Publicado

2020-01-01

Padrão territorial e crise do trabalho: o confinamento como forma de territorialização das relações sociais capitalistas contemporâneas

Territorial Pattern and Labor Crisis: Confinement as a Form of Territorialization of Contemporary Capitalist Social Relations

Patrón territorial y crisis del trabajo: el confinamiento como forma de territorialización de las relaciones sociales capitalistas contemporáneas

DOI:

https://doi.org/10.15446/rcdg.v29n1.76443

Palabras clave:

confinamento, descartabilidade do trabalho, gestão de populações, mobilidade do trabalho de crise, necropolítica, padrão territorial do confinamento (pt)
confinement, disposable labor, population management, labor’s mobility of crisis, necropolitics, territorial pattern of confinement (en)
confinamiento, desechabilidad del trabajo, manejo de poblaciones, movilidad del trabajo de crisis, necropolítica, patrón territorial del confinamiento (es)

Autores/as

A partir de uma consideração de Michel Foucault sobre a prisão e a atualização de seus questionamentos por Loïc Wacquant em pleno século XXI, apresentamos uma interpretação crítica acerca do sentido do padrão territorial de confinamento no mundo contemporâneo que incluiria a prisão, mas a extrapolaria. Expondo de forma breve a presença de padrões territoriais de confinamento ao longo do processo de modernização, seja na plantation, na região, seja no processo de metropolização, buscamos localizar o sentido de cada uma dessas práticas a partir das sugestões de Loïc Wacquant sobre as instituições peculiares, todavia discutidas à luz dos desdobramentos contraditórios da reprodução ampliada do capital que, devido à revolução microeletrônica, engendra uma acumulação fictícia à medida que prescinde progressivamente das populações não proprietárias para sua acumulação. Tendo esse cenário como parâmetro, exploramos o ponto onde o exercício da mobilidade do trabalho se cruza com aquele da biopolítica, transformando esta última em necropolítica em virtude da descartabilidade dos trabalhadores e nos permitindo qualificar e diferenciar o padrão territorial de confinamento hoje com relação às práticas similares pregressas, no contexto contemporâneo de mobilidade total em crise, de colapso da modernização e de seu horizonte civilizatório.

 

Ideias destacadas: artigo de reflexão sobre o padrão territorial do confinamento no mundo contemporâneo. Apresentamos padrões de confinamento anteriores, discutindo sua funcionalidade para a reprodução do capital. Interpretamos o padrão atual tomando-o justamente pela ruptura que estabelece com essa funcionalidade. Relacionamos sua constituição com a crise do trabalho e com a necrogestão populacional que dela emerge.

On the basis of Michel Foucault’s considerations on prisons and Loïc Wacquant’s updating of his inquiries in the 21st century, we provide a critical interpretation of the territorial pattern of confinement in the contemporary world, which includes but also goes beyond the prison. A brief presentation of territorial patterns of confinement throughout the process of modernization, whether in the plantation, the region, or the metropolization process, serves to situate the meaning of each one of these practices, on the basis of Loïc Wacquant’s suggestions regarding particular institutions, but discussed in the light of the contradictory developments of the expanded reproduction of capital, which, due to the microelectronic revolution, generates a fictitious accumulation as it gradually dispenses with the unpropertied populations for its accumulation. In this scenario, we explore the point at which the exercise of labor mobility intersects with that of biopolitics, transforming the latter into necropolitics, given the disposability of workers. This allows us to qualify and differentiate the territorial pattern of confinement today from previous similar practices, in the contemporary context of total mobility amidst crisis, of the collapse of modernization and its civilizatory horizon.


Main Ideas: Reflection article regarding the territorial pattern of confinement in the contemporary world. It discusses previous confinement patterns and their functionality in reproducing capital, and interprets the current pattern on the basis of the fact that it breaks with said functionality. We relate its establishment with the crisis of labor and the necro-management of population arising from the latter.

Desde una consideración de Michel Foucault sobre la cárcel y la actualización de sus indagaciones por Loïc Wacquant en pleno siglo XXI, presentamos una interpretación crítica acerca del sentido del patrón territorial de confinamiento en el mundo contemporáneo que incluiría la cárcel, pero la extrapolaría. Con una exposición breve sobre la presencia de patrones territoriales de confinamiento a lo largo del proceso de modernización, ya sea en la plantation, en la región o en el proceso de metropolización, buscamos ubicar el sentido de cada una de estas prácticas a partir de las sugerencias de Loïc Wacquant sobre las instituciones peculiares, pero discutidas a la luz de los despliegues contradictorios de la reproducción ampliada del capital que, debido a la revolución microelectrónica, genera una acumulación ficticia a medida que prescinde progresivamente de las poblaciones no propietarias para su acumulación. Considerando este escenario, exploramos el punto donde el ejercicio de la movilidad del trabajo se cruza con el de la biopolítica, transformando esta última en necropolítica a causa de la desechabilidad de los trabajadores y permitiéndonos calificar y diferenciar el patrón territorial de confinamiento hoy en relación con las prácticas similares previas, en el contexto contemporáneo de movilidad total en crisis, de colapso de la modernización y de su horizonte civilizatorio.


Ideas destacadas: artículo de reflexión acerca del patrón territorial del confinamiento en el mundo contemporáneo. Presentamos patrones de confinamiento anteriores y discutimos su funcionalidad para reproducir el capital. Interpretamos el patrón actual tomándolo, precisamente, por la ruptura que establece con tal funcionalidad. Relacionamos su constitución con la crisis del trabajo y el necromanejo poblacional que de esta emerge.

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DOI: https://doi.org/10.154 46/rcdg.v29n1.76443

Padrão territorial e crise do trabalho: o confinamento como forma de territorialização das relações sociais capitalistas contemporâneas

Territorial Pattern and Labor Crisis: Confinement as a Form of Territorialization of Contemporary Capitalist Social Relations

Patrón territorial y crisis del trabajo: el confinamiento como forma de territorialización de las relaciones sociales capitalistas contemporáneas

Ana Carolina Gonçalves Leite *
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Pernambuco - Brasil.

Daniel Manzione Giavarotti +
Laboratório de Geografia Urbana da Universidade de São Paulo, São Paulo - Brasil.

*Correspondência: Avenida Professor Moraes Rego, 1235, 6o ANDAR. Cidade Universitária, Recife, PE, 50670-901. Correo electrónico: carolina.gleite@ufpe.br . ORCID: 0000-0003-3121-48803.

+ Correo electrónico: dmgiavarotti@gmail.com . ORCID: 0000-0003-0941-6179.


Resumo

A partir de uma consideração de Michel Foucault sobre a prisão e a atualização de seus questionamentos por Loïc Wacquant em pleno século XXI, apresentamos uma interpretação crítica acerca do sentido do padrão territorial de confinamento no mundo contemporâneo que incluiria a prisão, mas a extrapolaria. Expondo de forma breve a presença de padrões territoriais de confinamento ao longo do processo de modernização, seja na plantation, na região, seja no processo de metropolização, buscamos localizar o sentido de cada uma dessas práticas a partir das sugestões de Loïc Wacquant sobre as instituições peculiares, todavia discutidas à luz dos desdobramentos contraditórios da reprodução ampliada do capital que, devido à revolução microeletrônica, engendra uma acumulação fictícia à medida que prescinde progressivamente das populações não proprietárias para sua acumulação. Tendo esse cenário como parâmetro, exploramos o ponto onde o exercício da mobilidade do trabalho se cruza com aquele da biopolítica, transformando esta última em necropolítica em virtude da descartabilidade dos trabalhadores e nos permitindo qualificar e diferenciar o padrão territorial de confinamento hoje com relação às práticas similares pregressas, no contexto contemporâneo de mobilidade total em crise, de colapso da modernização e de seu horizonte civilizatório.

Palavras-chave: confinamento, descartabilidade do trabalho, gestão de populações, mobilidade do trabalho de crise, necropolítica, padrão territorial do confinamento.

Ideias destacadas: artigo de reflexão sobre o padrão territorial do confinamento no mundo contemporâneo. Apresentamos padrões de confinamento anteriores, discutindo sua funcionalidade para a reprodução do capital. Interpretamos o padrão atual tomando-o justamente pela ruptura que estabelece com essa funcionalidade. Relacionamos sua constituição com a crise do trabalho e com a necrogestão populacional que dela emerge.


Abstract

On the basis of Michel Foucault’s considerations on prisons and Loïc Wacquant’s updating of his inquiries in the 21st century, we provide a critical interpretation of the territorial pattern of confinement in the contemporary world, which includes but also goes beyond the prison. A brief presentation of territorial patterns of confinement throughout the process of modernization, whether in the plantation, the region, or the metropolization process, serves to situate the meaning of each one of these practices, on the basis of Loïc Wacquant’s suggestions regarding particular institutions, but discussed in the light of the contradictory developments of the expanded reproduction of capital, which, due to the microelectronic revolution, generates a fictitious accumulation as it gradually dispenses with the unpropertied populations for its accumulation. In this scenario, we explore the point at which the exercise of labor mobility intersects with that of biopolitics, transforming the latter into necropolitics, given the disposability of workers. This allows us to qualify and differentiate the territorial pattern of confinement today from previous similar practices, in the contemporary context of total mobility amidst crisis, of the collapse of modernization and its civilizatory horizon.

Keywords: confinement, disposable labor, population management, labor’s mobility of crisis, necropolitics, territorial pattern of confinement.

Main Ideas: Reflection article regarding the territorial pattern of confinement in the contemporary world. It discusses previous confinement patterns and their functionality in reproducing capital, and interprets the current pattern on the basis of the fact that it breaks with said functionality. We relate its establishment with the crisis of labor and the necro-management of population arising from the latter.


Resumen

Desde una consideración de Michel Foucault sobre la cárcel y la actualización de sus indagaciones por Loïc Wacquant en pleno siglo XXI, presentamos una interpretación crítica acerca del sentido del patrón territorial de confinamiento en el mundo contemporáneo que incluiría la cárcel, pero la extrapolaría. Con una exposición breve sobre la presencia de patrones territoriales de confinamiento a lo largo del proceso de modernización, ya sea en la plantation, en la región o en el proceso de metropolización, buscamos ubicar el sentido de cada una de estas prácticas a partir de las sugerencias de Loïc Wacquant sobre las instituciones peculiares, pero discutidas a la luz de los despliegues contradictorios de la reproducción ampliada del capital que, debido a la revolución microelectrónica, genera una acumulación ficticia a medida que prescinde progresivamente de las poblaciones no propietarias para su acumulación. Considerando este escenario, exploramos el punto donde el ejercicio de la movilidad del trabajo se cruza con el de la biopolítica, transformando esta última en necropolítica a causa de la desechabilidad de los trabajadores y permitiéndonos calificar y diferenciar el patrón territorial de confinamiento hoy en relación con las prácticas similares previas, en el contexto contemporáneo de movilidad total en crisis, de colapso de la modernización y de su horizonte civilizatorio.

