Gírias brasileiras: um estudo lexicográfico
Brazilian jargon: A lexicographical study
Jergas brasileras: un estudio lexicográfico
DOI:
https://doi.org/10.15446/male.v15n1.107716Palabras clave:
gíria, lexicografia, norma culta, português como língua estrangeira, preconceito linguístico, variação linguística (pt)Jargon, lexicography, linguistic prejudice, linguistic variation, Portuguese as a foreign language, standard language (en)
jerga, lexicografía, norma culta, portugués como lengua extranjera, prejuicio lingüístico, variación lingüística (es)
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Esta pesquisa realiza um estudo lexicográfico sobre um corpus de gíria utilizada com sentido semântico de adjetivos no português falado no Brasil. Busca-se compreender o uso específico de alguma gíria brasileira por meio da sleção, contextualização e análise de um grupo léxico pensado para o público de portugués como língua estrangeira. Dessa forma, propor-se compreender quais são as características da composição lexical da gíria brasileiras usada para adjetivar pessoas, objetos, lugares e/ou situações. De maneira específica, pretende-se analisar a composição lexical da gíria, suas características gramaticais, seus significados e o contexto no qual são utilizadas. Para isso, são discutidos temas como a variação linguística, gíria, preconceito linguístico, norma culta, norma padrão e lexicografia. Como resultado, observa-se que as línguas variam, e a gíria é um exemplo disso. Também se constata a importância de inserir as variações linguísticas como a gíria na pesquisa lexicográfica.
This research is a lexicographical study on a corpus of jargon used with semantic meaning of adjectives in spoken Portuguese in Brazil. We seek to understand the specific use of some Brazilian jargon through the selection, contextualization, and analysis of a lexicon group designed for the public of Portuguese as a foreign language. Thus, we intend to understand the characteristics of the lexical composition of Brazilian jargon used to describe people, objects, places, and/or situations. Specifically, we intend to analyze the lexical composition of jargon, its grammatical characteristics, meanings, and the context in which it is used. For this, we discuss topics such as linguistic variation, jargon, linguistic prejudice, cultured norm, standard language, and lexicography. As a result, we observe that languages vary, being slang an example of this. We also remark the importance of inserting linguistic variations, such as slang, in lexicographical research.
Esta investigación realiza un estudio lexicográfico sobre un corpus de jerga utilizada con sentido semántico de adjetivos en el portugués hablado en Brasil. Buscamos comprender el uso específico de alguna jerga brasileña a través de la selección, contextualización y análisis de un grupo de léxico pensado para el público de portugués como lengua extranjera. Así, intentamos entender cuáles son las características de la composición léxica de la jerga brasileña que se utiliza para describir personas, objetos, lugares y/o situaciones. En concreto, pretendemos analizar la composición léxica de la jerga, sus características gramaticales, sus significados y el contexto en el que se utiliza. Para ello, se discuten temas como variación lingüística, jerga, prejuicio lingüístico, norma culta, norma estándar y lexicografía. Como resultado, observamos que los idiomas varían, siendo la jerga un ejemplo de esto. También constatamos la importancia de insertar variaciones lingüísticas como la jerga en la investigación lexicográfica.
Recibido: 20 de octubre de 2021; Aceptado: 27 de enero de 2022
Resumo
Esta pesquisa realiza um estudo lexicográfico sobre um corpus de gíria utilizada com sentido semântico de adjetivos no português falado no Brasil. Busca-se compreender o uso específico de alguma gíria brasileira por meio da sleção, contextualização e análise de um grupo léxico pensado para o público de portugués como língua estrangeira. Dessa forma, propor-se compreender quais são as características da composição lexical da gíria brasileiras usada para adjetivar pessoas, objetos, lugares e/ou situações. De maneira específica, pretende-se analisar a composição lexical da gíria, suas características gramaticais, seus significados e o contexto no qual são utilizadas. Para isso, são discutidos temas como a variação linguística, gíria, preconceito linguístico, norma culta, norma padrão e lexicografia. Como resultado, observa-se que as línguas variam, e a gíria é um exemplo disso. Também se constata a importância de inserir as variações linguísticas como a gíria na pesquisa lexicográfica.
Palavras-chave
gíria, lexicografia, norma culta, português como língua estrangeira, preconceito linguístico, variação linguística.Resumen
Esta investigación realiza un estudio lexicográfico sobre un corpus de jerga utilizada con sentido semántico de adjetivos en el portugués hablado en Brasil. Buscamos comprender el uso específico de alguna jerga brasileña a través de la selección, contextualización y análisis de un grupo de léxico pensado para el público de portugués como lengua extranjera. Así, intentamos entender cuáles son las características de la composición léxica de la jerga brasileña que se utiliza para describir personas, objetos, lugares y/o situaciones. En concreto, pretendemos analizar la composición léxica de la jerga, sus características gramaticales, sus significados y el contexto en el que se utiliza. Para ello, se discuten temas como variación lingüística, jerga, prejuicio lingüístico, norma culta, norma estándar y lexicografía. Como resultado, observamos que los idiomas varían, siendo la jerga un ejemplo de esto. También constatamos la importancia de insertar variaciones lingüísticas como la jerga en la investigación lexicográfica.
Palabras clave
jerga, lexicografía, norma culta, portugués como lengua extranjera, prejuicio lingüístico, variación lingüística.Abstract
This research is a lexicographical study on a corpus of jargon used with semantic meaning of adjectives in spoken Portuguese in Brazil. We seek to understand the specific use of some Brazilian jargon through the selection, contextualization, and analysis of a lexicon group designed for the public of Portuguese as a foreign language. Thus, we intend to understand the characteristics of the lexical composition of Brazilian jargon used to describe people, objects, places, and/or situations. Specifically, we intend to analyze the lexical composition of jargon, its grammatical characteristics, meanings, and the context in which it is used. For this, we discuss topics such as linguistic variation, jargon, linguistic prejudice, cultured norm, standard language, and lexicography. As a result, we observe that languages vary, being slang an example of this. We also remark the importance of inserting linguistic variations, such as slang, in lexicographical research.
