanças das características urbano/rurais do território permite a identificação das heterogeneidades em seu espaço e, com isso, a mensuração da predominância das características urbanas ou rurais.
A aplicação dos critérios estabelecidos por José Eli da Veiga, para definir o urbano e o rural, evidencia que os territórios precisam ser mais bem analisados. A delimitação do rural e do urbano realizada nesse estudo confirma a necessidade de se avaliar, revisar e construir tipologias para tal análise, tipologias estas que possam tornar notáveis as diferentes realidades espaciais dos municípios brasileiros.
Neste contexto, muito embora o debate sobre a tipologia ideal e necessário a respeito do rural e o urbano esteja longe do consenso, dado sua complexidade e implicações de toda ordem, concluímos que as reflexões de José Eli da Veiga são importantes e oportunas, pois ao mesmo tempo que denunciam distorções conceituais e metodológicas, haja vista os desdobramentos que trazem no campo da política, economia, sociologia, antropologia e ecologia, chamam à atenção para a necessidade de uma reavaliação dos critérios oficiais, por-tanto políticos, a respeito deste tema.
Ou seja, a reavaliação dos critérios oficiais brasileiros, utilizados para definição do urbano e do rural, torna-se cada vez mais necessária. Somente uma releitura atualizadora da configuração espacial brasileira, com identificação das particularidades e especificidades de cada parcela do território, tornaria possível a inversão do quadro que se apresenta, nas últimas décadas, de crescente urbanização, possibilitando, a partir do respaldo nas reais características locais do território, a construção de novas propostas de desenvolvimento.
1 O trabalho aqui apresentado é resultado de estudos realizados na disciplina de Desenvolvimento Rural e Urbano, ministrada pela Profa Dra. Virginia Elisabeta Etges e pelo Prof. Dr. Rogério Leandro Lima da Silveira, no Programa de Pósgraduação em Desenvolvimento Regional da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC), Brasil.
2 Os dados referentes as taxas de urbanização, aqui apresentados, estão disponíveis no site do IBGE (2008).
3 A OCDE -Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico é uma organização internacional e intergovernamental que agrupa os países mais industrializados da economia de mercado. Originalmente a OCDE era composta por 20 países. Desde o seu surgimento em 1960, 10 foram os países que ingressaram na organização (OCDE, 2009).
4 José Eli da Veiga é professor de economia da FEA-USP, onde coordena o Núcleo de Economia Socioambiental (NESA). Além de artigos em periódicos científicos nacionais e estrangeiros, e diversos capítulos de obras coletivas, publicou 17 livros, entre os quais: Agricultura Sustentável (2005), Cidades Imaginárias (2002), A Face Rural do Desenvolvimento (2000), Metamorfoses da Política Agrícola dos EUA (1994).
5 A industrialização dos produtos agropecuários seria um fator que tenderia a aproximar o urbano do rural, fortalecendo o processo de homogeneização.
6 O perímetro urbano é definido por Lei Municipal.
7 Os dados utilizados na classificação da população de acordo com a metodologia de José Eli da Veiga são referentes ao ano de 2007. Como até o momento da conclusão do estudo, o IBGE não havia divulgado a população urbana e rural para o ano de 2007, as informações apresentadas na distribuição da população de acordo com a metodologia do IBGE se referem ao ano de 2006 e foram coletados junto à base de dados da Fundação de Estatística do Rio Grande do Sul -FeeDados.
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