Palabras clave: onfinamiento, desechabilidad del trabajo, manejo de poblaciones, movilidad del trabajo de crisis, necropolítica, patrón territorial del confinamiento..

Ideas destacadas: artículo de reflexión acerca del patrón territorial del confinamiento en el mundo contemporáneo. Presentamos patrones de confinamiento anteriores y discutimos su funcionalidad para reproducir el capital. Interpretamos el patrón actual tomándolo, precisamente, por la ruptura que establece con tal funcionalidad. Relacionamos su constitución con la crisis del trabajo y el necromanejo poblacional que de esta emerge.


Introdução

Processos contemporâneos expressivos como o encarceramento em massa (Wacquant 2002, 2003); a generalização de políticas assistenciais que visam solucionar o problema da chamada “violência urbana”, em que as periferias são transformadas em campos de concentração a céu aberto (Augusto 2010), ou a conformação destas como “novas centralidades” resultantes da desarticulação do mercado de trabalho industrial em que se fundara a territorialização polar de centro e periferia; a fusão entre produção e reprodução observada quando a reestruturação impõe o trabalho autônomo, informal e domiciliar (Ribeiro 2019); a reversão de tradicionais dinâmicas de migração temporária para o assalariamento em alternativas de assentamento garantidas por políticas públicas de permanência no campo (Leite 2015); a expansão de barreiras às migrações internacionais; a xenofobia crescente e a proliferação de campos de refugiados e mercados de trabalho restritos para eles, entre outros, guardadas as suas diferenças, parecem exprimir, conforme os termos do debate geográfico, como seu padrão territorial comum, o confinamento.

Neste ensaio, discutiremos as condições da emergência desse padrão territorial — que hoje convive lado a lado com seu polo oposto, o das expulsões, da transumância compulsória e/ou da mobilidade supostamente total (Sassen 2016) —, mostrando como ele corresponde à forma de territorialização das relações sociais capitalistas no momento contemporâneo de sua reprodução, entendido como crise do trabalho (Postone [1993] 2014).

Outros contextos de fusão entre produção e reprodução e economia e política já foram produzidos historicamente pela necessidade de “fechar” aquilo que a bibliografia chamou de “região” (Oliveira 1987) para garantir a mobilização do trabalho e a acumulação do capital. O próprio escravismo colonial na forma da plantation consistia numa das mais completas formas de expropriação e biopolítica (Mbembe 2018), mas que tinha como pressuposto da sua imposição o confinamento. No processo de mobilização do trabalho, com o desenvolvimento da sociedade capitalista, essa forma seria substituída, entretanto, tendencialmente, por aquilo que, de forma apologética, ficou conhecido como “mobilidade perfeita” do trabalho (Gaudemar 1977) e para a qual deveria operar a também apologética “integração nacional”. Esse processo produziria as oposições cidade e campo, na escala da produção, e centro e periferia, no processo de metropolização, organizando a circulação daquela mercadoria (a força de trabalho) num mercado nacional, por sua vez, base para a consolidação do território que, enfim, viria substituir os antigos “arquipélagos” (Oliveira 1987) que colonialismo e imperialismo teriam imposto à formação brasileira.

É justamente a crise dessa dinâmica de produção de forças de trabalho para o consumo industrial e da alternância entre sua reprodução e sua utilização produtiva que aparece a emergência do confinamento como forma de territorialização das relações sociais capitalistas contemporâneas. É, apenas para explorar uma das modalidades do problema, a prevalência dos serviços como alternativa para a geração de emprego e renda, em detrimento da indústria, desarticulando o tradicional pêndulo que configurara as metrópoles, em favor de alternativas de trabalho nas próprias periferias que vão de pequenos comércios, salões de cabeleireiro, creches, organizações não governamentais (ONGs) etc., ao comércio do crime — associado à atuação de milícias que têm como o seu principal “negócio” “fechar” territórios. A transcendência da forma prisão, que nunca foi só uma instituição, mas sobretudo uma política, nas políticas assistenciais que acabam por transformar em assistida a liberdade de todos, viria a completar essa forma.

Ainda que seja decisiva a interpretação que hoje reconhece a emergência desse processo como hegemonia da biopolítica (Foucault 2008), torna-se necessário discutir o fundamento dessa mudança na forma de controle que impõe a governamentalidade como uma espécie de substituto da antiga docilização dos corpos para e pelo trabalho. Esse fundamento seria encontrável justamente na crise do trabalho como resultado da contradição central da reprodução capitalista que, ao promover a acumulação, promove também o aumento da composição orgânica do capital responsável tendencialmente por expulsar do processo produtivo o trabalho vivo, formando uma sociedade de sujeitos monetarizados sem dinheiro (Kurz 1992). O desemprego, a flexibilização, a terceirização e a precarização que hoje aparecem como resultado estrito da tônica neoliberal, mas que têm profunda relação com esse processo, estariam, contudo, na superfície desses desdobramentos que coincidiriam não só com a consolidação da gestão de populações como forma diante da qual a exploração do trabalho parece antediluviana, mas também com a produção, inerente a ele, da vida nua (Agamben [1995] 2007), de corpos abjetos (Butler 2015), matáveis porque estruturalmente descartáveis diante do fetichista ponto de vista funcional da própria sociedade capitalista.


Das prisões ao encarceramento em massa, dos desequilíbrios territoriais ao confinamento

Concomitantemente à supressão dos suplícios punitivos e à modificação do objeto principal da repressão do corpo para a alma, Foucault ([1976] 2001) identificou o surgimento da prisão. Em toda a Europa monárquica, o castigo da pena se realizava tradicionalmente mediante um sofrimento físico incessante e brutal infringido sobre o condenado, porque coisa do rei. Com o fim do absolutismo, esse corpo vai se tornando progressivamente objeto de apropriação social, cuja utilidade deve coincidir com a reprodução da sociedade burguesa. Para tanto, sob o julgamento dos delitos codificados, são invocadas paixões, instintos, anomalias, enfermidades e inadaptações, atribuídas a meio ambiente ou hereditariedade, menos para explicar atos que para instituir os padrões desviantes.

Em conjunto com a prisão emerge, portanto, uma população que lhe será correspondente e para a qual aquela deve servir como tecnologia de controle voltada à docilização, neutralização da periculosidade e modificação das disposições criminosas. Mais que um prédio ou uma instituição destinada a castigar ou corrigir aqueles indivíduos — para Foucault ([1976] 2001), antes de tudo uma política —, a prisão se caracterizaria por um imanente paradoxo, qual seja: o de ter a reativação das técnicas penitenciárias como único modo de reparar o fracasso permanente destas e de ter a realização do projeto corretivo como único método para superar a impossibilidade de torná-lo realidade. Ao invés de procurar extinguir a criminalidade contra a qual supostamente se volta, contribuiria, com efeito, para sua manutenção num círculo vicioso e sem fim: a prisão sendo dada como seu próprio remédio.

O questionamento que irrompe na reflexão de Foucault ([1976] 2001) sobre o porquê da persistência da prisão mesmo sendo possível seu fim apareceria atualizado por Wacquant com uma pergunta que nos sugere acompanhar as transformações em seu sentido: “Para que serve, finalmente, a prisão no século XXI?” (Wacquant 2003, 155). Por um lado, a tônica do seu argumento se assemelha com algo já proposto por Foucault, voltandose a enfrentar a cortina de fumaça (ou seria o paradoxo?) que envolve a discussão sobre os objetivos da pena prisional — ressocialização, neutralização, correção daqueles tornados seus objetos. Por outro, trataria de enfatizar a historicidade que tem a emergência contemporânea de um Estado francamente penal, relacionando-a com a liberalização econômica, à medida que reforça a ascensão de um salariado precário, seja manifesto no desemprego em massa, seja na miséria laboriosa, e promove, concomitantemente, o desmantelamento das políticas de proteção social, substituídas por aquelas de hipertrofia do aparelho punitivo.

O processo que mobiliza a investigação de Wacquant (2003) é o vertiginoso encarceramento ocorrido nos Estados Unidos da América — doravante EUA —, entre 1975 e 1995. Após a população carcerária estadunidense ter atingido, em 1973, seu nível mais baixo durante o pós-guerra, contra qualquer expectativa, ela aumenta de maneira sem precedentes numa sociedade democrática, dobrando nos dez anos subsequentes e quadruplicando em vinte, aproximadamente, e chegando a ter o incremento de 2.000 detentos por semana durante toda a década de 1990 para alcançar o impressionante número de 600 prisioneiros para 100.000 habitantes.

Mobilizaria sua investigação também o fato de esse aumento não guardar relação alguma com o aumento da criminalidade violenta, resultando, muito mais, do alargamento da reclusão para delitos que, até aquele momento, não incorriam em condenação dessa natureza. A guerra contra as drogas seria o leitmotiv desse modelo punitivo generalizado pelos EUA e depois exportado para a América Latina e para os países europeus, que se fundaria na passagem de uma guerra contra a pobreza para uma guerra contra os pobres.

Sem deixar de sustentar seu argumento sobre a vinculação entre o encarceramento massivo e a ascensão neoliberal que vai pondo fim ao Estado caritivo, num estudo posterior, em que analisa a questão racial nos eua, Wacquant (2002) dedica-se a relacionar a prisão a outras modalidades do que ele nomeia como “instituições peculiares”, as quais teriam se seguido na tarefa de definir, confinar e controlar os afro-americanos nos eua, a saber, a escravidão, o sistema Jim Crow e o gueto1. Investigando a existência de uma relação genealógica entre escravidão e superencarceramento, o autor buscaria não apenas continuidades que permitiriam compreender a aparição pouco conflitiva do último, mas também rupturas que acabariam desviando o sentido, mesmo entre equivalentes funcionais. E a mais importante para os propósitos da nossa argumentação consistiria no fato de o encarceramento massivo deixar de operar como operavam as três instituições peculiares precedentes, que serviriam para a simultânea extração de trabalho e condenação ao ostracismo social.2

Para Wacquant (2002), no fim dos anos de 1960, o gueto já estava prestes a se tornar funcionalmente obsoleto,sobretudo do ponto de vista da extração de trabalho, em virtude da passagem de uma economia industrial para uma economia de serviços suburbana e do incremento do mercado de trabalho com imigrantes provenientes do México, Caribe e Ásia3. Nesse contexto, que se definia também pelas conquistas resultantes de décadas de luta dos afro-americanos pelos direitos civis e pelas novas condições por elas proporcionadas para a resistência às formas precedentes de confinamento, a segregação seria recriada pelo engajamento direto dos próprios brancos, os quais abandonavam escolas públicas, deslocavam-se em massa para subúrbios, voltavam-se contra programas sociais e entusiasmavam políticas de segurança de “tolerância zero” responsáveis pela passagem do gueto à prisão, ao menos para seus membros mais difamados e tidos como perigosos4.