Keywords
Jargon, lexicography, linguistic prejudice, linguistic variation, Portuguese as a foreign language, standard language.Uma característica de todas as línguas é sua capacidade de admitir variações. Essas variações podem ser de diferentes tipos, como as variações dialetais de pronúncia que, segundo Faraco (2002, citado por Etto & Carlos, 2018), podem ser observadas na fala baiana, gaúcha e outras. A gíria é outro exemplo de variação linguística que está relacionada com o contexto cultural, econômico e social da língua e de seus falantes (Etto & Carlos, 2018). Devido à sua inegável expansão, a gíria ou o jargão começou a ser objeto de pesquisa em estudos léxicos. No caso da língua portuguesa, é possível afirmar que as gírias têm sido evidenciadas principalmente na linguagem oral em virtude da sua difusão nos meios de comunicação, como a televisão. Essa difusão, principalmente oral, dificulta o reconhecimento preciso sobre suas origens, dado que não há muitos documentos que datem o aparecimento desses vocábulos (Preti, 2001 ).
Ao longo dos últimos anos, o conceito de gíria tem sido estudado e definido de diferentes formas por muitos autores, mas a maioria concorda em reconhecê-la como uma variação linguística menos prestigiada devido à origem social de seus falantes. Cegalla (1976) menciona, por exemplo, que a gíria é um tipo de linguagem considerada popular e associada às classes incultas. Segundo Da Rocha Lima (1972, citado por Etto & Carlos, 2018), a gíria é uma “língua especial” de alguns grupos sociais com “educação idiomática deficiente” (p. 217). Embora o autor tente fornecer uma definição menos estigmatizada, ao usar a expressão “língua especial”, acaba favorecendo o preconceito que existe sobre as gírias quando se fala de uma “educação idiomática deficiente” (como citado em Etto & Carlos, 2018, p. 216). Devido à sua conotação negativa e à falta de seu reconhecimento como língua padrão, as gírias não estão presentes nos dicionários oficiais das línguas 4 . Além disso, Preti (2001) indica que os dicionários partem de uma linguagem culta para indicar outras variantes lexicais, e as gírias não são assim consideradas.
Apesar de sua ausência nos dicionários, as gírias oferecem informações relevantes sobre a sociedade em que estão inseridas, assim como sobre o grupo específico que as utiliza. No entanto, encontramos um vazio de informação nesse campo de pesquisa justamente porque não é possível recorrer ao dicionário em busca dessas palavras ou expressões. Da mesma forma, não existe uma grande variedade de bibliografia sobre as gírias. Por conseguinte, dados relacionados com esse tema são escassos e de difícil circulação. Com o objetivo de fazer contribuições a esse campo investigativo, este estudo realiza uma pesquisa lexicográfica (Castañeda, 2005; Costa, 2015) sobre algumas gírias utilizadas com sentido semântico de adjetivos em língua portuguesa. Por meio da seleção, da contextualização e da análise de um grupo léxico, buscamos compreender o uso específico de algumas gírias brasileiras.
Dessa forma, esta pesquisa tem como objetivo avaliar quais são as características da composição lexical das gírias brasileiras usadas para adjetivar pessoas, objetos, lugares e situações. De maneira específica, analisamos a composição lexical das gírias, suas características gramaticais, seus significados e o contexto no qual são utilizadas. Para efeitos expositivos dos resultados deste trabalho, dividimos o texto em cinco partes. Na primeira, é apresentado o referencial teórico que orientou esta pesquisa, no qual encontramos discussões sobre os conceitos de variação linguística, gíria, preconceito linguístico, norma culta e norma padrão. Além disso, apresentamos um estado da arte sobre os estudos lexicográficos considerados para o desenvolvimento deste trabalho. Na segunda parte, explicamos a metodologia lexicográfica (Castañeda, 2005; Costa, 2015) escolhida para a realização desta pesquisa. Na terceira parte, expomos os resultados da investigação em uma lista com as gírias mais relevantes usadas com o sentido semântico de adjetivo no Brasil. Na quarta parte, discutimos os resultados à luz dos conceitos teóricos selecionados e apresentados. Na quinta e na última parte, apresentamos as conclusões e as limitações deste estudo.
Referencial teórico
Como mencionado, nesta primeira parte, são apresentados os conceitos teóricos mais relevantes para a realização deste estudo. Em primeiro lugar, discutimos o conceito de variação linguística a partir da noção de sociedade e território geográfico, estabelecendo uma relação entre esses aspectos e a gíria. Em segundo lugar, abordamos o conceito de gíria, discutindo sua origem, expansão e percepção dentro da sociedade. Logo, estabelecemos a relação entre gíria e preconceito linguístico com base nas definições de norma culta e norma padrão. Finalmente, no estado da arte, são apresentados os estudos lexicográficos que conduziram o desenvolvimento deste trabalho.
Variação linguística: sociedade e território
Segundo Castilho (2000, como citado em Görski e Coelho, 2009), a língua, além de ter um conjunto de usos concretos e previamente negociados, é um fenômeno heterogêneo que é representado por regras variáveis e socialmente motivadas. Graças à sua natureza heterogênea é possível entender que uma das principais características das línguas é sua capacidade de variação. Com relação a isso, Görski e Coelho (2009) explicam que o sistema linguístico é composto por regras variáveis presentes em diferentes níveis linguísticos: fonológico, morfológico, sintático, léxico e discursivo.
Geralmente, as variações linguísticas são descritas a partir de três tipos: geográfico, social e estilístico. Entretanto, no contexto deste estudo, utilizamos apenas as definições de variação social e geográfica por sua relevância neste trabalho. A variação social, que também pode ser chamada “diastrática”, faz referência a fatores socioeconômicos e culturais do contexto linguístico. Portanto, a idade, o gênero, a classe social, o grau de escolaridade e a profissão dos falantes são considerados aspectos importantes para a compreensão desse tipo de variação linguística (Görski e Coelho, 2009).
A variação geográfica, que também pode ser chamada “diatópica” ou “regional”, está relacionada com as diferenças linguísticas observáveis entre falantes de diferentes regiões de um mesmo país ou entre falantes do mesmo idioma em diversos países (Görski & Coelho, 2009). No caso específico da língua portuguesa, observamos, por exemplo, diferenças entre os falantes europeus, africanos e brasileiros. Também, naturalmente, observamos variações linguísticas nos contextos particulares dos países que falam português, como é o caso do Brasil.