Essa falta de funcionalidade que o gueto num determinado momento já apontava se exprimiria completamente na inexistência de missão econômica positiva para o encarceramento em massa, no que se refere tanto ao recrutamento como ao disciplinamento de trabalhadores. O sistema carcerário:

    serve apenas para armazenar as frações precárias e desproletarizadas da classe operária negra, seja porque não conseguem encontrar emprego devido a uma combinação de falta de preparo, discriminação dos empregadores e competição de imigrantes, seja porque se recusam a submeter-se à indignidade do trabalho abaixo do padrão nos setores periféricos da economia de serviços — aquilo que os moradores do gueto costumam chamar de slave jobs, “empregos escravos”.5 (Wacquant 2002, 23)

A substituição do gueto pelo encarceramento em massa — entendida pelo autor como o rompimento da sucessão entre as instituições peculiares, uma vez que a função de extração de trabalho, antes reproduzida simultaneamente à de condenação ao ostracismo social, começa a ser perdida no primeiro para dela não sobrar nada naquele último — seria apresentada, por Augusto (2010), quase que às avessas, referindo-se à sociedade brasileira, e em conjunto com uma crítica à interpretação de Wacquant (2002).

Pensando a partir da experiência brasileira, o autor sugeriria que está a ocorrer uma espécie de flexibilização das austeras práticas prisionais, mas apenas de maneira a perpetuar e aumentar sua incidência sobre as pessoas. Assim, as mudanças não ocorreriam simplesmente na prisão, mas em todo o seu entorno, fazendo com que o encarceramento a extravasasse e ganhasse centralidade no conjunto da vida social, assim, moderada e controlada.

Esse processo não ocorreria, contudo, senão reproduzindo distinções, objetificando diferencialmente os espaços e tendo as periferias das metrópoles de São Paulo, mas não só, como alvos prioritários de uma intervenção específica. Pelo espectro dos controles que aí incidem, responde a um conjunto de opções que induzem ou convocam os moradores a não saírem ou a voltarem muito rapidamente, isso no caso daqueles que chegam a trabalhar fora dos locais em que residem, porque, para muitos, o confinamento açambarca inclusive sua circulação no mercado de trabalho6. Nesse processo, conjugado com a lógica em curso, de uma sociedade do controle Deleuze 1999) expansiva a ponto de incorporar não apenas policiais, prisioneiros e delinquentes, mas “todos e mais um pouco, até mesmo [os] que ainda não tenham sido transformados em perigo para a sociedade” (Augusto 2010, 268), as periferias se tornariam “campos de concentração a céu aberto”.

Por não se ocupar tão especificamente de instituições, e sempre guardadas as devidas diferenças entre os eua e o Brasil, o passo crucial que dá Augusto (2010) com relação a Wacquant está no reconhecimento da constituição de outra espécie de gueto — se o artifício da comparação entre gueto e periferia como campo de concentração a céu aberto pode ser mobilizado exclusivamente à medida que expõe certa dimensão confinada de nossa experiência social — não a ser substituído pelo encarceramento massivo, mas realiza-se como prolongamento do seu sentido que deve persistir para além dos muros da prisão.

O destaque dado por Wacquant (2002) para a inflexão que representa a massificação do encarceramento passa, contudo, ao largo da análise de Augusto (2010), por este estar preocupado sobretudo com uma crítica irrestrita da prisão. Com isso, ele acaba deixando de considerar o nexo entre aquela inflexão e a perda de qualquer missão econômica positiva da instituição e dos próprios desproletarizados, seus objetos.

Referências a esse contexto até aparecem em sua análise, por exemplo, quando ele relaciona a ampla presença da sociedade civil no exercício daqueles controles plurais com prescrições neoliberais. Não chegam, todavia, a oferecer uma explicação de conjunto do processo, ficando circunscritas ao reconhecimento de uma espécie de visão de mundo que o autor identifica como a “crítica neoliberal” simplesmente “absorvida” pelos Estados, conquanto isso ocorra em escala “planetária”, como ele mesmo reconhece (Augusto 2010, 269).

Retomando Rusche e Kirchheimer ([1993] 2004) a propósito da relação entendida como necessária entre um desenvolvimento específico das forças produtivas e o estabelecimento de penalidades que lhe são correspondentes, o ensaio de Pedro Rocha de Oliveira (2016) parece dar conta de algumas insuficiências destacadas acima. À medida que se preocupa em investigar a emergência hodierna de uma prática punitiva de caráter territorial, divisa, por um lado, o prolongamento da prisão além do prédio ou da instituição e, por outro, ao identificar como objetivo dessa abordagem territorial uma exclusão populacional seletiva, retoma a desproletarização, inclusive contextualizando-a em políticas populacionais para as quais sempre há punição adequada.

O autor passa pelo escravismo, pelas casas de correção da aurora manufatureira, pela contiguidade existente entre fábrica e prisão e pela possibilidade de monetarização das penas para classes proprietárias no pós-guerra, para chegar à política penal sob o neoliberalismo como exclusão potencial de parte da população do mercado de trabalho. Sem embargo, a ideia de discriminação econômica, que fundamenta e ordena as mencionadas políticas populacionais, definindo os termos da seleção dos economicamente supérfluos, apresenta alguns limites, pois não incorpora, conceitualmente, a discriminação racial que, sem a menor dúvida, ao passo que era produzida, também produziu as políticas populacionais que se desdobraram com o desenvolvimento capitalista.

Seu ponto de partida para a análise da política penal contemporânea é igual ao de Wacquant: o aumento do encarceramento não corresponde a um aumento da criminalidade, mas, sim, da abrangência do que é criminalizável e coincide com a implementação de uma verdadeira guerra às drogas. E já que as políticas penais respondem à alteração do sentido econômico da população, elas teriam raiz no regime de acumulação contemporâneo, qual seja: não se trata propriamente de uma guerra ao crime organizado, posto que este não passa de uma faceta da atividade econômica irregular no mundo do trabalho precário. À guerra às drogas, corresponde a ação governamental que tem por objeto “os pobres puníveis que vivem além das margens da economia formal” (Oliveira 2016, 257).

Só que, além de essa ação abarcar confronto armado, encarceramento e tutela judicial, ela também compreende o estigma da não empregabilidade para essa população, segregando-a para áreas específicas das cidades, o que revela a expressão territorial daquele governo armado e punitivo7. O autor passa por alguns exemplos, que incluem a política de “tolerância zero” em Nova York e a definição das Zonas Urbanas Sensíveis (ZUS), hoje, Bairros Prioritários, em toda a França, onde, desde 1996, a polícia concentra policiamento intensivo e proativo, e, desde onde, espalharam-se os inúmeros motins ocorridos em 2005, para chegar até a política de ocupação e administração armada empreendida no estado do Rio de Janeiro mediante o programa de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPS), inaugurado em 20088.

O prolongamento da prisão e o caráter territorial assumido pelo processo se definem claramente aqui numa análise que incorpora ainda a transformação das políticas penais e seu nexo com o desenvolvimento capitalista. Contudo, na conclusão, ao invés de ganhar destaque a descontinuidade que representa o estado de coisas descrito, marcado pela especificidade que representa a exclusão potencial de parte da população do mercado de trabalho e a existência de uma população efetivamente supérflua, Pedro Rocha de Oliveira (2016) dilui-a numa explicação genérica e indeterminada acerca de uma estrita desigualdade econômica desde a migração interna até as fronteiras agrícolas e, ao mesmo tempo, específica, ao referir os espaços de pobreza como característicos do capitalismo brasileiro. Dentro desse quadro analítico, o autor menciona, muito de passagem, nos últimos dois parágrafos do seu ensaio, uma distinção entre o surgimento do capitalismo e seu momento contemporâneo em virtude de haver, inicialmente, a expectativa de incorporação no mundo do trabalho dos punidos que ele mesmo identificou como supérfluos, enquanto agora essa perspectiva civilizatória teria desaparecido — da nossa perspectiva, somente assim realizada a efetiva superfluidade.

Sem tratar de relacionar abrangência territorial, política penal e encarceramento, uma vez que se ocupa de outras problemáticas, tais como o conceito de desterritorialização, dos territorialismos das sociedades tradicionais até a desvinculação extrema de todo e qualquer território, Haesbaert (2012) formula a noção de aglomerados de exclusão, em que afirma mais explicitamente a ruptura de cuja interpretação acima reclamávamos. Tais amontoados humanos seriam formados por uma massa de despossuídos sem o menor acesso às redes que promovem sua exclusão e sem a menor autonomia para definir seus circuitos de vida. Resultantes de um novo padrão tecnológico imposto pelo capitalismo, são totalmente marginalizados ante o processo de produção e não podem ser entendidos segundo a acepção marxista de exército de reserva: “Daí sugerimos o termo aglomerados de exclusão para os espaços ocupados por esses grupos” (Haesbaert 2012, 166).

Mais que espaços excluídos e amorfos, seriam desordenados por neles se cruzarem uma multiplicidade de redes e territórios que não permitem definição e identidades claras. É como se de fato tivessem certo vazio de sentido, o mesmo encontrado na noção de “massa” para o qual os aglomerados seriam a contrapartida geográfica9. Os exemplos trazidos pelo autor dessa relação seriam os de grupos sem-teto, campos de refugiados e do emaranhado de disputas territoriais em que ocasionalmente se inserem narcotráfico, bicheiros, polícia, igrejas pentecostais etc., nos morros cariocas. Com respeito a estes últimos, contudo, ele argumenta ser necessário investigar se não ocorrem formas de reterritorialização à margem da legalidade ou da territorialidade dominante, conformando nítidos territórios, segregados, mas internamente coesos no que se refere a regras e valores10.


O estado de exceção constitutivo da soberania moderna

O vínculo entre o surgimento da prisão e a instituição de desviantes, o vínculo desta com outras instituições ou políticas igualmente ancoradas na identificação de uma população que lhes corresponde e especialmente seu extravasamento na produção de uma abrangência territorial para controle e segregação, que viemos investigando nos autores apresentados, podem ser pensados igualmente com referência à relação entre soberania e estado de exceção. Mas não a soberania entendida de maneira normativa como “autoinstituição” e “autolimitação” nos quadros daquela concepção em que a política aparece como um projeto de autonomia e como realização do acordo entre uma coletividade que se comunica e se reconhece. Ao contrário, considerando-a em seu sentido negativo, como a possibilidade de decidir sobre o estado de exceção, por exemplo, suspendendo as leis numa situação tratada como de emergência11.

Em primeiro lugar, porque o exercício da soberania tem íntima relação com o estabelecimento de relações de inimizade, o que pressupõe a produção de inimigos, mais ou menos como no caso dos desviantes. No cerne da elaboração de Foucault ([1999] 2005) sobre o biopoder e o exercício do direito soberano de matar decorrente do estado de exceção, aparece a produção de populações pela separação das pessoas. Inclusive a subdivisão da espécie humana em grupos e o erguimento de uma cesura biológica entre uns e outros, o que ele entende por racismo, seria justamente uma tecnologia destinada a permitir e justificar o exercício do biopoder.