A partir das definições de variação linguística social e geográfica, é possível fazer um paralelo com o conceito de gíria, que segundo o Dicionário Michaelis (s. d.) é definida como: “linguagem especial usada por certos grupos sociais pertencentes a uma classe ou a uma profissão”. Além desses fatores característicos, as gírias também apresentam variações territoriais, ou seja, são influenciadas pelo contexto em que são faladas. Então, muitas vezes, a gíria falada no Rio de Janeiro não é a mesma falada no Paraná ou em São Paulo, por exemplo. Dessa forma, podemos assumir que a gíria é uma variação linguística de tipo social e geográfico. Para uma melhor compreensão do conceito de gíria, discutimos sua origem a seguir.
A origem das gírias
A gíria é tema central deste estudo e, por isso, torna-se fundamental discutir sobre sua origem e expansão nas sociedades. Atualmente, é impossível negar a rápida expansão da gíria na sociedade e, especialmente, nas áreas urbanas. Entretanto, este não é um fenômeno recente nem está presente apenas no Brasil. Pelo contrário, a gíria está presente em todos os tempos e lugares do mundo e é comumente usada na linguagem oral (Preti, 2001). Por conta disso, é difícil rastrear seu início, pois, sendo oral, não há vestígios ou evidências suficientes de suas origens. No Brasil, estimamos que o aparecimento da gíria seja datado a partir do final do século XIX, com o crescimento das principais cidades brasileiras, como a capital de então, o Rio de Janeiro (Preti, 2001). No início do século XX, a gíria começou a estar presente na literatura, mas, só em 1953, Antenor Nascente publicou o dicionário A gíria brasileira.
Segundo Preti (2006):
quando se trata da história da gíria, conhecê-la significa penetrar no mundo da marginalidade, na vida dos grupos excluídos da sociedade pela sua própria condição de pobreza ou pelas suas atividades peculiares (não raro ilícitas), os quais buscam com a criação de um vocabulário criptológico uma forma de defesa de suas comunidades restritas. (p. 242)
O autor enfatiza que, quanto maior é a união entre os membros de um grupo, mais a gíria servirá como um elemento diferenciador deles. Em outras palavras, a gíria é um fator diferenciador do falante dentro da sociedade.
Nesse contexto, o uso de gírias pode gerar discriminação e culminar em preconceito linguístico, não só por causa da origem de seus falantes, mas também porque a gíria se encontra marginalizada com relação às normas padrão e culta da língua. Muitas vezes, a gíria é concebida de forma pejorativa, mas isso é contraditório, considerando a capacidade da língua de experimentar variações. Outro aspecto contraditório é o próprio fato de a gíria ser estigmatizada e colocada em uma posição menos privilegiada, especialmente por linguistas (Etto & Carlos, 2018). A seguir, discutimos com mais detalhes a relação entre o uso das gírias e o preconceito linguístico.
Gírias e preconceito linguístico
Marcos Bagno (2009) afirma que “o preconceito linguístico está ligado, em boa medida, à confusão que foi criada, no curso da história, entre língua e gramática normativa. Nossa tarefa mais urgente é desfazer essa confusão” (p. 9). Esse conceito está estreitamente relacionado com a definição da norma padrão que, segundo Faraco (2002, citado por Etto & Carlos, 2018), está carregada de preconceitos sobre as variedades e pretende, como implícito em seu nome, padronizar a língua. Essa norma está vinculada a uma língua modelo que vem de muitos séculos, baseada na gramática tradicional e normativa, que considera errado tudo que seja diferente dela. Contudo, como apontado anteriormente, a língua está em constante mudança e isso é confirmado pela norma culta.
A norma culta é entendida como a variação que mais se assemelha ou se aproxima da norma padrão, sendo a utilizada pelas pessoas mais favorecidas e altamente escolarizadas da sociedade. De acordo com Bagno (2012), a norma culta é mais um preconceito do que um conceito. O autor explica: “é o preconceito de que existe uma única maneira ‘certa’ de falar a língua, e que seria aquele conjunto de regras e preceitos que aparece estampado nos livros chamados gramáticas” (p. 21). O autor acrescenta que “se refere à linguagem concretamente empregada pelos cidadãos que pertencem aos segmentos mais favorecidos da nossa população” (Bagno, 2012, p. 23). Do mesmo modo, Faraco (2002) define norma culta como “um conjunto de fenômenos linguísticos que ocorrem habitualmente no uso dos falantes letrados em situações mais monitoradas de fala e escrita e designa a variedade utilizada pelas pessoas que possuem mais contato com a cultura escrita” (como citado em Etto & Carlos, 2018, p. 211).
O problema que a norma padrão traz consigo é a possível exclusão social através da linguagem. Com relação a isso, Monteagudo (2011) afirma que “o prescritivismo tradicional repousa num emaranhado de preconceitos que afinal convertem a variedade padrão num elemento chave da hegemonia e do controle em mãos de um grupo de prestígio e a tornam um pesado fardo de exclusão sociocultural” (como citado em Etto & Carlos, 2018, p. 212). Segundo Bagno (2012), pode surgir uma zona de tensão entre a norma padrão e a norma culta, já que os falantes podem se sentir pressionados por essas duas forças. E, por conseguinte, os falantes terminam criando uma representação da norma que sempre será um híbrido das duas e como a gíria é uma criação considerada contrária ao padrão da língua e, geralmente, proveniente de variações linguísticas nem sempre validadas pelos dicionários, é possível estabelecer uma relação com os preconceitos e a rejeição em torno dela.
Em síntese, a gíria pode ser analisada como uma variação linguística, que, por não ser uma linguagem ponderada como padrão ou “correta”, é passível de sofrer preconceito linguístico. Mesmo assim, é fato que a gíria sempre esteve presente na sociedade e que, apesar de sua conotação negativa, essa variação da língua pode ser comumente identificada na fala, tanto de pessoas de classe baixa como de classe alta, instruídas ou não. A relação existente entre gíria, variação linguística e preconceito linguístico é considerada relevante no contexto desta pesquisa.
Nesse sentido, a seleção de algumas gírias brasileiras, seu estudo lexicográfico e sua análise linguística podem proporcionar resultados interessantes e inovadores para o campo de pesquisas lexicográficas. Para uma melhor compreensão dos objetivos, do alcance e das limitações dos estudos lexicográficos, apresentamos a seguir alguns estudos de referência sobre o tema e seus resultados mais importantes.
Estado da arte
Segundo Borba (2003, como citado em Costa, 2015, p. 23), a lexicografia pode ser entendida a partir de dois aspectos: como técnica ou como teoria. Como técnica, refere-se ao trabalho anterior à criação e à montagem de um dicionário geral da língua. Ou seja, trata-se de uma técnica para definir os critérios de seleção do conjunto de entradas, nomenclaturas, definições, entre outros, na construção de um dicionário. Como teoria, entende-se como um conjunto de princípios estabelecidos para descrever determinado léxico de uma linguagem e a apresentação de informações relevantes sobre ele. De maneira geral, a lexicografia pode ser entendida como o estudo do desenvolvimento, da composição e do uso de determinado grupo léxico prévio à elaboração de um dicionário (como citado em Costa, 2015, p. 23).
Para Costa (2015), embora a lexicografia possa ser considerada um ramo da linguística, ela deve ser entendida como uma disciplina independente. Nesse sentido, Tarp (2013) afirma que, mesmo utilizando conhecimentos de outras áreas para alcançar seu objetivo, a lexicografia e a linguística são completamente independentes e com diferentes objetos de estudo. De acordo com o autor, a lexicografia é “o estudo e desenho dos dicionários e outras obras lexicográficas como glossários, enciclopédias, entre outras” (como citado em Costa, 2015, p. 29). Dessa forma, entendemos que a lexicografia é o estudo da estrutura, da função e da definição de uma palavra e que tem como objetivo final a criação de um dicionário.
Para esta pesquisa em particular, foram tomados como referência dois estudos realizados por Luz Stella Castañeda, coordenadora do programa de mestrado em Linguística da Universidad de Antioquia, em Medellín, na Colômbia. O primeiro estudo, El parlache: resultados de una investigación lexicográfica (2005), constrói um dicionário detalhado do parlache, uma variação dialetal do espanhol colombiano falado na cidade de Medellín e seus arredores. O objetivo desse estudo foi mostrar cada unidade lexical em contexto, fazer anotações sobre seu uso, seu processo de criação ou de transformação lexical. Além disso, a pesquisa buscou fornecer a classificação gramatical de acordo com o contexto, a classificação temática, o tipo de palavra ou expressão, a definição e um sinônimo na língua padrão (Castañeda, 2005).
Como resultado, foi criado um corpus de 2538 itens léxicos do parlache, todos com um exemplo contextualizado de uso. Esse banco de dados com informações lexicológicas e lexicográficas para cada palavra do parlache não foi apenas uma contribuição relevante para o estudo em si, mas também para as futuras pesquisas na área. É o caso da investigação Fórmulas de apertura y cierre en procesos de interacción verbal en parlache (2013), que fez uso do corpus compilado anteriormente em 2005. O foco principal dessa pesquisa foi identificar as características mais comuns para a abertura e o fechamento de discursos para os falantes do parlache. Com base nos dados do corpus, os resultados mais importantes, segundo Castañeda e Henao (2013), revelaram que, na abertura de seus discursos, os falantes começam suas conversas usando uma frase equivalente a uma saudação e uma segunda que implica proximidade. Com relação ao encerramento do discurso no parlache, os fechamentos são apressados e curtos, o que indica que há perigo e que os falantes precisam se afastar rapidamente.
As duas pesquisas apresentadas dão uma ideia do que pode ser um estudo desse tipo e são inspirações metodológicas para o desenvolvimento deste trabalho. Castañeda (2005) também apresenta as etapas necessárias para a realização de um estudo lexicográfico que são detalhadas na metodologia apresentada a seguir.
Metodologia
Baseado em Costa (2015), escolhemos as seguintes etapas da metodologia lexicográfica para a realização desta pesquisa: em primeiro lugar, estabelecemos os critérios para a seleção das gírias a serem incluídas e analisadas em uma lista de palavras. Em segundo lugar, definimos as categorias segundo as quais as gírias são analisadas. Por último, delineamos tanto a estrutura quanto a forma de organização da lista de gírias construída como resultado deste trabalho.
Sobre a primeira etapa da metodologia, é importante perguntar-nos duas coisas: 1) para que propósito se constrói o corpus proposto; e 2) qual é a finalidade desse corpus em questão. No contexto desta pesquisa, foram selecionadas gírias usadas com valor semântico de adjetivos e consideradas relevantes. Dessa forma, o corpus tem como objetivo descrever esta realidade linguística do contexto brasileiro.
Para o desenvolvimento da segunda etapa metodológica, tomamos como referência o modelo de ficha utilizado por Castañeda (2005) em seu primeiro estudo. No entanto, o adaptamos e estabelecemos como prioridade as seguintes informações na ficha: entrada ou palavra, definição, exemplos de uso, sinônimos em português padrão, os estados brasileiros de origem e, por último, informações adicionais sobre o uso dessas gírias.
Finalmente, a terceira etapa da metodologia consiste em estabelecer a estrutura de apresentação da lista de palavras. Embora o produto deste estudo não seja a construção de um dicionário propriamente dito, apresentamos o corpus selecionado e analisado tomando como referência o formato de dicionários. Portanto, a lista de palavras desse corpus é apresentada por meio de fichas que são organizadas em ordem alfabética.
Resultados
Com base no desenvolvimento das etapas da metodologia apresentada, construímos uma lista de gírias e/ou expressões brasileiras utilizadas como adjetivos, do ponto de vista sintático e semântico. Esse corpus temático foi selecionado devido à sua relevância nas interações em língua portuguesa, uma vez que, além de serem frequentemente utilizadas, são gírias e/ou expressões que funcionam como intensificadores do discurso.