Em segundo lugar, porque implicou historicamente a constituição de zonas onde os controles e as garantias de ordem judicial ou não existem ou podem ser suspensos. Para Mbembe (2018), antes da emergência dessa zona nos campos estabelecidos pelo Estado nazista12, a colônia e, sobretudo, a plantation já operavam assim. Nelas, a condição de escravo se definia pela alienação: da sua origem, dos direitos sobre seu corpo e de qualquer estatuto político numa humanidade que não passava de uma sombra personificada. Apesar de mantido vivo, por ser propriedade do senhor, o escravo tinha sua existência instrumentalizada mediante crueldades e horrores diversos13. Essa representação da colônia como zona onde a soberania consiste no “exercício de um poder à margem da lei (ab legibus solutus) e no qual a ‘paz’ tende a assumir o rosto de uma ‘guerra sem fim’” (Mbembe 2018, 32-33) alinha-se à noção de soberania, sugerida por Schmitt ([1950] 2014)14.

O trabalho do autor desenvolve-se em torno da crítica daquela perspectiva positivista que toma o campo jurídico como uma convenção. Ele seria um resultado concreto do nomos da terra (Schmitt [1950] 2014), cuja localização é o solo europeu justamente porque lá se estabeleceria o Estado15. Sua primeira forma de existência seria o Jus publicum europaeum, que pode ser entendido como o Direito Público Internacional que vigorara entre os Estados territoriais europeus delimitados por fronteira que se reconhecem mutuamente e asseguram a soberania uns dos outros16. Sem embargo, tal soberania só teria se tornado possível porque, em diferente lugar, havia terras livres, espaço livre. Schmitt ([1950] 2014) traçava, assim, um vínculo direto entre civilização e colonização, apresentando esta última como condição imperecível da primeira, já que ela só se manteria à custa de que os novos territórios apropriados livremente pelas potências europeias em disputa jamais se transformassem em Estados, eliminando aquela separação17.

A separação entre a Europa e o novo mundo foi estabelecida pelas amity lines (linhas de amizade) que integravam literalmente o quadro mais geral de uma cartografia metafórica de linhas globais, das quais as rayas hispano-ibéricas foram um exemplo. Enquanto aquém-linha vigorava o Direito Público europeu, para além dela, era instaurada uma espécie de vale-tudo que incluía roubo, apresamento e pirataria, nas disputas entre nações europeias que não estavam necessariamente em guerra e contra os “selvagens” que habitavam as colônias. A soberania europeia seria garantida pelo estado de exceção permanente territorializado além da linha18.

Para que a crescente violência política na Europa pudesse ser contida, teriam sido necessárias terras disponíveis onde tal escalada não encontrasse limites. Para que existissem borders, as fronteiras que delimitavam a terra e permitiam que dela emanasse o nomos, o Direito Público, teria sido necessária uma frontier para a expansão europeia. Sua ordem advinha da instauração da desordem mundial19.

Desordem na qual se inseria o território que viria a se consolidar como Brasil, submetido aos desígnios da colonização e do estado de exceção que, todavia, à medida que o processo de modernização das relações de produção foram adquirindo ossatura na forma de um projeto nacional de modernização, guardava a promessa de se integrar às amity lines e superar o estado de vale-tudo ao qual se encontrava submetido. Promessa essa que, entretanto, não pareceu se realizar plenamente, ao menos de acordo com as melhores contribuições da tradição crítica brasileira (Arantes 2016). Em outras palavras, para aquela tradição, o processo de modernização nacional não teria sido capaz de superar seus aspectos arcaicos, estivessem eles numa forma de acumulação assentada na extração de mais-valia absoluta ou na não universalização dos direitos (Paoli 2007). Buscando criticar essa matriz de interpretação da sociedade brasileira (guardadas suas diferenças internas que não poderão ser aqui apresentadas e discutidas), como ficará claro adiante, estamos propondo um olhar sobre a forma de territorialização contemporânea do confinamento contrário à ideia de reposição daquelas condições, mas à luz das novidades históricas produzidas pela dinâmica temporal específica do capital (Postone 2014), entendido este último como uma “contradição em processo” (Marx 2011, 588).

Da docilização à governamentalidade, da “região” ao confinamento

O caminho percorrido até aqui sugere uma relação entre formas de gestão populacional emergidas em conjunto com o capitalismo contemporâneo, como o encarceramento em massa ou a transformação das periferias em campos de concentração a céu aberto, e outras, mais antigas, que parecem ter sido suas correlatas na formação do capitalismo, como o escravismo colonial ou as casas correcionais (Augusto 2010; Oliveira 2016; Wacquant 2002). E não somente no que se refere às suas funções de controle, condenação ao ostracismo social ou extração de trabalho, cuja eficácia pode, inclusive, ter se perdido. Mas, também, com relação ao estatuto jurídico (ou a falta dele) tanto das primeiras formas como das últimas, caracterizado por ter a exceção como regra (Arantes em TV Boitempo 2016; Bercovici 2013; Mbembe 2018). O próximo passo é ultrapassar a mera analogia, morfológica, funcional ou restrita ao estatuto jurídico, em direção a uma análise da metamorfose histórica e categorial dessas formas em sua relação com o processo de modernização, o que exigirá também uma metarreflexão sobre as perspectivas teóricas em debate.

De modo distinto da ideia de gestão ou governo de populações ou, mais precisamente, do conceito de população mobilizado em muitas das referências que viemos discutindo até agora20, Marx (1983) desdobraria, a partir de problemas espelháveis ou assemelháveis, a questão da mobilidade do trabalho21.

A mobilidade do trabalho se define, primeiramente, pelo fato de o trabalho ser uma mercadoria e de esta ser diferente de todas as outras, posto ser a única que pode ir sozinha ao mercado e cujo consumo produtivo cria valor novo, viabilizando a reprodução ampliada do capital22. O seu consumo produtivo depende, todavia, de que a força de trabalho seja encontrada disponível na circulação. Para tanto, seus proprietários precisam haver se tornado livres num duplo sentido: devem dispor dela à sua vontade e estarem livres de qualquer outra mercadoria para a troca (e dos meios de produção e de subsistência), que não seja sua própria força de trabalho. Essa condição, resultante do processo de expropriação, da assim chamada “acumulação primitiva” (Marx 1984) ou da mobilização do trabalho, é que forma a mobilidade.

A reprodução ampliada do capital não depende, no entanto, apenas da existência do trabalho como mercadoria e da sua disponibilidade no mercado. Ela impõe, ainda, ao trabalho, a mesma fluidez que deve ter o capital. Essa fluidez, dimensão com a qual completamos o quadro de referências da mobilidade do trabalho, diz respeito à forma como o trabalhador se insere no mercado de trabalho e interage com suas características multidimensionais, estando constantemente sujeito à migração, às mudanças de emprego, ao conteúdo da atividade produtiva e às horas trabalhadas. No limite, ele tem de ser adaptável e indiferente às qualidades específicas do conteúdo do seu trabalho.

E mesmo a existência do trabalho como mercadoria, sua disponibilidade no mercado, fluidez e adaptabilidade não são, sozinhas, garantias da reprodução ampliada do capital. Para que ela ocorra, finalmente, os salários não podem subir a ponto de perseguirem de perto o novo valor produzido, prejudicando a acumulação pelo rebaixamento da extração de mais-valia. Marx (1984) descobrira ainda que a manutenção dos salários dentro de tais limites dependia da produção daquilo que chamou de “superpopulação relativa”. Seria necessário que, além da população empregada, houvesse também um exército industrial de reserva que pertencesse ao capital da mesma maneira que a primeira, na medida em que pressiona para baixo seus salários23.

Analisando a proposta do economista britânico Wakefield para produzir trabalhadores assalariados nas colônias, conhecida como “colonização sistemática”, Marx (1984) descobre também que a produção daquela superpopulação relativa necessariamente exigiria um controle do acesso à terra que fizesse os colonos emigrados terem que trabalhar antes para o capital que para si mesmos24. Era o segredo da metrópole revelado pela colônia, por ser ele um fundamento comum a ambas25. Isso por um lado. Por outro, o exame da colônia evidenciava a particularidade de cada processo de mobilização do trabalho que já não poderia ser restrito aos moldes da acumulação primitiva inglesa. Permitiria até dizer que cada processo de mobilização e mobilidade do trabalho é acompanhado de um padrão, correlato, assumido pela territorialização do capital (Leite 2015).

Investigando a substituição do trabalho escravo pelo trabalho livre no Brasil, também pudemos identificar um desses padrões26. O campo em questão era informado por um antagonismo entre autores que interpretavam, para darmos um exemplo, o colonato, a morada ou a agregação, como formas de um quase assalariamento, embora houvesse produção direta dos meios de vida, ou como formas quase camponesas, embora houvesse momentos da relação mediados por remuneração monetária. Propusemos a tese de que aquelas eram as formas possíveis de mobilizar trabalho num contexto de ampla disponibilidade de terras e de impossibilidade de manutenção do cativeiro do trabalho (Boechat 2013; Leite 2015; Toledo 2008). Com a fronteira fundiária aberta e um nível de desenvolvimento técnico que, sozinho, não assegurava a expulsão relativa de braços do processo produtivo, a superpopulação relativa não podia se formar. O acesso à terra e a possibilidade de produção direta dos meios de vida respondiam justamente a isso. Para que ambos pudessem ser mobilizados na acumulação capitalista, contudo, era necessário um tipo de domínio sobre as terras acessadas que a fazenda ou exercia ou pretendia impor, no caso de encontrar posseantes no seu processo de expansão. Assim, não estavam criadas as condições para que se autonomizassem nem o trabalho da terra nem o capital da terra e da violência. O coronelismo, o domínio político ou mesmo o curral foram formas de aparecimento dessa relação porque ela efetivamente implicava uma espécie de fechamento territorial que circunscrevia a mobilização do trabalho na forma territorial particular de reprodução do capital identificada como regional27.

O processo de abertura das regiões rumo à chamada “integração nacional” consolidou o exercício da mobilidadedo trabalho por parte dessa população antes confinadanas regiões. O exercício dessa liberdade contraditória(Gaudemar 1977), porque submetida aos desígnios dareprodução ampliada do capital, não apenas produziuum deslocamento dessa população internamente ao território nacional, na forma das chamadas “migrações internas”, mas sobretudo a produção de espaços e novos padrões de territorialidade. A migração para São Paulo, que alcançou o auge na década de 1970, foi fundamental no processo de industrialização e metropolização, uma vez que a variável demográfica, como já salientado anteriormente, é de fundamental importância para a imposição da relação capital (Marx 1984) e para a reprodução ampliada. A mobilidade do trabalho como resultante da implosão dos regimes de confinamento pregressos consubstanciados nas regiões produzirá um tipo particular de metropolização fortemente horizontal que deve ser aqui brevemente perscrutada de forma a delinear o processo de transformação das periferias naquilo que Augusto (2010) qualificou como “campos de concentração a céu aberto”.

O processo de metropolização por expansão de periferias não pôde prescindir da conhecida e tão debatida prática da autoconstrução (Kowarick 1979; Oliveira 2003) como forma de acesso à moradia por parte do contingente migrante tornado trabalhador urbano superexplorado em São Paulo. O rebaixamento político dos custos de reprodução da força de trabalho consubstanciado na institucionalização do salário-mínimo, segundo a leitura de Oliveira (2006), vedou aos trabalhadores a possibilidade de acessarem moradia por meio do mercado imobiliário, empurrando-os para loteamentos periféricos desprovidos de infraestrutura, exigindo-lhes a adesão à autoconstrução como forma de fazer valer seu direito à moradia. Tal estratégia envolveu se tornarem pequenos proprietários fundiários, muitas vezes ilegais, informais, clandestinos etc. Em outras palavras, uma relativa imobilização espacial numa territorialidade forjada pelo pleno exercício da mobilidade do trabalho28. A autoconstrução, entendida aqui como momento necessário dessa “espécie de reprodução ampliada da periferização” (Rodrigues e Seabra 1986), servia aos claros propósitos de extração de mais-valia absoluta, já que a casa autoconstruída se configuraria como trabalho não pago extorquido aos trabalhadores fora do âmbito produtivo, a despeito de esta não ser expropriada pelo setor privado Oliveira 2003). Portanto, a forma particular de incorporação desse contingente de trabalhadores sob um regime de assalariamento caracterizado pela superexploração de suas forças de trabalho coincidiu com um padrão territorial fortemente marcado pela segregação socioespacial, a impulsionar a acumulação endógena de capital. Portanto, uma segregação que se encontrava umbilicalmente conectada com uma missão economicamente positiva desse contingente trabalhador como produtor de mais-valia dos capitais urbano-industriais, não obstante a aquisição do lote de terra operasse como um óbice à mobilidade perfeita do trabalho (Gaudemar 1977), assim como da terra29. Valeria ainda salientar que, segundo Kowarick (1979), a depreciação dos salários abaixo dos custos de reprodução desses trabalhadores também seria reforçada pela presença de um exército industrial de reserva já resultante da conhecida lei geral da acumulação capitalista (Marx 1984)30 e do desenvolvimento das forças produtivas, em oposição ao mecanismo da colonização sistemática. Do ponto de vista das transformações territoriais verificadas nessas mesmas periferias autoconstruídas, compreendidas como um processo de autonomização entre terra, trabalho e família (Giavarotti 2017) e, portanto, de implosão daquela solidariedade forçada (Maricato 1982), o que importa reter aqui é que a consolidação dos loteamentos periféricos autoconstruídos ao tecido urbano suplantaram materialmente aspectos que configuravam aquela segregação socioespacial pregressa, inclusive promovendo a plena mobilidade da terra e de seus imóveis autoconstruídos (Giavarotti 2017). De outro modo, o tempo histórico (Postone [1993] 2014) do capital consubstanciado no incremento material experimentado pela população moradora dessas periferias ofereceu a aparência de um processo de desenvolvimento ascendente, próprio da teleologia do capital, embora, em sua essência, portasse uma contradição que lhe é imanente: o aumento da composição orgânica do capital implica a expulsão sistemática do trabalho vivo da produção — e é justamente a mobilização de trabalho vivo o fundamento único do processo de valorização31.

Nessa contradição, Marx (1986) encontra o fundamento de uma queda tendencial da taxa de lucro, a qual, a despeito de pressões resultantes das contratendências, acarreta a existência de uma crise imanente da reprodução capitalista e do próprio capital. De um ponto de vista da dinâmica demográfica própria à reprodução capitalista que estamos buscando delinear para pensar nas diferenças históricas que a reprodução contemporânea do capital guarda com seu processo de formação, o aumento da composição orgânica movida pela revolução microeletrônica (Kurz 1992) produz ao menos duas importantes mudanças: a emergência do desemprego estrutural e a realocação de trabalhadores do setor secundário para o terciário, ambas imersas num processo exacerbado de concorrência entre a própria população trabalhadora.

No que se refere ao desemprego estrutural, já é possível vislumbrar a maneira como estamos compreendendo o significado da prisão no século XXI, para retomarmos a pergunta de Wacquant (2003), conquanto oferecendo um aspecto do problema ausente de sua teoria. O autor (2002), à sua maneira, parecia ter intuído isso quando argumentava que o gueto estivera prestes a se tornar funcionalmente obsoleto e que o encarceramento em massa o teria substituído, corroborando a inexistência de missão econômica positiva para aquela sobra relativa de trabalhadores que já havia sido tão necessária para não impossibilitar a acumulação do capital32.

Centrado, todavia, numa leitura acerca dos efeitos do neoliberalismo ou da forma de ser do capitalismo contemporâneo, sem conseguir alcançar categorialmente os termos da crise fundamental da reprodução capitalista, seguira associando o processo à precarização ou desproletarização de parcelas, apenas, da classe trabalhadora, sem compreender o nexo entre as diferentes formas de expressão da mesma crise.

Com isso, não pretendemos dizer que tal crise se manifeste igualmente para todos os trabalhadores como se a sociedade não fosse marcada por distinções e hierarquias de gênero e referidas à racialização, à xenofobia ou ao antissemitismo, entre outras. Nesse aspecto, Wacquant (2002) acerta “em cheio”. Não se trata apenas de punir, mas há um corte racial que é instaurado e reproduzido pelas chamadas “instituições peculiares”. Trata-se da necessidade de pensarmos o problema das diferenças sem tirar do horizonte a reprodução da totalidade, mas, desta vez, compreendendo-a enquanto totalidade fragmentária, instituída ela própria pela colonização e pelo escravismo, e, portanto, pela racialização daí derivada bem como pela dissociação entre os sexos e pela constituição de suas atribuições de gênero segundo as quais o valor é o homem, é o branco, é o ocidental (Scholz 2004), ou seja, o universal. É diferente de dizer que o encarceramento em massa tem corte racial. É dizer que o encarceramento em massa reproduz tal corte racial e, como momento da descartabilidade generalizada da crise do trabalho, esta só pode ser também racializada.

Do ponto de vista do exercício da mobilidade do trabalho e do espraiamento da forma do confinamento para além da prisão, é oportuno voltarmos às transformações verificadas nos territórios periféricos. É possível dizer que, tanto do ângulo da clivagem geracional que veio transformando os filhos e os netos das famílias de assalariados fabris nos chamados “microempreendedores” (devido ao desemprego estrutural e à piora das condições do assalariamento) quanto da perspectiva dos antigos proprietários que, em sua maioria aposentados, vieram mobilizando os cômodos de suas casas para moradia de aluguel ou abertura de microempreendimentos (muitas vezes entabulados por seus filhos e/ou netos), é possível afirmar que a incorporação de atividades “produtivas” num território historicamente voltado à reprodução dos trabalhadores e suas famílias bem como à mercantilização de atividades reprodutivas vêm corroborando para o processo de confinamento que estamos procurando esboçar. Essa fusão do espaço produtivo com o espaço doméstico também pode ser confirmada, por exemplo, nas oficinas de costura em que trabalham bolivianos na cidade de São Paulo, a qual implica diversas modalidades de trabalho não pago e um asselvajamento da violência patriarcal (Ribeiro 2019). Tal incremento das atividades “produtivas” nas próprias periferias, esboroando a distinção entre produção e reprodução, tem sido responsável pela emergência do chamado “trabalho social” levado adiante por ongs, compondo a reconfiguração territorial das periferias como campos de concentração a céu aberto.

Nesse sentido, a reconfiguração territorial brevemente delineada em consonância com os desdobramentos contraditórios da reprodução do capital comporta, ao menos, dois movimentos simultâneos articulados àqueles já descritos: de um lado, a ameaça constante da desclassificação social de uma população crescentemente redundante para as necessidades do capital e, de outro, a transformação de trabalhadores simples em trabalhadores complexos (Marx 1983), que enxergam, na chance de se tornarem gestores e funcionários de ONGs localizadas nessas periferias, a possibilidade de permanecerem trabalhando. Como corolário, esses territórios são objeto de práticas de exceção exercidas pelo aparato policial, que tem como alvo principal a juventude negra tornando estas novas centralidades territórios de exceção, em que se testemunha simultaneamente um genocídio em curso, promovido pelo mesmo aparato de repressão responsável pela expansão extraordinária do encarceramento acusada no Brasil desde o início da década de 1990. Para aquém dos expedientes de violência extraeconômica necessários à reprodução dessa forma de confinamento, mas não menos importante, deve-se ressaltar que o deslocamento verificado nos territórios periféricos significou, em nível categorial33, a transformação daquela população de produtores de mais-valia em seus consumidores, seja na forma da renda da terra aquinhoada por meio de seus humildes patrimônios, seja na forma dos chamados “fauxfrais” (Marx 1986) dos empreendimentos que operam na esfera da circulação (Giavarotti 2017), seja, por fim, na forma do crédito pessoal e “produtivo”, que apontam para o processo contemporâneo de autonomização entre trabalho e dinheiro, a produzir uma ficcionalização irreversível da reprodução do capital34, diferenciando-se radicalmente do processo de formação do capitalismo.

Esse estrangulamento na circulação no mercado de trabalho que se manifesta na transformação das periferias em campos de concentração é a mesma que possui expressão nacional encontrável, por exemplo, no desmonte de circuitos históricos de migração temporária associadas ao agronegócio e, de outra maneira, também nas soluções emergenciais e limitadas dadas pela demarcação de territórios das chamadas “populações tradicionais”, quase sempre uma contrarreforma agrária que “distribui” a pior terra, indenizando seus proprietários com preços muito maiores que as médias de mercado e exigindo dos tradicionais a produção ativa da legitimação da sua identificação (Leite 2015).

Conforme sugerimos inicialmente, contudo, o confinamento como forma de territorialização contemporânea das relações sociais capitalistas não se reproduz senão paralelamente ao seu polo oposto, das expulsões, da transumância compulsória e/ou da mobilidade supostamente total enquanto padrão territorial constitutivo da mesma totalidade que corresponde à crise do trabalho. Embora não tenhamos colocado neste ensaio foco nas mencionadas expulsões, trazê-las ao debate é decisivo, pois dão os contornos dos próprios limites de determinadas expressões fenomênicas do confinamento mencionadas. Em todo o Brasil, da mesma maneira que o desmonte dos circuitos históricos de migração temporária foram coincidentes ou até conduziram à constituição de soluções emergenciais e limitadas de demarcação de territórios tradicionais, todo esse processo foi acompanhado bastante substancialmente pela expansão da agricultura de exportação no contexto do “boom das commodities”, que culminou em inúmeras formas de apropriação de terras hoje conhecidas no debate internacional como “land grabbing” (Sauer e Borras 2016).