Escolhemos as vinte gírias e/ou expressões mais frequentes nas páginas de internet pesquisadas. O corpus foi obtido por meio de pesquisa, principalmente, no banco de dados do Dicionário informal do português brasileiro ( https://www.dicionarioinformal.com.br), no Dicionário popular ( https://www.dicionariopopular.com/girias), na parte de gírias, em um blog de gírias atuais ( https://lucianabugni.blogosfera.uol.com.br/2017/09/19/27-girias-atuais-para-parecer-moderno) e em um segundo blog de gírias ( https://www.lopes.com.br/blog/cultura/expressoes). No segundo dicionário, há uma seção sobre as gírias de cada um dos 26 estados brasileiros. Feita a pesquisa, as gírias e/ou expressões que consideramos importantes e necessárias para este trabalho são as apresentadas na Tabela 1 .
Tabela 1: Gírias e/ou expressões brasileiras
N.º | Gíria e/ou expressão | N.º | Gíria e/ou expressão |
1 | Arroiado | 11 | Maneiro |
2 | Boca-de-zero-nove | 12 | Mec |
3 | Bugado | 13 | Mocorongo |
4 | Dar ruim | 14 | Mofino |
5 | Embaçado | 15 | Nervoser |
6 | Estar (tá) pistola | 16 | Pagar pau |
7 | Estar/ficar na mão do palhaço | 17 | Palha |
8 | Ficar boiando | 18 | Passar batido |
9 | Ficar bolado | 19 | Pela saco |
10 | Irado | 20 | Sangue bom |
Fichas das gírias e/ou expressões brasileiras
Para cada uma das gírias e/ou expressões, elaboramos uma ficha, conforme sugerido na metodologia, com a entrada (gíria ou expressão), a definição, três exemplos de uso, três sinônimos em português padrão, o estado brasileiro de origem e, por último, informações adicionais sobre o uso dessa gíria.
Com relação aos exemplos, embora a maioria deles tenha sido elaborada pelas autoras deste trabalho, há alguns que foram retirados dos dicionários consultados e apresentam suas fontes citadas. Além disso, consideramos que três exemplos ou sinônimos eram suficientes para o entendimento das gírias e/ou expressões analisadas. Dessa forma, os estudantes podem entender e aprender adequadamente o uso desse corpus porque foram considerados seus diferentes significados em cada exemplo.
Para a seleção dos sinônimos em português padrão, foram utilizados os dicionários Priberam (https://dicionario.priberam.org) e Michaelis (https://michaelis.uol.com.br), considerando sua importância para a língua portuguesa. Além disso, alguns sinônimos também foram extraídos do Dicionário informal ( https://www.dicionarioinformal.com.br). Deste último, juntamente com o Dicionário popular ( https://www.dicionariopopular.com/girias), foram retiradas as definições de cada uma das gírias e/ou expressões. Da mesma forma, foi consultado, no Dicionário popular, o estado de origem de quase todas as gírias e/ou expressões, excetuando duas, cuja origem não se encontrou. Essa falta de informação da origem pode ser a forma como essas gírias foram velozmente difundidas, dificultando seu rastro. Também é importante mencionar que não há uma explicação lógica sobre o estado brasileiro de origem de cada gíria e/ou expressão, encontramos sim mais gírias em determinados estados que em outros, mas não nos questionamos no contexto dessa pesquisa a razão desse fato. Assim, como é detalhado nas fichas, a maioria do corpus analisado tem origem no Rio de Janeiro. Apresentamos a seguir o conjunto das vinte fichas construídas ao longo desta pesquisa.
Tabela 1: Ficha 1 — Arroiado
Entrada | Arroiado |
Definição | Quer dizer cheio, lotado (Stein, s.d.). |
Exemplos de uso | (1) Estou arroiado de tarefas para minhas aulas de amanhã. (2) O lugar estava arroiado, não pudemos curtir a festa. (3) Ele não pode sair, tá arroiado de trabalho. |
Sinônimos na norma padrão | (1) Cheio. (2) Saturado. (3) Carregado. |
Estado de origem | Minas Gerais. |
Informações adicionais sobre o uso | É usada para se referir a pessoas e lugares |
Tabela 2: Ficha 2 — Boca-de-zero-nove
Entrada | Boca-de-zero-nove. |
Definição | Quer dizer que uma pessoa é corajosa ou tem muita atitude. |
Exemplos de uso | (1) Ele é boca-de-zero-nove, não tem medo nunca. (2) Gosto das pessoas que são boca-de-zero-nove. (3) Ela é boca-de-zero-nove, gosta dos desafios. |
Sinônimos na norma padrão | (1) Corajoso. (2) Valente. (3) Arrojado. |
Estado de origem | Bahia. |
Informações adicionais sobre o uso | Serve para adjetivar uma pessoa, mas não uma situação. |
Tabela 3: Ficha 3 — Bugado/a
Entrada | Bugado/a. |
Definição | Quer dizer que algo ou alguém não está funcionando bem. Também pode ser usada quando alguém não entende alguma coisa (Dicionário informal, s. d.). |
Exemplos de uso | (1) Essa gripe me deixou bugada. (2) Meu celular está bugado, devo comprar um novo. (3) Ele tá bugado hoje, não entende nada do que eu falo. |
Sinônimos na norma padrão | (1) Estragado. (2) Lento. (3) Confuso. |
Estado de origem | São Paulo. |
Informações adicionais sobre o uso | Vem da palavra inglesa “bug”. Vale para objetos eletrônicos, mas se estendeu também para outras coisas e pessoas. |
Tabela 4: Ficha 4 — Dar ruim
Entrada | Dar ruim. |
Definição | Expressão usada para descrever absolutamente quaisquer situações que não tenham saído conforme o esperado, desde as mais cotidianas até as mais trágicas (Lopes, 2017). |
Exemplos de uso | (1) Tentei ajudá-lo, mas deu ruim. (2) Meu time do coração perdeu, deu muito ruim. (3) Queria chegar antes, mas deu ruim por causa do trânsito. |