Longe de restringirem-se ao Brasil e manterem-se restritas aos clássicos processos de expropriação e grilagens ou à familiar desigualdade como forma de entender as patologias do capitalismo global, as expulsões assinaladas abrangem um processo muito mais amplo de descarte, por meio de novas lógicas que ainda precisam ser estudadas (Sassen 2016), de trabalhadores, famílias, populações e até Estados nacionais da ordem social e econômica de reprodução capitalista da crise do trabalho, cuja gestão só pode ser a gestão da barbárie.


Considerações finais

Partindo das considerações de Michel Foucault sobre a prisão, passando posteriormente por considerações críticas acerca da centralidade adquirida por essa instituição na vida social e no debate público desde a década de 1970, devido à emergência do encarceramento em massa e, por fim, do reconhecimento por parte de alguns autores foucaultianos contemporâneos sobre o espraiamento de sua lógica para além de seus muros, certificando sua dimensão política e não apenas institucional, fomos em busca de analisar as insuficiências dessas análises tendo em vista identificar e historicizar as particularidades do padrão territorial do confinamento contemporâneo.

Para explicitar tal particularidade, discutimos experiências similares de confinamento ao longo do processo de modernização brasileiro e americano, num cotejamento entre as instituições peculiares apresentadas por Loïc Wacquant (escravismo, Jim Crow Law, gueto e prisão) e a forma particular adquirida por essas experiências de confinamento no processo de modernização brasileiro, passando pela plantation escravista, a região, até alcançarmos a formação e a reprodução dos territórios periféricos no contexto de metropolização, que teriam se tornado campos de concentração a céu aberto, segundo a leitura de Augusto (2010). À medida que fomos articulando os padrões territoriais de confinamento à luz da mobilidade do trabalho e da acumulação do capital, este último o sujeito da dinâmica temporal do capital, nos termos discutidos por Postone ([1993] 2014), exploramos onde o exercício da mobilidade do trabalho se cruza com aquele da biopolítica. Ao aproximarmos a mobilidade do trabalho e a biopolítica, com base na dinâmica temporal do capital, entendido como uma forma social que guarda em si uma contradição fundamental porque serra o galho em cima do qual está sentado, foi-nos possível circunscrever algumas rupturas que marcam as experiências pregressas de confinamento daquelas existentes atualmente. Dois aspectos são centrais em nosso argumento para qualificar tal ruptura: a descartabilidade dos corpos dos trabalhadores determinada pelo desenvolvimento das forças produtivas (revolução microeletrônica ocorrida na década de 1970) e a correspondente ficcionalização do capital decorrente da diminuição absoluta de trabalho vivo nos processos produtivos, elementos determinantes da emergência de um padrão territorial de confinamento que não pode ser equiparado, sem mais, a outros tipos de controle político que historicamente se abateram sobre as classes não proprietárias. Por esse caminho, afirmamos que os padrões de territorialidade correspondem ao tipo de incorporação dos trabalhadores à reprodução ampliada do capital, inclusive quando se tornam mera população sujeita à politização total (Agamben [1995] 2007), já que o trabalho em crise perde sua capacidade de oferecer nexo às relações sociais. É quando a biopolítica, argumentamos, adquire sua força explicativa e crítica, pois se torna evidentemente o meio naturalizado de gerir e confinar (de formas particulares a serem discutidas caso a caso) a população supérflua ou potencialmente descartável. Forma de gestão que, todavia, começa a se realizar como necropolítica (Mbembe 2018), uma vez que opera num horizonte de gestão da falência do projeto integrador do mundo do trabalho que também determina a mobilidade total, pois esta última é a forma por excelência da superfluidade que caracteriza e fundamenta a existência de um mercado mundial em colapso.


Notas

1 Referindo-se sobretudo a trabalhos anteriores ao último citado, alguns autores apontariam em Wacquant certa pressuposição da diferenciação racial, sobre a qual se ergueriam hierarquias e formas de controle e exploração racializadas. Rita Segato, uma de suas críticas, lhe responde à ideia de que a prisão serve para garantir a segregação e manter a ordem racial com um argumento herdado de Aníbal Quijano, que merece destaque: “Desde mi punto de vista, se trata de la construcción y reproducción sistemática de esa ‘indeseabilidad’ y de esa repugnancia ‘física y moral’, que nada tiene de naturales [...]. Raza es efecto y no causa, efecto de una historia colonial que prosigue su curso” (2013, 254).

2 Para Wacquant (2002), a extração de trabalho mediante controle e confinamento teria sido primeiro garantida pela escravidão (1619-1863). No final do século XVIII, ela já se estendia da Carolina do Sul até a Louisiana de modo a criar uma organização do trabalho muito lucrativa em torno da produção algodoeira. Contudo, apesar de Wacquant reconhecer a rentabilidade da escravidão como negócio, não parece conseguir relacioná-la com clareza a colonialismo e capitalismo, afirmando, por exemplo, que ela teria sido base para “uma sociedade de plantation notável por sua cultura, política e psicologia quase feudais” (2002, 13). O sistema de Jim Crow (1876-1965) viria para ocupar o vazio deixado pelo fim da escravidão, mas ficaria restrito aos estados sulistas. Trataria de assegurar o trabalho dos antigos escravos pela propriedade branca continuada da terra e pela incorporação deles, convertidos num campesinato dependente, em regimes de parceria e peonagem. Motivada pelo declínio da cultura de algodão e pela terrível opressão racial existente no Sul, se desencadearia uma migração em massa de afro-americanos (quase cinco milhões entre 1910 e 1960) a emergentes centros industriais do meio-oeste e do nordeste. Ainda que menos rígido que o sistema sulista, com a chegada daqueles migrantes, acabaria por se erguer o gueto, o que deu continuidade ao apontado processo de confinamento racial. Convênios restritivos empurrariam os recém-chegados a uma espécie de cinturão negro “que logo ficou superpopuloso, mal servido e eivado de crime, doença e dilapidação, enquanto o ‘teto empregatício’ limitava-os às ocupações mais arriscadas, braçais e mal pagas, tanto no setor industrial quanto no de serviços pessoais” (Wacquant 2002, 18) e seus habitantes seriam relegados às ocupações mais perigosas, pior pagas e mais degradantes.

3 Aqui é necessário destacar que Wacquant (2002) acusa a conceituação para gueto em geral adotada nas Ciências Sociais de ter se deixado levar por perspectivas populistas que misturam discurso político e senso comum. Para o autor, seria necessário distinguir o gueto de qualquer orientação que retome quadros analíticos sustentados pelas noções de patologias urbanas e condutas antissociais. Sua definição apresenta o gueto como dispositivo socioespacial que permite a um grupo condenar ao ostracismo e explorar outro por meio de “(i) estigma; (ii) restrição; (iii) confinamento territorial; e (iv) enclausuramento institucional” (Wacquant 2002, 20) de modo a formar um espaço diferenciado com população etnicamente homogênea, onde se desenvolve um conjunto de instituições segregadas, mas que copiam a sociedade mais ampla da qual o grupo foi expulso.

4 Embora dessas políticas a mais conhecida seja a que foi implementada na cidade de Nova York durante toda a década de 1990 por Rudolph Giuliani, até por ter servido de propaganda, o modelo punitivo foi generalizado por todo o país e exportado.

5 Os comentários de Wacquant (2002) sobre a reintrodução do trabalho compulsório na prisão deixam entrever que, nem com respeito a uma suposta rentabilidade, o superencarceramento teria missão econômica positiva: ainda que exista uma pressão financeira e ideológica para o relaxamento das restrições que envolvem o tema de modo a permitir a transferência de trabalho desqualificado de empresas privadas para o interior dos presídios, a ideia de impelir presos ao trabalho estaria ligada sobretudo ao rebaixamento ou à compensação dos custos que o encarceramento produz para os cofres nacionais. Esse sistema chamado de workfare teve início com a reforma do Estado de bem-estar americano em 1996 e veio envolvendo todas as políticas sociais e de assistência social com a obrigatoriedade de que seus beneficiários trabalhem em troca daqueles direitos sociais inalienáveis que cada vez mais figuram como meras “ajudas” estatais.

6 São os “controles plurais de quem compõe esse novo campo de concentração: atividades culturais e esportivas, acessos a determinadas áreas controladas por polícias comunitárias, líderes comunitários e/ou agentes do tráfico, escolas multiuso, atuação de ongs, circulação regulada por bilhetes eletrônicos de transporte público/estatal, enfim” (Augusto 2010, 265). A jornada de trabalho “muitas vezes ocorre no mesmo bairro que mora, em alguma ONG ou boca de fumo e cocaína, ou ainda no bairro de bacanas ao lado da favela que também tem seu acesso controlado por câmeras e portarias de polícias privadas” (Augusto 2010, 265).

7 “Em paralelo a tudo isso, desenvolvem-se esquemas de policiamento intensivo que primam por uma administração armada de uma população não encarcerada, a partir de uma abordagem territorial que delimita regiões urbanas especialmente policiáveis e policiadas com tal intensidade que o cotidiano pode ser descrito como a contínua aplicação de uma política penal” (Oliveira 2016, 259).

8 Como resultado de checkpoints, revistas aleatórias e invasões a domicílios, nos quais a abordagem territorial se efetiva, por exemplo, em mandados de busca e apreensão emitidos de maneira a permitir a entrada da polícia em todas as residências de determinadas comunidades, a política penal estabelece a zona de projeção de uma população de suspeitos, senão criminosos.

9 Nesse ponto, Haesbaert (2012) se aproxima de Wacquant (2002), no sentido de tentar evitar qualquer aproximação com uma gramática populista. Para tanto, ele apresenta “massa” como uma noção polêmica e retoma críticas feitas por Baudrillard (1985), quando argumenta que ela é viscosa, fluída demais e puro campo para a demagogia política e que faz desaparecer qualquer polaridade, num grupo social, entre um e outro. Considerado isso e apesar das críticas que ele faz ao estilo demasiado retórico do autor, aproveita a formulação de que “camponeses” ou “trabalhadores” só se comportam como massa quando estão “anulados”, “desintegrados” ou reduzidos a meros “resíduos estatísticos” (Haesbaert 2012, 186). Também por querer contornar a noção, aproveita igualmente a formulação de Scherer-Warren (1993) de que, especialmente em países em grave estado de crise, a “massa” pode ser associada a processos de desmobilização, imobilismo ou antimovimento, justamente por se constituir num “agregado inorgânico” de “individualidades e manifestações atomizadas” (Haesbaert 2012, 187).