Sinônimos na norma padrão | (1) Desfavorável. (2) Malsucedido. (3) Inconveniente. |
Estado de origem | Rio de Janeiro. |
Informações adicionais sobre o uso | Tem o uso parecido à expressão “dar errado ou não dar certo”. |
Tabela 5: Ficha 5 — Embaçado/a
Entrada | Embaçado/a. |
Definição | Pode se referir a uma situação difícil. Também quer dizer que um lugar é perigoso ou de difícil acesso. |
Exemplos de uso | (1) Aquela rua é meio embaçada, melhor não passar por lá (Stein, s.d.). (2) Sinto muito que você esteja passando por uma situação tão embaçada. (3) Toma cuidado, aquele lugar é muito embaçado. |
Sinônimos na norma padrão | (1) Perigoso. (2) Arriscado. (3) Melindroso. |
Estado de origem | São Paulo. |
Informações adicionais sobre o uso | Também pode ser usada para caracterizar pessoas e não apenas para definir lugares ou situações. |
Tabela 6: Ficha 6 — Estar (tá) pistola
Entrada | Estar (tá) pistola. |
Definição | Estar ou ficar com muita raiva. |
Exemplos de uso | (1) Tô pistola com ele desde ontem. (2) Ele tá pistola porque o time dele perdeu. (3) Tá pistola? |
Sinônimos na norma padrão | (1) Bravo. (2) Irritado. (3) Com ira. |
Estado de origem | Não se encontrou. |
Informações adicionais sobre o uso | Expressão usada para expressar se alguém está bravo ou nervoso e para provocar (“por que tá pistola?”). |
Tabela 7: Ficha 7 — Estar/ficar na mão do palhaço
Entrada | Estar/ficar na mão do palhaço. |
Definição | Quer dizer que alguém ficou muito bêbado e saiu do controle, agindo de forma embaraçosa (Stein, s.d.). |
Exemplos de uso | (1) Cara, ontem você estava na mão do palhaço (Stein, s.d.). (2) Ele ficou na mão do palhaço lá na festa. (3) Eu estava na mão do palhaço ontem, não me lembro de nada. |
Sinônimos na norma padrão | (1) Bêbado. (2) Alterado. (3) Embriagado. |
Estado de origem | Rio de Janeiro. |
Informações adicionais sobre o uso | Expressão que se refere a estar sob a influência de álcool ou drogas. Portanto não só é usada apenas para fazer referência a pessoas, mas também aos efeitos dessas substâncias nelas. |
Tabela 8: Ficha 8 — Ficar boiando
Entrada | Ficar boiando. |
Definição | Quando você não entende alguma situação, fica por fora do assunto, não sabe o que está acontecendo. |
Exemplos de uso | (1) Mesmo você explicando, eu fiquei boiando. (2) Não vou explicar mais, você sempre fica boiando. (3) Você pode repetir? A gente ficou boiando. |
Sinônimos na norma padrão | (1) Confuso. (2) Desorientado. (3) Embaraçado. |
Estado de origem | Rio Grande do Sul. |
Informações adicionais sobre o uso | Expressão usada exclusivamente para se referir a pessoas que não entendem o que está acontecendo. |
Tabela 9: Ficha 9 — Ficar bolado/a
Entrada | Ficar bolado/a. |
Definição | Sentimento ou sensação de preocupação, incompreensão. Também pode significar ficar com raiva por alguma coisa que a pessoa não gostou (Lopes et al., 2017). |
Exemplos de uso | (1) Ele ficou bolado porque usaram as coisas dele sem pedir. (2) A garota deu um fora nele e ele ficou bolado. (3) Tô ficando bolado com a demora daquela encomenda (Stein, s.d.). |
Sinônimos na norma padrão | (1) Perturbado. (2) Confuso. (3) Enfadado. |
Estado de origem | Rio de Janeiro. |
Informações adicionais sobre o uso | “Ficar bolado” é ficar preocupado, bravo com algo ou alguém ou simplesmente não ter entendido ou gostado de algo. |
Tabela 10: Ficha 10 — Irado/a
Entrada | Irado/a. |
Definição | Palavra usada para dizer que algo ou alguma situação é realmente impressionante positivamente. |
Exemplos de uso | (1) A praia estava irada. (2) Ele é um cara irado. (3) O jogo foi irado. |
Sinônimos na norma padrão | (1) Maravilhoso. (2) Incrível. (3) Muito bom. |
Estado de origem | Rio de Janeiro. |
Informações adicionais sobre o uso | “Irado” é um adjetivo muito positivo que pode ser dado a pessoas ou a situações. É muito mais que “maneiro”. Para ser irado, tem que ser muito maneiro (Lopes et al., 2017). |
Tabela 11: Ficha 11 — Maneiro/a
Entrada | Maneiro/a. |
Definição | Situação ou algo legal, interessante, que chama a atenção das pessoas. Boa qualidade. |
Exemplos de uso | (1) Achei seus tênis maneiros. (2) Essa garota é muito maneira. (3) Vou ficar maneiro com essa roupa. |
Sinônimos na norma padrão | (1) Bom. (2) Agradável. (3) Bonito. |
Estado de origem | Rio de Janeiro. |
Informações adicionais sobre o uso | Dizer que algo é maneiro é dar a sua aprovação, é elogiar (Lopes et al., 2017). É importante ressaltar que “maneiro” e “irado” representam intensidades diferentes. “Maneiro” tem uma intensidade menor do que “irado”. |
Tabela 12: Ficha 12 — Mec
Entrada | Mec. |
Definição | Quer dizer que algo está tranquilo (Stein, s.d.). |
Exemplos de uso | (1) Fica mec aí! (2) Já vou lá para que você fique mec. (3) Tô mec, e você? |
Sinônimos na norma padrão | (1) Tranquilo. (2) Ótimo. (3) Perfeito. |
Estado de origem | Rio de Janeiro. |
Informações adicionais sobre o uso | É uma gíria usada, geralmente, nas favelas do Rio de Janeiro. |
Tabela 13: Ficha 13 — Mocorongo/a
Entrada | Mocorongo/a. |
Definição | Quer dizer que alguém é lento, sonso (Stein, s.d.). |
Exemplos de uso | (1) Meu irmão é muito mocorongo, nunca entende nada do que eu digo. (2) Por que você gosta dele? Ele é um mocorongo! (3) Aquele mocorongo não entendeu nada! |