10 Embora, com efeito, afirme que, nalguns contextos, há reterritorialização, o autor parece não ter certeza sobre seu significado. Destaca a sugestão de Samir Amin, quando este diz que a África Negra já não tem “uma verdadeira função no mundo atual” (Durand, Lévy e Retaillé 1992, 107), mas não deixa de considerar que as posições podem mudar como no caso de antigos centros de periferia do mercantilismo que foram destroçados pela Revolução Industrial (Haesbaert 2012, 189). E, já no limiar da sua exposição, apresenta a perspectiva de Kurz (1992) sobre a desativação de economias regionais ou nacionais inteiras ante o colapso da modernização inaugurado nos anos de 1980 com a crise das dívidas na América Latina e com a queda do muro no Leste Europeu, para sugerir que aquela população que se transforma em caso de assistência social em escala global pode até ser novamente socializada pelas máfias, drogas, fundamentalismo e nacionalismos, mas que isso representa “modos pós-catástrofe de reinserção no contexto modernizado”. Não deixa, porém, de criticar a generalidade e a falta de respaldo de afirmações de Kurz (Haesbaert 2012, 189), ainda que ele próprio não dê conta de alguns elementos da argumentação desse autor, como vimos, tratando os espaços excluídos como vazios de sentido ao invés de procurar o sentido destes no processo de modernização que os produziu.

11 “Minha preocupação é com aquelas formas de soberania cujo projeto central não é a luta pela autonomia, mas a instrumentalização generalizada da existência humana e a destruição material de corpos humanos e populações” (Mbembe 2018, 10-11).

12 “O mais completo exemplo de um Estado exercendo o direito de matar” (Mbembe 2018, 19).

13 Para Buck-Morss (2000), a condição do escravo é uma forma de morte em vida: sua humanidade é dissolvida a ponto de que ele pode tornar-se propriedade de outrem.

14 Dialogar com o pensamento político do jurista alemão conservador, Carl Schmitt, exige-nos uma ressalva, por se tratar de um autor, não sem razão, maldito, já que, em sua trajetória, se associa ao Terceiro Reich. No entanto, como aparece destacado em sua recepção crítica (por exemplo, Arantes em TV Boitempo 2016;Mbembe 2018), apesar de suas perspectivas ou até por causa delas, Schmitt expôs visões e intuições extraordinárias do que havia sido o século XX até os anos 1950 assim como do que ainda estaria por vir, à moda do pensamento conservador clássico que, em sua recusa do progressismo, apreendia elementos-chave das relações que fundam a modernidade bem no ponto que lhe permite desmistificar as bases do pensamento liberal erguidas no século XVII.

15 Embora haja também referências místicas na argumentação do autor, a explicação dada para a relação entre o nomos da terra e o solo europeu se vincula à ideia de terra delimitada como fonte constitutiva do direito, uma vez que assim se asseguraria ao trabalho o produto que dele advém (TV Boitempo 2016).

16 O nomos da terra teria se iniciado com a paz de Vestefália que pôs fim à Guerra dos Trinta Anos e com os outros tratados do período que tiveram aquela mesma natureza de chegar a um consenso de soberania e igualdade jurídica entre os Estados europeus em constituição. Funcionaram também como uma espécie de limitação ou até civilização da guerra a um assunto de Estado que não deveriam culminar em retaliação dos civis, que estabeleciam relações comerciais entre si. Arantes (TV Boitempo 2016) destaca ainda o sentido de “proteger” a guerra que a expressão alemã utilizada por Schmitt guardava: proteger a guerra dos efeitos devastadores da ideologia que discrimina a guerra e criminaliza o inimigo. Nesse sentido, a guerra não seria guerra total porque estabelecida contra um inimigo justo, que não é um criminoso e, portanto, com o qual é possível alcançar posteriormente a paz, em função do reconhecimento mútuo.

17 “Dois princípios-chave fundam essa ordem. O primeiro postula igualdade jurídica de todos os Estados. Essa igualdade se aplicava especialmente ao ‘direito de fazer a guerra’ (de tomar a vida). [...] O segundo princípio está relacionado à territorialização do Estado soberano, ou seja, à determinação de suas fronteiras numa ordem global recentemente imposta. Nesse contexto o Jus publicum rapidamente assumiu a forma de uma distinção entre as regiões do mundo disponíveis para a apropriação colonial, de um lado, e, de outro, a Europa em si (onde o Jus publicum deveria perenizar a dominação)” (Mbembe 2018, 33-34). Na elaboração de Schmitt ([1950] 2014), aparecia, contudo, um suposto gesto inaugural responsável por instituir o nomos da terra delimitada, que, como explicação, dissimulava acumulação primitiva ou formação da propriedade, ocorridas também no território europeu. Como a colônia acaba por revelar o segredo da metrópole, mesmo a Europa, antes de Vestefália, parece ter sido igual à América e enfrentado dificuldades para que os seus se lembrassem do respeito necessário às leis naturais da sociabilidade humana mediada pelas trocas comerciais.

18 “As colônias são semelhantes às fronteiras. Elas são habitadas por ‘selvagens’. As colônias não são organizadas de forma estatal e não criaram um mundo humano. Seus exércitos não formam uma entidade distinta, e suas guerras não são guerras entre exércitos regulares. Não implicam a mobilização de sujeitos soberanos (cidadãos) que se respeitam mutuamente, mesmo que inimigos. Não estabelecem distinção entre os combatentes e não combatentes ou, novamente, ‘inimigo’ e ‘criminoso’. Assim, é impossível firmar paz com eles. [...] Como tal, as colônias são o local por excelência em que os controles e as garantias de ordem judicial podem ser suspensos — a zona em que a violência do estado de exceção supostamente opera a serviço da ‘civilização’” (Mbembe 2018, 34-35).

19 Ainda que apareça em dois sentidos, como sugeriu Arantes (TV Boitempo 2016), aqui nenhum deles se refere àquele euforizante e legitimador que afirmou o pensamento pós-moderno de encontro de culturas, miscigenação e diálogo. Sem dúvida, é possível relacionar o segundo termo, frontier, ao american frontier da “corrida para o Oeste”, todavia, mais com relação ao exercício indiscriminado da violência característico da conquista que com relação à emergência do americano como um novo homem com novos valores igualitários, democráticos e individualistas como também defendia o historiador Frederick Jackson Turner em seu ensaio “O significado da fronteira na história americana”, publicado em 1893 (Luz 1962).

20 Explorando a já mencionada genealogia que vai da “arte de governar” e do “governo de si” à emergência de uma “razão de Estado”, Foucault (2008) encontra a população como objeto por sobre o qual se exerce a governamentalidade, tendo por instrumento técnico essencial os dispositivos de segurança. Analisando a cidade e o que nela é ou não permitido circular, ele identifica tais dispositivos substituindo o sistema jurídico e o disciplinar, relativos, respectivamente, à soberania exercida sobre o território e à disciplina, exercida sobre os indivíduos. E caracteriza essa substituição, sugerindo que, enquanto a lei proíbe e a disciplina prescreve, a segurança, sem proibir ou prescrever, regularia a socialização entre os homens mediante instrumentos de proibição e prescrição, de modo a outra vez encontrar como objeto a população. Noutra passagem ainda, o autor distingue esse objeto, diferenciando-o daquele que aparece na análise de Maquiavel em O príncipe, ligado à segurança do príncipe e do seu território, ou mesmo da “ciência do bom governar”, envolta no “governo de si”, chegando a sugerir que a população somente emerge de fato quando os governantes deixam de vê-la como força produtiva, deslocando-a a objeto técnico-político. População, portanto, é conceito necessário para enfatizar essa nova dimensão do poder, o biopoder, assim como todo tratamento advindo da sua emergência como fenômeno, presidido sobretudo pela economia e pela estatística, como formas de controle da reprodução e da circulação da população. De outra maneira, é exatamente essa questão que será pauta de nossos desenvolvimentos.

21 Conforme afirma no prefácio, Gaudemar (1977) pretendia nãoapenas reivindicar o caráter fundamental desse aspecto daanálise de Marx para discutir a mais-valia e, com ela, a reprodução ampliada do capital, mas, além disso, discutir como estese integraria nas lutas de classes do período e nos debates ecombates que foram dando corpo ao movimento revolucionáriopós-1968. Inclusive em função do contexto e desses propósitos é que, talvez, o autor tenha podido sugerir relação entre ainvestigação da mobilidade do trabalho conduzida por Marx ea da produção de corpos dóceis, feita por Foucault: “Foucault,na sua análise do nascimento e desenvolvimento da instituição penitenciária [sugere que] ‘é dócil, um corpo que pode sersubmetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformadoe aperfeiçoado’. Pode-se dizer o mesmo da força de trabalho queesse corpo contém. O corpo do homem no trabalho, não apenaso do condenado, do supliciado ou do militar, torna-se tambémobjeto de disciplina. Disciplina como modo geral de dominação” (Gaudemar 1977, 49). Como nos exigirá o comentário feito em nota anterior, entretanto, será necessário discutir a evoluçãoda relação sugerida por Gaudemar, considerando que há umapassagem da predominância da sociedade disciplinar para asociedade da segurança, a qual responde à emergência da população e do biopoder.

22 Essa valorização não se localiza, contudo, no plano da circulação, em que a mercadoria é trocada como qualquer outra e por ela paga-se seu valor de troca. É no plano da produção que o comprador fará uso da força de trabalho adquirida, consumindo-a produtivamente na produção de mercadorias e, portanto, do valor. O valor da mercadoria força de trabalho não coincide, todavia, com o valor produzido por seu emprego produtivo, porque o salário pago nada tem a ver com a capacidade produtora de valor que o emprego dessa força de trabalho possibilita, mas, antes, refere-se à expressão do valor da própria mercadoria força de trabalho, cuja substância é o tempo necessário para sua produção. Nessa diferença entre o valor criado pelo consumo produtivo da força de trabalho e o valor pago na forma de salário de modo a permitir sua utilização, consiste a mais-valia e a possibilidade de reprodução sempre ampliada do capital (Marx 1983).

23 Assim, Marx (1984) problematizava, confrontando a perspectiva malthusiana sobre o crescimento populacional, as circunstâncias que permitiam que determinada população fosse caracterizada como sobrante. Em primeiro lugar, essa “sobra” corresponderia sempre às demandas de determinado nível de desenvolvimento das forças produtivas. Qualquer crescimento populacional ocorrido apenas se mostraria excessivo, portanto, “em relação à necessidade média de valorização do capital, como condição de vida da indústria moderna” (Marx 1984, 201). Em segundo, mesmo a população “sobrante” teria sua funcionalidade no rebaixamento dos salários responsáveis pela garantia da acumulação.

24 O recurso recomendado por Wakefield era a fixação de um sufficient price para as terras que impediriam os colonos de as adquirirem nos seus primeiros anos de emigrados, garantindo uma oferta relativa de trabalhadores.

25 “O modo capitalista de produção e acumulação e, portanto, a propriedade privada capitalista exige o aniquilamento da propriedade privada baseada no trabalho próprio, isto é, a expropriação do trabalhador” (Marx 1984, 302).

26 As mais importantes análises sobre o sentido da colonização (Prado Jr. [1942] 1979) já apontavam para essa relação entre mobilidade do trabalho e territorialização do capital, embora o problema nunca tenha sido formulado nesses termos. Além de ser justificada fundamentalmente pela existência do tráfico, em função do qual o escravo produzia lucro antes mesmo de ser posto para trabalhar (Novais 2005), o escravismo colonial respondia igualmente a um contexto de terras livres que impunha ao trabalho que fosse propriedade (Martins [1979] 2004).