Sinônimos na norma padrão | (1) Incapaz. (2) Tonto. (3) Inepto. |
Estado de origem | Paraná. |
Informações adicionais sobre o uso | Refere-se exclusivamente a pessoas, não costuma ser usada para descrever uma situação ou lugar. |
Tabela 14: Ficha 14 — Mofino/a
Entrada | Mofino/a. |
Definição | Quer dizer que alguém está triste, abatido (Stein, s.d.). |
Exemplos de uso | (1) Melhor não vou para lá hoje, tô mofino. (2) O cara brigou com sua namorada, tá mofino. (3) Fiquei mofino depois de receber a nota da prova. |
Sinônimos na norma padrão | (1) Triste. (2) Desanimado. (3) Desolado. |
Estado de origem | Paraná. |
Informações adicionais sobre o uso | Apesar de ser escrita com “o”, essa gíria se pronúncia com “u”: /mufino/ (Stein, s.d.). |
Tabela 15: Ficha 15 — Nervoser
Entrada | Nervoser. |
Definição | Quer dizer que alguém está tenso, ansioso. |
Exemplos de uso | (1) Tá nervoser? Relaxa aí. (2) Você ficou nervoser logo depois de falar com ele. (3) A equipe tá perdendo, tô nervoser. |
Sinônimos na norma padrão | (1) Ansioso. (2) Estressado. (3) Nervoso. |
Estado de origem | Não se sabe. |
Informações adicionais sobre o uso | Gíria geralmente usada para se referir a pessoas estressadas. Também pode ser escrita com “u”: nervouser (Bugni, 2017). |
Tabela 16: Ficha 16 — Pagar pau
Entrada | Pagar pau. |
Definição | Expressão usada para afirmar que existe interesse físico e afetivo por alguém. Ou admiração que pode se confundir com puxa-saquismo. |
Exemplos de uso | (1) Você tá pagando pau pra essa garota? (2) Você é muito paga pau de famoso. (3) Eu pago muito pau pra ele. |
Sinônimos na norma padrão | (1) Admirar. (2) Gostar. (3) Desejar. |
Estado de origem | Rio de Janeiro. |
Informações adicionais sobre o uso | Apesar de ter origem no estado do Rio de Janeiro, a expressão é usada no Brasil todo. |
Tabela 17: Ficha 17 — Palha
Entrada | Palha. |
Definição | Quer dizer que algo é sem graça, chato (Stein, s.d.). |
Exemplos de uso | (1) A festa de amanhã vai ser muita palha, não vai quase ninguém. (2) Esse lugar é muito palha, prefiro não ir. (3) Gostou do livro? Não, achei palha. |
Sinônimos na norma padrão | (1) Chato. (2) Desinteressante. (3) Monótono. |
Estado de origem | Paraná. |
Informações adicionais sobre o uso | Essa expressão é usada para falar de pessoas ou situações. Geralmente, é acompanhada de “muito” que serve para enfatizar. |
Tabela 18: Ficha 18 — Passar batido
Entrada | Passar batido. |
Definição | Significa passar despercebido ou se livrar de alguma situação (Stein, s. d.). |
Exemplos de uso | (1) Passei batido lá em casa hoje, nem falei com ninguém (Stein, s. d.). (2) O cara passou batido hoje, não percebi que estava lá. (3) Eu passei batido por essa parte do texto, não prestei atenção nisso. |
Sinônimos na norma padrão | (1) Despercebido. (2) Incógnito. (3) Ignorado. |
Estado de origem | São Paulo. |
Informações adicionais sobre o uso | Essa expressão é usada para se referir ou falar de alguma situação em que a pessoa não presta muita atenção. |
Tabela 19: Ficha 19 — Pela saco
Entrada | Pela saco. |
Definição | Expressão usada para definir uma pessoa irritante ou arrogante. Também pode ser usada para falar de alguém que não tem muita personalidade (Stein, s. d.). |
Exemplo de uso | (1) Aquele cara é um pela saco, não suporto ele. (2) Não sei como ela namora aquele pela saco sem personalidade. (3) O novo gerente é um pela saco, o anterior não era assim tão irritante. |
Sinônimos na norma padrão | (1) Arrogante. (2) Irritante. (3) Insuportável. |
Estado de origem | Rio de Janeiro. |
Informações adicionais sobre o uso | A pessoa que é um “pela saco”, geralmente, não sabe que as pessoas dizem isso dela. |
Tabela 20: Ficha 20 — Sangue bom
Entrada | Sangue bom. |
Definição | Quer dizer que a pessoa é confiável ou gente boa (Stein, s.d.). |
Exemplos de uso | (1) Meu amigo é mesmo sangue bom, sempre me ajuda com meus problemas. (2) Gostei desse cara, posso lhe contar todos meus problemas, é sangue bom. (3) Gosto das pessoas sangue bom como você! |
Sinônimos na norma padrão | (1) Confiável. (2) Fiável. (3) Agradável. |
Estado de origem | Rio de Janeiro. |
Informações adicionais sobre o uso | Usada exclusivamente para adjetivar pessoas, não se usa para falar de situações. |
Discussão
Em primeiro lugar, como mencionado no referencial teórico e de acordo com nossos dados, pudemos confirmar que, de fato, a língua sofre variações, e as gírias são um exemplo disso. Da mesma forma, observamos que as gírias, sendo variações, podem ser geográficas e/ou sociais. Ou seja, elas estão relacionadas ao território e à sociedade. Vimos isso refletido nas fichas, pois elas mostram como as gírias não existem apenas em um estado brasileiro, mas também podemos observar que existe um território mais específico, o território urbano. Um exemplo disso é a palavra “mec”, que, como especificado na ficha número 12, é usada principalmente nas favelas do Rio de Janeiro. Assim, é possível ver que existe uma forma característica de falar nas favelas que pode diferir, por exemplo, da forma de falar nos bairros de classe alta do Rio. Ainda, podemos ver que a gíria também é uma variante social já que dentro dela existem variações que pertencem a diferentes partes da sociedade.