27 Os principais intérpretes do coronelismo, contudo, não haviam explorado mais profundamente seu sentido no processo de territorialização do capital, restringindo suas críticas, em geral, a uma espécie de ingerência do privado naquilo que devia ser do público (Leal 1976; Dantas 1987), sem nem mesmo questionarem a relação de necessidade entre a emergência da coisa pública e o longo processo de institucionalização do Estado. Esse processo passaria por sua inflexão decisiva em 1930, como revela a extinção da Guarda Nacional que desarmou os coronéis e impôs o monopólio da violência, mas, também, a formação dos mercados de trabalho, terra e dinheiro, todos paralelos, autonomizados e de escala nacional, superando os limites até então estabelecidos da “região” (Oliveira 1987).

28 Tal imobilização se refere ao fato de que a compra de um lote de terra exigia, da parte de sua família proprietária, a obrigação de transformá-lo num valor de uso condizente com as necessidades de uma família de expropriados desprovidos de habitação num contexto de metropolização. Nesse sentido, tal imperativo criava aquilo que Ermínia Maricato (1982) qualificou como “solidariedade forçada”, assim como uma espécie de confinamento, todavia distinta daquela que estamos buscando delinear neste artigo.

29 O padrão territorial adequado a essa forma de metropolização e acumulação dos capitais urbano-industriais foi, em parte, responsável pela emergência dos movimentos sociais urbanos de caráter local dedicados à melhoria da infraestrutura de seus bairros que desaguariam na entrada de novos personagens na cena política brasileira (Sader 1995).

30 A industrialização brasileira foi caracterizada por Oliveira como tardia, o que significou um processo de modernização baseado na importação de capitais constantes altamente produtivos disponíveis “no nível do sistema mundial como um todo” (Oliveira 2003, 67). Segundo o autor, tal industrialização pareceria como um salto temporal num processo de modernização supostamente linear, nacionalmente circunscrito. Tal salto temporal teria provocado alterações importantes na relação capital-trabalho no processo de “expansão do sistema capitalista no Brasil” (Oliveira 2003, 54-55).

31 Por isso foi que Marx (1983) pensou o trabalho vivo como capital variável enquanto pensava a outra parte do processo produtivo (matérias-primas, instalações e maquinaria) como capital constante. Somente o capital variável criaria um valor novo maior que aquele pago na forma de salário para a entrada do trabalho no ciclo, ou seja, apenas ele variaria.

32 É digno de nota que o número absoluto de pessoas excluídas da circulação e do mercado de trabalho por meio do encarceramento, apesar de monstruoso, não produza uma suboferta de braços para o capital. Por aí é também possível reconhecer uma diferença drástica para com as formas de confinamento verificadas no processo de formação do capitalismo.

33 Quando dizemos aqui “categorial”, estamos fazendo referência à substância negativa do valor ocultada sob as formas aparentes e autonomizadas da renda da terra, salário e juros. Ou seja, não faltam indícios sociológicos de que esse contingente periférico se encontra impelido a trabalhar em condições abusadamente aviltantes e com jornadas de trabalho extenuantes. Todavia, tais violências devem ser remetidas à concorrência cruenta instalada pelo desenvolvimento das forças produtivas e pela crescente redundância relativa produzida pelo capital. Parafraseando Marx, ser trabalhador improdutivo também não pode ser uma felicidade para o trabalhador, mas azar.

34 É Marx (1986) quem apresenta a categoria de capital fictício, uma das formas de ser do capital portador de juros, que guarda em si a autonomização entre dinheiro e trabalho e, portanto, entre dinheiro e valor. O capital portador de juros, em seu conjunto, aparece na forma D-D, mas sua condição de possibilidade é ser remunerado por mais-valia advinda da mobilização do trabalho produtivo em empresas, mais exatamente por aquela parte apropriada na forma de juros. Já o capital fictício faz referência aos processos em que dinheiro se torna mais dinheiro, mas, desta vez, sem passar pela apropriação de parte da mais-valia efetivamente produzida em processos produtivos e é por isso que culmina na autonomização mencionada, correspondente a contextos de crises de acumulação. O capital fictício, portanto, é um desdobramento do dinheiro a crédito, mas passa pela produção de mercadorias, não dizendo respeito apenas à circulação de dinheiro nos mercados de capital, como parece sugerir a discussão em torno da prevalência dos mercados financeiros e da financeirização. É necessário, para compreendê-lo, considerar a exponencial ampliação da composição orgânica imposta pela dinâmica concorrencial inerente à socialização capitalista, já que o capital pressuposto a cada ciclo de rotação nem sempre se compensa com o valor obtido, impondo não só uma demanda persistente de crédito antecipado à produção, mas também de crédito para pagar outros créditos não devidamente saldados, ou seja, de uma constante futurização da realização na qual se impõe sua efetiva reprodução fictícia. A ficcionalização da reprodução capitalista deve ser compreendida, portanto, como o desdobramento do aumento da composição orgânica do capital, expressa na forma aparente de tendência à queda da taxa de lucro apontada por Marx (Kurz 2014), embora consideremos que a atual “corrida” pela medição das taxas de lucro de modo a comprovar ou refutar a existência da queda não deva servir como cortina de fumaça para a apreensão do significado social da produção de uma população sobrante, potencialmente descartável e descartada pelo aumento da composição orgânica, nos quadros de uma reprodução capitalista de crise (Leite e Giavarotti 2018).


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RECEBIDO: 26 DE NOVEMBRO DE 2018. AVALIADO: 9 DE MARCO DE 2019. ACEITO: 30 DE ABRIL DE 2019.

CÓMO CITAR ESTE ARTIGO: Leite, Ana Carolina Gonçalves; Giavarotti, Daniel Manzione. 2020. “Padrão territorial e crise do trabalho: o confinamento como forma de territorialização das relações sociais capitalistas contemporâneas.” Cuadernos de Geografía: Revista Colombiana de Geografía 29 (1): 32-50. doi: 10.15446/rcdg.v29n1.76443.

Ana Carolina Gonçalves Leite
Professora adjunta da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e professora colaboradora do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Espírito Santo (PPGG-UFES). Doutora pela Universidade de São Paulo (USP) e pós-doutora pela UFES. Suas linhas de interesse e pesquisa são Geografia da população; migrações e trabalho; Geografia agrária; crítica da economia política.

Daniel Manzione Giavarotti
Pesquisador associado do Laboratório de Geografia Urbana da Universidade de São Paulo (Labur-USP). Doutor pela USP. Suas linhas de interesse e pesquisa são Geografia urbana; mobilidade do trabalho; territórios periféricos; Geografia da população; crítica da economia política.

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Gonçalves Leite, A. C. y Manzione Giavarotti, D. (2020). Padrão territorial e crise do trabalho: o confinamento como forma de territorialização das relações sociais capitalistas contemporâneas. Cuadernos de Geografía: Revista Colombiana de Geografía, 29(1), 32–50. https://doi.org/10.15446/rcdg.v29n1.76443

ACM

[1]
Gonçalves Leite, A.C. y Manzione Giavarotti, D. 2020. Padrão territorial e crise do trabalho: o confinamento como forma de territorialização das relações sociais capitalistas contemporâneas. Cuadernos de Geografía: Revista Colombiana de Geografía. 29, 1 (ene. 2020), 32–50. DOI:https://doi.org/10.15446/rcdg.v29n1.76443.

ACS

(1)
Gonçalves Leite, A. C.; Manzione Giavarotti, D. Padrão territorial e crise do trabalho: o confinamento como forma de territorialização das relações sociais capitalistas contemporâneas. Cuad. Geogr. Rev. Colomb. Geogr. 2020, 29, 32-50.

ABNT

GONÇALVES LEITE, A. C.; MANZIONE GIAVAROTTI, D. Padrão territorial e crise do trabalho: o confinamento como forma de territorialização das relações sociais capitalistas contemporâneas. Cuadernos de Geografía: Revista Colombiana de Geografía, [S. l.], v. 29, n. 1, p. 32–50, 2020. DOI: 10.15446/rcdg.v29n1.76443. Disponível em: https://revistas.unal.edu.co/index.php/rcg/article/view/76443. Acesso em: 3 dic. 2024.

Chicago

Gonçalves Leite, Ana Carolina, y Daniel Manzione Giavarotti. 2020. «Padrão territorial e crise do trabalho: o confinamento como forma de territorialização das relações sociais capitalistas contemporâneas». Cuadernos De Geografía: Revista Colombiana De Geografía 29 (1):32-50. https://doi.org/10.15446/rcdg.v29n1.76443.

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Gonçalves Leite, A. C. y Manzione Giavarotti, D. (2020) «Padrão territorial e crise do trabalho: o confinamento como forma de territorialização das relações sociais capitalistas contemporâneas», Cuadernos de Geografía: Revista Colombiana de Geografía, 29(1), pp. 32–50. doi: 10.15446/rcdg.v29n1.76443.

IEEE

[1]
A. C. Gonçalves Leite y D. Manzione Giavarotti, «Padrão territorial e crise do trabalho: o confinamento como forma de territorialização das relações sociais capitalistas contemporâneas», Cuad. Geogr. Rev. Colomb. Geogr., vol. 29, n.º 1, pp. 32–50, ene. 2020.

MLA

Gonçalves Leite, A. C., y D. Manzione Giavarotti. «Padrão territorial e crise do trabalho: o confinamento como forma de territorialização das relações sociais capitalistas contemporâneas». Cuadernos de Geografía: Revista Colombiana de Geografía, vol. 29, n.º 1, enero de 2020, pp. 32-50, doi:10.15446/rcdg.v29n1.76443.

Turabian

Gonçalves Leite, Ana Carolina, y Daniel Manzione Giavarotti. «Padrão territorial e crise do trabalho: o confinamento como forma de territorialização das relações sociais capitalistas contemporâneas». Cuadernos de Geografía: Revista Colombiana de Geografía 29, no. 1 (enero 1, 2020): 32–50. Accedido diciembre 3, 2024. https://revistas.unal.edu.co/index.php/rcg/article/view/76443.

Vancouver

1.
Gonçalves Leite AC, Manzione Giavarotti D. Padrão territorial e crise do trabalho: o confinamento como forma de territorialização das relações sociais capitalistas contemporâneas. Cuad. Geogr. Rev. Colomb. Geogr. [Internet]. 1 de enero de 2020 [citado 3 de diciembre de 2024];29(1):32-50. Disponible en: https://revistas.unal.edu.co/index.php/rcg/article/view/76443

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1. Daniel Manzione Giavarotti, Ana Carolina Gonçalves Leite, Clara Lemme Ribeiro. (2024). Migrations and new expulsions: accumulation by dispossession or crisis of capitalist societal reproduction?. Human Geography, 17(1), p.55. https://doi.org/10.1177/19427786231176789.

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