Em segundo lugar, como referência à origem e à expansão da gíria, nos resultados pudemos notar que foi impossível encontrar a origem de duas das gírias. Como mencionado no referencial teórico, isso pode ser devido à rápida expansão e difusão das gírias desde o seu início. Além disso, também foi observado que a maioria das gírias selecionadas pertence ao Rio de Janeiro, lugar mais comum onde as novelas são filmadas no Brasil, o que poderia justificar sua rápida expansão, devido a que a televisão tem grande alcance entre a população brasileira. Junto a isso, devemos levar em conta que novelas e programas de televisão, entre outros produtos audiovisuais brasileiros, são altamente consumidos não só no Brasil, mas no mundo inteiro hoje graças às plataformas de streaming, como a Netflix. Assim, poderia ser estabelecida uma relação entre o fato de que há mais informações sobre as gírias do Rio de Janeiro do que dos outros estados. O desenvolvimento dessa hipótese pode ser considerado em estudos futuros relacionados a esse tema.
Isso também poderia ser explicado a partir do conceito de preconceito linguístico, pois deve ser considerada a possibilidade de que a gíria do Rio de Janeiro tenha mais visibilidade e/ou seja mais valorizada no território brasileiro e, portanto, apareça mais e existam mais informações sobre ela. É claro que existem gírias em todo o Brasil, mas, considerando o fator do espaço geográfico, poderia ser possível pensar que em alguns estados brasileiros esse vocabulário seja marginalizado? Ou seja, é possível que existam territórios onde há mais preconceitos linguísticos com relação às gírias e, portanto, a norma padrão e a norma culta sejam mais predominantes? Mesmo que não possamos responder a essas perguntas com total certeza, assumimos que, embora as gírias sejam utilizadas em todo o território, a percepção delas pode não ser a mesma em todo o território ou em cada um dos estados brasileiros.
Em terceiro lugar, é necessário considerar a importância da norma padrão não apenas no estudo, mas também nos resultados obtidos. Ao observarmos as fichas, podemos ver que não teria sido possível construí-las sem a norma padrão que nos permitiu encontrar os sinônimos para as gírias. Assim, embora as gírias estejam fora da norma padrão e da norma culta, não é possível conceber uma sem a outra. Tendo em mente que a norma padrão é o que está mais próximo da língua sem variações, poderíamos assumir que tanto a norma culta quanto as gírias são como essa derivação da norma padrão, apesar de as gírias também poderem vir de outros lugares.
Em quarto lugar, este estudo lexicográfico tem contribuído para perceber a importância dessas palavras e expressões nas relações sociais e interpessoais no Brasil. É evidente que a sociedade brasileira está permeada pelas gírias e, como abordado neste trabalho, pelas palavras e pelas expressões que buscam adjetivar experiências, situações e até mesmo pessoas. Em outras palavras, assumimos que a escolha das palavras terá um efeito diferente no receptor.
Isto é, não é igual usar a expressão “tá pistola” do que dizer que alguém está bravo. Mesmo levando em conta o que é especificado nas informações adicionais de uso em sua ficha, a expressão “tá pistola” também pode ter um certo tom jocoso com relação à pessoa que está com raiva. Do mesmo modo, se imaginarmos que estamos no Brasil, no meio de uma conversa com alguém que nos conte uma boa notícia, podemos responder “que legal!”, mas isso não será o mesmo que dizer “irado!”.
Como mencionado, essas diversas respostas podem ser percebidas de forma diferente pelo receptor. Embora ambos tenham significados semelhantes, e “legal” tenha uma conotação positiva, “irado” consegue potencializar ainda mais a emoção do que “legal”; portanto, o falante pode ser percebido de uma forma mais próxima na conversa.
Da mesma forma, poderíamos ter presente o tema ou a categoria que escolhemos para este trabalho: gírias e/ou expressões usadas com sentido semântico de adjetivos no português falado no Brasil. Considerando que o Rio de Janeiro prevaleceu nessa categoria, outra hipótese possível para uma pesquisa a seguir poderia ser se os cariocas utilizam mais frequentemente essas gírias e expressões ao momento de expressar seus gostos, fazer julgamentos e/ou referir-se ou descrever outras pessoas, coisas, situações e lugares do que as pessoas do resto do país.
Por último, fazendo referência ao estado da arte, é preciso considerar a lexicografia. Como já foi explicado, o objetivo desse tipo de estudo é refletir a estrutura, a função e os significados das palavras. Portanto, seguindo o propósito da metodologia e com base em um estudo lexicográfico, conseguimos construir nossas fichas. Contudo, conforme fomos avançando no desenvolvimento desta pesquisa e na construção de cada ficha, decidimos acrescentar detalhes que não faziam parte do estudo de base. Por exemplo, decidimos aumentar o número de frases em que as gírias e/ou expressões eram usadas, o número de sinônimos e, em particular, decidimos indicar o feminino em cada palavra.
Conclusões
A partir desta pesquisa lexicográfica sobre as gírias brasileiras, chegamos às conclusões abaixo.
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De fato, toda língua sofre variações ao longo do tempo e é necessário aceitá-las e aprender sobre elas porque são todas importantes e fazem parte de nossa identidade como falantes de uma língua. Por conseguinte, não se deveria considerar que uma seja mais relevante do que as outras.
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Embora não haja certeza sobre sua origem, as gírias sempre estiveram presentes na sociedade. Do mesmo modo, embora tendo recebido uma conotação negativa e não sendo amplamente aceitas na sociedade, a sua difusão é tão rápida que seria muito difícil detê-las ou eliminá-las.
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Sendo as variações característica própria da língua, seria inútil continuar negando ou estigmatizando-as. Da mesma forma, é evidente que a norma padrão, a norma culta e as gírias estão conectadas entre si e, portanto, negar uma seria negar as outras, já que todas elas são variações.
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As gírias são importantes nas relações sociais e interpessoais no Brasil porque independentemente do nível de educação ou status socioeconômico dos falantes, a língua é construída por todos.
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Embora a lexicografia seja uma ferramenta útil para o estudo das estruturas, dos significados e da função das palavras, consideramos que não existe uma verdade absoluta e, portanto, não há uma maneira única de realizar um estudo lexicográfico. Assim, é necessário continuar realizando mais estudos sobre esse tema a fim de adquirir mais e novos conhecimentos sobre ele.
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Como pôde-se observar, não é possível falar sobre as gírias sem abordar outros temas. Portanto, são necessárias novas pesquisas para responder às questões que saíram deste estudo e que não puderam ser resolvidas e, igualmente, para poder verificar as suposições que existem em torno desse tema.
Referências
Referencias
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